Cinzas - Parte Final
Encolhida no canto do fétido colchonete, Lia ainda soluçava sem parar.
Seu rosto doía com as bofetadas que tomou, sua genitália ardia e latejava de dor, ela estava enojada, se sentindo suja e por fim virou a cabeça e vomitou no chão imundo.
Como uma faca lhe rasgando o peito, a lembrança da morte de seu namorado invadiu sua mente, lhe apunhalando dolorosamente o coração. Voltou a chorar em desespero, tentando freneticamente soltar as mãos amarradas com fita adesiva.
Tinha de sair dali. Tentou recuperar o controle de si mesma, procurando uma forma de conseguir se livrar da situação, pensar, analisar. Respirou fundo tentando assim recobrar a razão e se controlar.
Era uma moça inteligente e sabia que deveria manter o equilíbrio da mente para conseguir pensar e tentar fugir dali antes dele voltar.
Estremeceu com a lembrança daquele homem. Pensando com asco naquele ser nojento que a tocara, a violentara com selvageria, agredindo e se esfregando nela com seu cheiro repugnante.
Lembrando com nojo do momento em que ele a penetrou com todas as forças colocando seu membro nojento dentro dela, ela que só tinha ido para cama um único homem, seu namorado.
Foi sentindo um crescente desespero e magoa que foram sendo substituídos pela raiva e por fim um ódio insano.
Olhando ao redor, sua mente clareando ao poucos, preenchida unicamente pelo ódio crescente e pelo instinto de sobrevivência, começou a observar ao redor para ver quais as chances tinha de fugir dali.
Viu sujeira de todo tipo, latas velhas de cerveja, uma cadeira imunda de frente a uma mesinha com mais lixo em cima, um mini fogão com algumas panelas cheias de resto de comida podre, uma portinhola formando um quadrado que sem duvida era utilizado como banheiro considerando o cheiro horrível que vinha daquela direção, algumas garrafas vazias de pinga...
Seus olhos fixaram-se nas garrafas.Eram de vidro e poderiam servir. Se conseguisse quebrar uma delas, poderia com os cacos cortar a fita adesiva que prendia suas mãos. Sem perder tempo foi rastejando até o lugar onde tinha uma garrafa caída. Chutou com toda força e a garrafa rolou até a parede, se chocando e estourando na hora. Foi se arrastando até os cacos, pegou um pedaço que achou conveniente e foi cerrando a fita. Não foi tão fácil quanto achou que seria, afinal de contas aquilo não era um filme.
Ela se cortou muitas vezes com o caco até conseguir fazer um misero rasgão na fita. Mesmo assim não desistiu, foi tentando, cortando centimetro por centimetro.
Vez por outra o caco que estava usando caia e ela precisava recuperá-lo ou buscar por outro.
Demorou muito mais tempo do que julgava a principio. Num filme era muito mais rápido.
Finalmente, passados o que ela deduziu serem uns trinta minutos e depois de vários cortes nas mãos, alguns deles profundos e sangrando sem parar a fita se rompeu com um estalo.
Livre, agora precisava pensar em como abrir o cadeado que prendia a porta, o mais rapido possivel. Tentando pensar em como faria, já que o barraco não tinha janelas nem qualquer outra saída que não fosse à porta, mesmo em meio ao seu desespero em tentar buscar uma forma de fugir, em sua mente a cada minuto surgia o rosto do maldito estuprador e assassino do seu amor. Simplesmente não conseguia esquecer, cada detalhe do que tinha sofrido voltava na sua mente, repetitivamente. E a cada minuto, seu ódio por ele aumentava muito mais.
Tentando pensar com clareza, primeiro se perguntou como iria abrir o cadeado. Estava trancado pelo lado de fora e ela era só uma mulher, quase uma menina e não conseguiria simplesmente arrombar a porta, alem disso, a porta só abria para dentro e tentar forçar para fora de nada adiantaria.
Com a mente funcionando em turbilhão, uma raiva cada vez mais crescente se infiltrando em seu coração, de repente decidiu que ficaria. Notou com crescente satisfação que não sentia mais medo. Um sorriso desprovido de humor começou a surgir em seu rosto. Voltaria para o colchonete e deitaria com as mãos para traz, para que ele pensasse que ainda estava amarrada. Só que as mãos não estariam mais atadas fita adesiva. Estariam segurando o gargalo pontudo de uma garrafa quebrada. E quando ele voltasse, ela estaria esperando por ele com um presentinho.
Sempre sorrindo, voltou para o colchonete imundo e se deitou, levando nas mãos um gargalo quebrado de garrafa. Aguardou, o tempo se arrastando. Enquanto isso, pensava em seu namorado, em tudo que sonharam juntos e em seu futuro destruído por aquele homem desconhecido, para o qual nunca tinham feito mal algum. O ódio fervia em suas veias.
Ainda sorria quando escutou passos se aproximando da porta e ouviu o cadeado sendo destrancado.
***
Ele vinha cantarolando baixinho pelo caminho que terminava no barraco sujo onde vivia.
Nunca havia tido dia tão feliz em sua vida. Esperava que os próximos dias também fossem bem agradáveis.
Tinha tantos planos! Estava voltando com algumas frutas que fora buscar em um pomar de uma fazenda próxima. Tinha de dar de comer a sua belezinha, pois saco vazio não fica em pé, como diria sua avó. E pensando em saco, lembrou do seu amiguinho. Desceu as mãos e o tocou, e não é que o danado estava novamente em ponto de bala? Tinha tanto orgulho de sua virilidade.
Claro que antes de ter entregar as frutas para a belezinha, ela seria sua refeição porque simplesmente não resistiria, ela era tão gostosa!
Abriu a porta, entrou. Ela estava lá, jogada no colchonete olhando aterrorizada para ele. Assim que foi entrando colocou no chão o saco com as frutas e já foi tirando as calças e jogando num canto. Não notou os cacos de garrafa quebrada espalhados em meio a tanto lixo.
Seu pau duro balançava de um lado para o outro enquanto ele avançava para ela, que se encolhia para ganhar distancia. Ele sorria e seus olhos brilhavam de excitação.
Foi agachando e não teve tempo para mais nada. Sem que ele ao menos pressentisse o perigo, Lia se atirou pra frente berrando em fúria, enfiando com todas as forças o caco de vidro bem no meio de suas pernas. Acertou em cheio no pau latejante, rasgando parte do prepúcio como uma circuncisão profunda. Quase metade da cabeça ficou pendurada. O sangue jorrou. Lia gritou de triunfo.
Bestificado com o inesperado, ele caiu pra trás, uivando de dor. Ela se atirou pra cima dele e tornou a fincar a garrafa, agora em seu saco. Mais gritos, de surpresa, dor e frustração. Tanto sangue. Desmaiou.
***
O Sol se punha no horizonte. Lia caminhava, arrastando o maldito estuprador que ia se contorcendo pelo chão.
Faziam poucos segundos que recuperou os sentidos e notou com crescente desespero que suas mãos e pernas estavam totalmente atadas com a mesma fita que ele usou para amarrá-la. Estava amordaçado e dentro de sua boca sentiu gosto de sangue e alguns cacos de vidro, que ela deveria ter colocado lá antes de passar a fita. Sua língua estava toda cortada. Seu pênis, ou o que restou dele, doía terrivelmente. Era uma dor incrível e ele sabia que se escapasse dessa nunca mais sentiria orgulho de sua virilidade novamente.
Caminhando em direção ao local onde montaram acampamento, Lia, no limite de sua sanidade, arrastava o maldito louco pelo chão.
Chegou ao local onde estava sua barraca, ainda intacta. Em frente à barraca, a fogueira ainda ardia um fogo baixo, deixando escapar um cheiro acre de carne carbonizada. Os restos de seu namorado jaziam na fogueira e estava totalmente irreconhecível. Olhar para aquilo era muito doloroso.
Largando o corpo no chão, Lia entrou na barraca e pegou um litro de álcool que tinham trazido para acender a fogueira. Começou a recolher lenha, gravetos grandes e pequenos e tornou a abastecer a fogueira molhando a pilha com metade do álcool. Quando as chamas estavam altas novamente, ela se virou com um sorriso nos cantos dos lábios e fitou o rosto dele, caído no chão.
Pelo seu olhar de desespero, Lia notou de imediato que ele sabia qual seria seu destino e estava em pânico. Ele não podia gritar e isso fez com que ela se sentisse muito melhor com o que pretendia fazer. Queria que ele sofresse, queria que ele sentisse cada dor, cada lagrima derramada. Pagaria pelo que fez com seu amor, com seu futuro, com seu destino, sua vida.
Jogou o restante do que sobrou do álcool em cima dele e o puxou pelas pernas em direção a fogueira. Ele tentava se debater para se libertar, mas ela teve muito tempo para amarrá-lo antes que ele despertasse e fez um ótimo trabalho.
Primeiro jogou as pernas dele na fogueira. Enquanto elas pegavam fogo, ela se abaixou e ficou olhando bem dentro dos olhos dele, olhos injetados de dor. Deixando escapar sons sufocados por baixo da mordaça, ele a olhava suplicando por piedade. Ela sorria.
Aos poucos, o álcool foi ardendo e o fogo foi tomando conta dele, subindo pelo corpo devagar. Ele se debatia sem parar soltando gemidos angustiados, até que por fim quando seu corpo estava coberto pelo fogo, seus olhos perderam o foco e ele finalmente morreu, olhando dentro dos olhos azuis de Lia, sua presa transformada em predador.
Depois de ter certeza que tinha morrido, Lia levantou e entrou na barraca a procura de seu celular.Ligou para a polícia. No momento, não tinha qualquer tipo de sentimento. Estava em choque.
Saiu da barraca, sentou e esperou em frente à fogueira. Queria chorar, mas não tinha mais lagrimas.
Depois de longos minutos, escutou o barulho de sirenes que se aproximavam. Levantou as mãos, tocando as cinzas que voavam ao seu redor. Cinzas de seu amor, cinzas de seu algoz.
FIM