O Quadro de B.

B. havia pintado um quadro.

Era um belo quadro, sem dúvidas. Em primeiro plano, estava uma linda jovem de cabelos vermelhos e olhos escuros. Ao fundo, podia-se ver casas geminadas, de diferentes cores, ao redor de uma praça. O dia retratado estava entardecendo, o que era percebido pelo caprichoso sombreado da pintura.

A pele da moça era clara. Seus lábios, vermelhos e grossos, sensuais. Seu olhar seguia na direção de qualquer um que a olhasse. Uma obra-prima, considerou o próprio B., que até então não achava que tivesse qualquer talento para as pinceladas.

Ele morava em uma antiga casa colonial no interior da Irlanda. Era um homem rico e respeitado. Havia sido casado algumas vezes, mas estava em um período de sua vida do qual queria desfrutar o máximo possível de sua própria companhia. Foi quando decidiu que se dedicaria à pintura.

Mas de certo, não imaginou que poderia vir a produzir uma tela da qual ele próprio virasse um ardoroso admirador.

Percebeu que não queria dividir com ninguém a beleza de sua obra. Escondeu-a no fundo de seu armário, onde a criadagem não poderia ousar tocar. Tinham a ordem para não mexerem em nada em seu quarto, e agora mais do que nunca, era de suma importância que não mexessem em nada. B. não poderia aceitar o risco de que alguém visse seu quadro. Sua beleza poderia ser deturpada por olhos de terceiros. Esta ideia lhe parecia perfeitamente razoável, e faria o possível para que tal sacrilégio não fosse cometido.

B. parou de pintar. Sabia que jamais seria capaz de produzir outro quadro tão fabuloso quanto aquele, e preferiu não arriscar. Depois da moça ruiva, nada seria bom o bastante.

Sempre quando podia, ia até seu quarto e remexia no armário; de lá tirava a tela, e regozijava-se com ela. Ninguém jamais suspeitou de seu estranho hábito. Manteve as aparências durante todo o tempo. Era um homem hábil no trato com as pessoas, deixava transparecer apenas o que queria.

Em uma noite de outono especialmente fria, a velha sra. Phillips, governanta, subiu aos aposentos do Sr. B., após ele não responder aos chamados que lhe eram feitos. Naquela noite, B. jantaria com convidados ingleses, velhos amigos dos tempos em que morara em Londres. Estavam todos à espera do anfitrião, na grande sala da mansão.

A governanta abriu a porta do quarto de B., após ele também não responder à suas batidas na porta. Entrou desculpando-se pela intromissão, mas logo se calou. Ficou emudecida ao ver uma mulher ruiva, de traços belos e finos, sentada à cama, com um quadro em suas mãos. A mulher parecia atordoada e confusa.

Na tela, a governanta pôde ver seu patrão retratado. Ao fundo, havia uma praça e casas de diversas cores.

Ao notar a intrusa, a mulher ruiva transformou seu atordoamento em pânico. Olhava com terror para o quadro e para a velha senhora parada em frente a porta do quarto. Levantou da cama segurando a moldura e correu escada abaixo, passando pela sra. Phillips, que trabalhava para B. havia recém completado cinco anos, deixando a velha governanta tão confusa quanto a própria mulher parecia estar.

A ruiva chegou então ao salão principal, no andar de baixo. Viu o grupo, que lá se encontrava, e que virou-se imediatamente para ela. Um dos homens estava prestes a dizer alguma coisa, mas não concluiu.

A mulher dirigiu-se à lareira e jogou o quadro no fogo que crepitava, onde foi inteiramente consumido em pouco tempo. Os convidados ainda tiveram tempo de ver e comentar, como era bonito o retrato pintado de B.! Uma fotografia talvez não fosse tão fiel como o quadro o era. Era como se ele próprio estivesse emoldurado, um outro homem comentou em voz baixa.

Depois, a jovem de cabelos vermelhos que ninguém jamais havia visto em outra oportunidade, foi até a porta da frente e por ela passou correndo, como se estivesse fugindo.

Os londrinos então permaneceram na sala, esperando por seu anfitrião, que jamais desceu ou foi encontrado.

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 10/04/2011
Reeditado em 14/04/2011
Código do texto: T2900217
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