No Pátio

A visão de B. estava ofuscada pela forte iluminação do local, que ele havia julgado ser algo como uma base militar, pelo pouco que conseguira ver. Os diversos refletores que faziam seus raios de luz dançar pelo lugar, tornavam não fechar os olhos impossível naquele momento. B. permaneceu com as pálpebras cerradas até a situação parecer estar sob controle.

Ao abrir os olhos, ele olhou em volta com mais calma e tentou reconhecer onde estava. Era um enorme pátio em forma de círculo, circundado por uma cerca de alta tensão que podia ser identificada pelos avisos de CUIDADO!, abaixo da figura do crânio com ossos cruzados. Não parecia haver mais nada em volta digno de nota. Apenas o chão cimentado, que contrastava com o piso de areia que ele podia ver além das cercas, transformando o pátio em uma espécie de oásis de concreto.

Agora, soava uma sirene ensurdecedora. O som parecia que ia estourar os tímpanos de B., que se jogou ao chão com as mãos nos ouvidos. Conseguiu aliviar um pouco o efeito do barulho, mas não impediu que reverberasse dentro de sua cabeça e continuasse a machucar sua audição. Pouco depois a sirene parou, e ele soltou um suspiro de alívio.

Olhou em volta mais uma vez. Também não identificou de onde viera o som. Explicações para as coisas que ocorriam não parecia ser a especialidade da casa.

Não, aquele lugar não era uma base militar. Nada parecia haver além do pátio, um lugar isolado e destoante. A luz dos refletores agora estava fraca, mas iluminava o suficiente. Do lado de fora se estendia apenas o enorme deserto, até onde os olhos alcançavam.

B. pensou como havia parado ali. Não se lembrava, e isso o perturbou. Apesar de todo o esforço, não conseguiu identificar sua última lembrança anterior aquele momento. Não tinha para aonde ir e estava sem saber o que fazer, contemplando a imensidão na qual se encontrava.

A terra então começou a tremer. No início foi um leve tremor, mas logo se transformou em um terremoto de considerável intensidade, levando B. ao chão mais uma vez.

O tremor não durou, e quando cessou, B. fez o que fazia quando se encontrava em situações aparentemente inexplicáveis –o que não era raro, diga-se de passagem– ,e fechou os olhos com força. Concentrou-se em sair dali.

Ao reabri-los, tinha a esperança de se encontrar em algum lugar conhecido, onde pudesse simplesmente voltar a fazer o que quer que estivesse fazendo antes de ser jogado naquele pátio, sem qualquer razão aparente.

Porém, ele se decepcionou. Continuava lá. Mas logo se deu conta de que havia algo diferente.

Perto da cerca, agora havia um grande baú de madeira. Mogno, sem dúvidas, reconhecível mesmo a distância. Seria por aquilo que estava ali?

B. não ponderou sequer mais um segundo. Caminhou até lá.

O caminho pareceu mais longo do que ele supôs que fosse. A extensão do pátio pareceu aumentar enquanto ele andava. Tentou correr mais rápido, mas de nada adiantava, continuava a se aproximar na mesma velocidade. Por mais surreal que isso fosse, pouco importava agora. Estava com o baú na sua frente.

Era um grande baú. A altura correspondia aproximadamente à cintura de um homem alto como B. Era feito de madeira maciça, com as trancas de ferro e adornos dourados.

Faltava a chave.

B. ficou frustrado por um momento, mas logo se deu conta de como poderia resolver isso. Fechou os olhos mais uma vez, e quando os reabriu, uma grande chave, dourada como os adornos do baú, estava agora no chão a seu lado.

Sorriu.

Ele pegou a enorme e pesada chave. Encaixou-a na fechadura e girou, não sem alguma dificuldade, destravando o objeto. B. então soltou as trancas, e levantou a tampa com muito esforço. Era pesada o suficiente para dois homens levantarem juntos, sem constrangimento. Mas ele a levantou sozinho, pois mesmo se quisesse ajuda, não teria.

Ao completar a tarefa, olhou o que havia dentro.

Uma luz, tão ofuscante quanto a dos refletores brilhava, vinda de dentro do baú. Quando ela se amainou, B. pôde ver uma caixinha prateada elegante, onde estavam talhadas em outro as palavras “O Segredo”.

O coração de B. acelerou quando ele agachou e segurou a caixa, que estava cuidadosamente colocada sobre o fundo almofadado vermelho. Ele sentiu uma corrente de energia forte subir pelo seu corpo, uma sensação de poder jamais antes experimentada. Sentiu que talvez em suas mãos estivesse algo que escaparia à sua simples compreensão.

No momento em que ele começou a se erguer com o pequeno objeto em mãos e o sentimento de poder e sabedoria parecia atingir seu êxtase, o mundo pareceu rugir. Um vento forte como um ciclone começou a soprar, levantando a areia do deserto. Era um vento que vinha de todos os lados, em todas as direções. A tempestade de areia destruiu as cercas de alta tensão como se não passassem de montes de feno, e levou B. consigo. Antes que ele pudesse perceber, estava no ar, voando com o vento e a areia do deserto se enroscando em seu corpo. Olhou para suas mãos, que não mais carregavam a caixa. Olhou para baixo no meio da confusão em que se encontrava e pôde ter uma última visão do baú aberto e O Segredo pousado confortavelmente no almofadado vermelho, antes de ser levado para longe e perder a consciência.

B. abre os olhos, arfando. Está em sua cama.

Não passou de um sonho, pensou.

Recostou-se e ficou sentado, ainda se acalmando. A adrenalina dominava seu corpo, e ele sentia o coração e as veias pulsarem fortemente dentro dele.

Quando finalmente se aquietou, percebeu que algo o incomodava. Levantou da cama, e passou a mão pelo corpo.

Estava repleto de areia.

Aquilo havia sido qualquer coisa, menos um sonho.

Seus braços e pernas também tinham arranhões recém adquiridos, também repletos de areia. B. não podia acreditar.

Já havia passado por mais de uma situação desconexa e perturbadora, mas nunca havia sentido nada como sentira no momento em que segurou aquela pequenina coisa, com aquelas belas letras cuidadosamente talhadas.

Voltou para a cama, não sem antes tomar um banho e tirar a areia do corpo. Deitou-se, e se revirou durante toda a noite, tentando voltar a dormir, ou a qualquer que fosse o estado de consciência em que estivera. Quando finalmente conseguiu adormecer, não sonhou nem esteve no pátio outra vez. O Segredo permaneceu imaculado dentro de sua caixa, no baú de mogno, perdido em algum lugar no tempo e no espaço.

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 18/04/2011
Reeditado em 04/07/2011
Código do texto: T2917076
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