O Porto de Sales

Estava arruinado. Seus quadros, outrora um sucesso, agora não passavam de velharias encalhadas nas galerias de arte. O que antes valia milhões, agora as pessoas não queriam nem de graça.

Não sabia o que tinha acontecido com seu sucesso.

Mas se tivesse sido uma pessoa mais consciente e temerosa do futuro, não teria perdido tudo, nem caído na miséria. Acontece que quanto mais ganhava, mais gastava. Mulheres, viagens, bebidas, festas, drogas. Curtir a vida era a melhor coisa, ele era rico, tinha tudo que precisava, sucesso, uma casa magnífica, muita grana.

Mas o sucesso se foi, a grana acabou, a casa foi hipotecada e leiloada. Os "amigos" desapareceram como fumaça. Agora vivia nas ruas. Nas ruas! Como acreditar nisso? Ontem, disputado, aclamado, adorado. Hoje um reles mendigo sujo.

Sobrevivia recolhendo latinhas e recicláveis do lixo, o que lhe rendia alguns centavos por dia. Comprava todas as noites um litro de vinho barato, desses que outrora ele usava para encher sua banheira e tomar banho de vinho, mas que agora usava para se embebedar e ver se, ao menos por algumas horas, conseguia esquecer sua condição miserável.

Sua casa? Que piada, sua casa agora era uma caixa de papelão velha, que ele forrava com jornal, onde guardava sua maleta com algumas peças de roupas encardidas e rasgadas. Já faziam dois anos que estava nessa vida.

Até que estava encarando bem sua condição, afinal estava vivo apesar de tudo. Mas o que já era ruim, ficou pior. Enquanto dormia, ele apareceu.

Não sabia quem era ele e nem o que queria. Não o conhecia, até o momento em que apareceu na frente de seu caixote velho. Um sujeito enorme, bem vestido, bonito. Olhar profundo e intrigante.

- Olá Danny, como vai? Muito confortável ai em seu lar magnífico? - perguntou o estranho.

- Quem é você e como sabe meu nome?

- Sem perguntas. Vim aqui porque preciso de você. Você é um lixo humano e não tem validade alguma pra ninguém, mas eu precisarei de ti, e você vai ser muito grato a mim por isso.

- O que você quer? Quem é você?

Sem aviso algum, o estranho deu um chute bem no rosto de Danny, que sentiu os dentes afundarem e o sangue inundar sua boca.

- Eu disse sem perguntas. Não entendeu ainda?

Danny não disse nada. Mesmo se quisesse não conseguiria, sua boca estava inchando cada vez mais.

- Tenho um serviço pra você. Algo bem fácil que até um idiota imbecilizado como você será capaz de fazer sem erros. Assim espero, porque se errar, não terá uma segunda chance. Ouça bem porque não vou repetir. Hoje, por volta da meia noite, vai chegar um carregamento no porto de Salles, no navio South Wind. Quero que você vá até lá, mate todos os tripulantes e roube a carga. Viu? Simples assim. Mate a todos, roube a carga, fim. Depois disso, farei com que você recupere tudo aquilo que perdeu e volte a levar aquela vida leviana e estúpida que você vinha levando ultimamente.

- Mas...- Danny começou a falar, mas rapidamente foi atingido por outro pontapé que fez três de seus dentes caírem no chão. Sua boca latejava insistentemente.

- Eu já disse, sem perguntas. Faça o que estou mandando. E nem pense em tentar fugir, porque, onde quer que você vá eu te acho, pode apostar que sim.

Dizendo isso o estranho, começou a se transformar. Sua boca abriu mostrando dentes caninos muito salientes, seus olhos antes verdes, agora estavam vermelhos e irradiavam maldade. Deu uma gargalhada sinistra e sumiu bem diante dos olhos abobalhados de Danny, que agora olhava para sua garrafa de vinho como se alguém tivesse botado um alucinógeno bem potente lá dentro. Apavorado, nem percebeu que havia molhado as calças.

Eram 23:30 h. Danny estava se dirigindo ao porto de Salles. Nas mãos, levava um taco de beisebol com vários pregos enormes e enferrujados cravados nele. Era uma arma estupida, mas foi a unica coisa que conseguiu improvisar. Seus pensamentos eram totalmente incoerentes mas estava disposto a fazer o que lhe foi ordenado pelo estranho. Primeiro porque não queria perder mais nenhum dente. Sua boca doía horrores. E depois, acreditava que aquele "demônio" (porque era isso que o estranho era, só podia ser isso) fosse cumprir sua promessa de trazer sua vida de volta. E por causa do medo. Estava apavorado.

Chegou ao porto e de longe observou o único navio que estava ancorado na bahía. South Wind. Era este. Pelo que pode notar, o navio chegou antes da hora ao porto e os tripulantes já tinham desembarcado e partido. Havia lá dentro apenas dois seguranças armados, um no navio, outro na plataforma do porto. Observou pelo que lhe pareceu horas, até que o segurança da plataforma recebeu uma ligação e começou uma conversa animada no celular. Aproximou-se por traz com cautela e sem exitar, bateu com todas as forças na cabeça do segurança, que distraído,não teve tempo nem de ver quem o atingiu. Os pregos perfuraram o cranio e ele caiu convulsivo e em poucos segundos estava sem vida.

O segundo foi mais difícil. Danny tentou a mesma estratégia do primeiro, mas não tinha o fator do celular para distrair o segurança, este escutou quando Danny se aproximou e então se virou no momento exato em que Danny levantava o taco para atacar. Houve luta, o segurança tentou pegar sua arma na cintura, mas Danny se jogou por cima dele e os dois rolaram aos socos pelo convés do navio. O taco de beisebol caiu e rolou pra longe. Danny estava em desvantagem, o segurança era forte, saudável e sabia lutar. Prestes a desistir, totalmente dominado pelo segurança, Danny levava socos no estômago e já perdia o folego, quando em desespero sua mão escorregou até a cintura do segurança e ele sentiu o aço frio do revolver. Sem exitar, deu um puxão, ergueu a arma até a cabeça do segurança e puxou o gatilho. Sentiu o peso do segurança desabar por cima dele e sangue e miolos espirrarem em sua rosto entrando na boca e no nariz. Se afastou empurrando o corpo do homem pro lado, se levantou cambaleando com um esgar de nojo, foi até a beira do navio e vomitou no mar. Respirou fundo. Se permitiu alguns segundos para recobrar as ideias. Enfim, foi procurar por seu objetivo.

Entrou no navio e foi até a sala de cargas. Estava lá. Não tinha sido informado claramente do que tinha que levar, mas sabia que era aquilo. Um caixão. Mas não um caixão comum. Não. Um caixão magnífico, o mais bonito que ele já tinha visto em toda sua vida. Feito de marfim com detalhes em ouro, todo recoberto de rubis, esmeraldas e diamantes.

Não resistiu e abriu o caixão para ver o que tinha dentro. Uma belíssima jovem, vestida num deslumbrante vestido preto com detalhes vermelhos, com a pele mais branca que poderia existir, a mulher mais linda que ele já viu na vida, rosto angelical, corpo escultural, cabelos negros como a noite, jazia dentro do caixão. Sua beleza era indescritível. Seu coração parou e ele sentiu as pernas amolecerem. Imediatamente ficou petrificado por sua beleza. Seus poucos pensamentos coerentes sumiram de sua mente e só o que sentiu foi um impulso enorme de beija-la e quando se reclinava para tocar seus lábios ela abriu os olhos, maravilhosos e intensos olhos, negros como a noite. Ela o observou e sorriu. E esse lindo sorriso foi a ultima coisa que ele viu na vida.

Lá fora no porto, ele a esperava. Quando ela surgiu não pode deixar de conter um arrepio de satisfação. Estava linda, como sempre. Séculos de separação não tinham modificado em nada sua beleza eterna. Ela sorriu pra ele, a boca ainda suja de sangue do idiota que tinha acabado de matar.

- Enfim, meu amor, juntos novamente.

- Sim, querida. Dessa vez foi muito fácil encontrar um idiota que viesse aqui para lhe transmitir a vida que você necessitava para sair de seu calvário. O coitado acreditou que teria novamente sua vida de riquezas, mas o que precisávamos ele já nos deu. Sua insignificante alma, pelo menos fez algo de bom na vida, que era trazer você de volta para mim.

Ela sorriu e ele sentiu o peito estourar de tanta felicidade. Ver aquele sorriso era tudo que ele precisava.

- Ele tinha um gosto horrível de vinho barato. Vamos meu bem, vamos embora desse lugar.

E aquele lindo casal foi embora aos risos, e quem por eles passasse também se contagiava com sua alegria, e por fim, acabava sorrindo também.

Asyram
Enviado por Asyram em 25/03/2011
Reeditado em 27/11/2017
Código do texto: T2869725
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