Além da Porta

A porta estava entreaberta, e B. entrou na sala. O lugar estava diferente em relação à última vez. Mas não era supresa, pois a última também não fora diferente da anterior?

Ele não vestia nada, a não ser uma boxer preta. O aposento era enorme e empoeirado.

Todos os olhares agora estavam voltados para ele. Ficou confuso, pois não esperava que tantos o estivessem aguardando. Logo, um homem de cabelos e olhos negros, em pé no fundo da sala, perguntou:

"É ele?"

Um outro homem, truculento e feio, esbofeteou o que havia feito a indagação. Perguntas aparentemente não eram bem-vindas.

O recém-chegado suava e sentia-se como um animal enjaulado. O ambiente era abafado e pesado, e em nada ajudou a aliviar sua tensão. Mas B. já esperava por isso, não?

Então um homem alto, altivo e elegante, aproximou-se dele. Fechou a porta que o novo convidado havia deixado aberta, e então postou-se atrás dele. Sussurrou:

"É um prazer tê-lo conosco outra vez, sr. B", disse. "Por favor, sente-se", completou apontando uma cadeira de madeira no centro da sala.

B. não ousou encarar o homem, e fez o que ele mandava. Viu o homem de cabelos negros tomar mais uma bofetada do homem feio a seu lado. Aparentemente sua posição naquela hierarquia não era das mais altas.

Agora sentado, B. fez um rápido cálculo de quantas pessoas havia no recinto. Umas vinte, pensou. Nunca haviam sido tantas. É, provavelmente não mais que isso. Todos homens. Todos na sua frente, agora.

Utterson, o homem alto, falava com um baixinho careca, Smith, enquanto os outros se acomodavam a fim de ter uma melhor vista de B., que apenas neste momento percebeu que não havia sequer uma janela no recinto. Será que em alguma vez houvera? Ele achava que não, mas não importava.

Após a conversa com Smith, Utterson virou-se para B. e todos pararam de falar subitamente.

Os olhos de B. se fecharam, e ele não mais conseguia abri-los. Sentiu uma mão fria remexer dentro de sua cabeça, em seus pensamentos mais íntimos e suas memórias quase completamente esquecidas. Gritou, porém sequer abriu a boca.

Alguns instantes depois, voltou ao normal, arfando ainda sentado na cadeira. Todos ainda fitavam-no calados, com Utterson entre B. e os espectadores. Smith postava-se em frente à porta, à esquerda do grupo, com um esgar de sorriso nos lábios.

B. levantou os olhos e viu que Utterson também sorria. Tentou se levantar, mas à menor menção disto, sentiu-se como se houvesse correntes prendendo-o à velha cadeira. Reuniu toda sua coragem e encarou o grandalhão à sua frente.

"Não esperava por isso", disse. Bom, pelo menos já podia falar de novo.

"Verdade? Bem, é uma pena", falou Utterson com o sorriso ainda no rosto. "Mas, supondo que soubesse, faria alguma diferença?"

B. não respondeu.

O sorriso de Utterson se alargou, e ele estendeu a mão espalmada a frente. Com este movimento, B. foi arrancado da cadeira e atirado contra a parede, sob suspiros da platéia. Ele agora não passava de uma marionete.

Utterson mexeu as mãos para os lados, para cima e para baixo. B. foi atirado aos cantos da sala de acordo com os movimentos do homem alto, e mais uma vez incapaz abrir a boca.

"Isto dói, meu amigo?", perguntou Utterson quando cessou seu pequeno jogo. Sem esperar uma resposta, emendou:

"Vejamos o que acha disto."

Mais uma vez os olhos de B., que estava jogado ao chão no canto direito da sala, se fecharam e ele ficou novamente sem qualquer controle consciente. A mão fria dentro de sua cabeça também voltou, e as alucinações começaram.

Via agora -com o olho da mente, tinha certeza, pois seus verdadeiros olhos continuavam fechados- labaredas dançando à sua volta e homens rudes e feios rindo a seu redor. Viu também a porta, agora a algumas centenas de metros de distância, e mais nenhum lugar por onde fugir. Não que isto fosse de alguma valia, pois continuava incapaz de se mexer. A temperatura passou a se tornar insuportável, e quando achou que não seria capaz de aguentar sequer mais um segundo, voltou à realidade. Não que esta fosse muito melhor, de qualquer jeito. Estava exausto, como se tivesse corrido a maratona.

"Serei piedoso com você", falou Utterson abanando a cabeça parecendo desapontado, quando B. aparentava ter recobrado seu estado normal. "Darei a chance de ir embora, agora, pela porta que entrou. Não ouse olhar para trás e jamais a cruze outra vez, pois provavelmente não terá a mesma sorte. Sabe, depois de sua última visita achei que jamais fosse retornar, mas você parece ser mais estúpido do que eu suspeitava"

B. não pensou duas vezes. Levantou-se e correu para a porta, batendo-a na saída. Mas em seu íntimo sabia, como soube todas as vezes, que iria abri-la novamente assim que a encontrasse de novo.

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 27/02/2011
Reeditado em 30/03/2011
Código do texto: T2818614
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