O SERMÃO DA TERRA AMALDIÇOADA
A chuva caía torrencialmente. Tempo nublado. Domingo cor de chumbo. Mesmo assim, a igreja estava lotada. O padre havia prometido dissertar sobre Sodoma e Gomorra. Os trovões se sucediam ininterruptamente. O cura discorre sobre, enaltecendo a piedade do Supremo e a forma como eliminou o Mal ali instalado. O sacristão, à sua direita, pelo canto do olho, percebe um clarão verde, forte, bruxuleando trás da sacristia, crescendo e diminuindo de circunferência. Aproxima-se do vigário, os dentes chacoalhando:
- Reverendo, tem uma luz verde piscando atrás da sacristia. O cura resmunga de volta, exorcizando o pavor do ajudante de missa:
- É o reflexo dos raios na prataria.
O rapazola volta ao seu lugar e de soslaio arrisca o olhar mais uma vez à procura do fenômeno. Fica boquiaberto. Uma imensa cratera está instalada. Mudo de pavor, ele puxa no cordão de São Francisco que cinge o sacerdote, apontando para o lugar. O padre interrompe o sermão e rebocado junta-se ao sacristão. Visualiza o buraco, uns dois metros de diâmetro.
- Meus paroquianos, lamento dizer-lhes, não estou me sentindo bem, mas não é coisa grave. Peço-lhes que retornem às suas casas agora que o temporal está aumentando. Eu vou cerrar as portas da igreja. O rebanho humano, obediente, enfileirou-se, abandonando o recinto. O padre e o sacristão lacram a igreja e aproximam-se do buraco. Lá dentro, uma escuridão profunda, abissal.
- Inexplicável, inverossímil, parece uma coisa plantada, sussurra o pároco. O sacristão atrás dele se derrete em resmungos, debulhando o rosário.
- A terra cedeu, só pode ser isso. Aqui devia ser um lixão, conjectura o religioso.
- Bentinho, vá pra casa, ordena o vigário.
- Mas reverendo, eu não posso (no fundo estava morrendo de pavor)...
- Pode e vai, ande, vá embora, repete o apóstolo da fé...
Bentinho some no nevoeiro. O pároco, já livre dos paramentos, percorre o interior da igreja, fiscalizando todos os aposentos da casa santa. Nenhuma avaria, nada. De repente, um estrondo de algo caindo, se desmoronando. Volta a vista e ainda consegue mirar a ponta do púlpito se sumindo na cratera com sacristia e tudo.
O padre, atarantado, a passos largos corre em direção a saída principal da igreja, já blafemando:
- Que raio de inguirizia é essa e onde está essa maldita porta...
O que ele viu e sentiu foi aterrador, apocalíptico. Uma língua vermelha, flamejante, ladeada por dois olhos esverdeados emergiam do buraco que se alargava comendo, engolindo com voracidade a terra em torno. Faltou-lhe terra nos pés. Seu grito de terror foi suprimido por uma risada de escárnio vindo das profundezas.
A igreja hoje, é só uma lembrança. A cratera, assim como surgiu, do nada, no nada desapareceu. Uma planície árida, descampada, sem vegetação, ali se perpetua. Nenhuma cruz, nenhum epitáfio se sustentam naquela paragem. Uma luz verde e uma neblina surgem em todos os crepúsculos, pairam naquele perímetro, vigiam, enquanto a terra, se abre, se fecha...