Assumida

Não chega a ser um conto de terror, mas preciso de você leitor, desse contato cálido que nos aproxima, desse reavivamento que você me faz inclinando as sombrancelhas nesta tela branca feito sorriso...

Travesti

No deserto havia uma maneira única de se viver. Na miséria. Na imundície. Na mais hedionda fome. Ninguém sabia. Não havia ricos para sustentar aquela pobreza magra. Uma magreza miserável. A travesti sentia um cheiro ruim. Erguia os braços. Debaixo sempre fora forte. Enfiou o dedo na calcinha. O odor não vinha dali. Respirou o ar. Suor. Depois urina. Adiante sêmen e fezes. Secreções corpóreas. Sentiu que o cheiro não provinha dos corpos. Mas da maneira de ser. Ninguém se atentava a fétida fragrância. E ela pensou que também vivia daquele perfume sujo. Embalsamada. Exalava. Estava conspurcada e se achava normal. A miséria passou a ter nome de gente, para ela. Por começar com letra maiúscula. A Miséria.

A sua miséria. Foi pensando no povo do deserto. Naquela vila ignota. Não via nada muito longe. A Miséria nascia dali do meio. Ninguém sabia, a não ser ela. A única que sabia ser miserável. A Travesti

. A Miséria, enfim, fedia a fezes. Fazia muito calor. Sua miséria estava no modo de viver. No modo de pensar. Nos desejos. Mas acima de tudo, estava naquilo que não sabia. Não sabia sobre sua essência. Não podia dizer que sabia conduzi-la. Não via efeitos nos crimes que praticara. Não havia consciência da FOME, da DOR, dos SOFRIMENTOS, das OPORTUNIDADES, e principalmente da LIBERDADE.

Ela assumiu sozinha o encargo da humanidade. Ao menos da humanidade isolada do deserto. O mundo se perdera. A Miséria estava impregnada na percepção que ela tinha do mundo. Um lugar árido, infeliz, enterrado sob o sol. A Miséria era sua amante. Tinham relações apaixonadas. De entrega. De conhecimento profundo uma da outra. Penetravam fundo nas xerecas.

O mundo era uma frase sem conclusão que deixava um espaço infinitamente aberto na imaginação. Era um ponto no começo do parágrafo que era impossível saber ao certo que fora dito, que fora pensado ou em que o autor divagava. Era a vida da travesti. Uma Miséria. Da qual ela, decidiu, queria se libertar. E se libertava na desordem. E essa desordem tornava a Miséria em miséria. Com letras minúsculas... como a própria Travesti

DominiCke Obliterum
Enviado por DominiCke Obliterum em 12/04/2011
Código do texto: T2905307
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