"Há Algo de Podre..."
Como a música que um dia desceu das esferas inatingíveis, o desastre absoluto da era pós-tudo agora cai sobre mim. A fumaça do meu cigarro forma um halo de santidade ao meu redor. Quatro loucas sem olhos acendem incensos a três passos da minha miséria. Contemplo, resignado há muito, a névoa do cigarro e dos incensos subirem aos céus. Aqueles incensos exalavam um odor nausebundo.
Um vapor sai agora de um orifício no centro do meu peito. E ferve esse vapor, deixando minha carne sanguinolenta. Com ardência nos olhos, consigo debilmente distinguir ao longe a fumaça negra das indústrias partirem como redemoinhos endemoniados para o espaço. Sinto o mau-cheiro com o qual não consigo me adaptar, mesmo após séculos.
É necessário que o desenvolvimento nunca cesse. Embora eu sempre tivesse como um de meus lemas nunca dizer nunca. Um rio que diviso a minha esquerda proporciona-me um autêntico show. De suas águas espumantes vapores evanescentes brilham pela escuridão espessa. São névoas roxas, esverdeadas, amareladas, escarlates, algumas vezes prateadas, que bailam como fantasmas acima de suas águas nervosas, tensas, formadas por um visco negro de líquidos seminais, de toda espécie de vísceras liquefeitas, de gangrenas, de corrimentos vaginais, de soros sanguíneos, que unidos naquele horror apodrecem espargindo pela desgraça das atmosferas um mau-cheiro fatal.
A alguma distância de meu desespero há um banhado, ou um pântano, se preferirem. Uma névoa esverdeada se evola aos céus, florescente, bela, intensamente bela, lembra uma aparição fantástica. Mas o seu fedor é insuportável, miasmático. Aproximei-me, mesmo sabendo que vomitaria. Ainda que esteja sem comer nada a dias. Não confio nos alimentos que me dão na escola. Há semanas a escola está envolta em uma névoa fétida. Não sei por que ainda nos educam. Ou melhor, tentam nos educar. Não há nenhum sentido nisso.
Nada mais faz sentido.
Estou agora ao lado do pântano. Cadáveres até onde a vista pode alcançar. De animais e de humanos. Principalmente crianças e velhos. As crianças haviam se suicidado. Os velhos foram trazidos dos asilos e ali jogados. Ainda vivos, mas muito doentes. Não havia motivos para cuidar deles. Perda de tempo, de dinheiro e de diversão. Vomitei. Um líquido seco esbranquiçado. Evaporou-se rapidamente na forma de uma fumaça pestilenta. Os cadáveres apodrecem de forma espetacular.
Aquela névoa dos miasmas de sua putrefação é uma das coisas mais lindas que vejo há anos. A névoa imunda, mas bela, parte dos órgãos corrompidos dos cadáveres, como bafos de vermes, ascendem aos céus ameaçadoramente nublados, enevoados como os olhos da morte, e ali formam um espetáculo de cores e vapores sensacional. Lágrimas correm agora de meus olhos ao contemplar a beleza do dantesco. Suporto todas aquelas pestilências de um fedor cósmico para ver o nunca visto. Que me resta? Quem me resta?
Lá onde deixei minha espera, sobem as nuvens dos mortos, oscilam por alguns momentos, parecem dançar entre si e com as outras fumaças do céu, do espaço, do invisível, para, finalmente, formarem uma capa de névoa esverdeada e purulenta sob a infinitude impassível da noite. E um sangue começa a gotejar sobre meus cabelos, sobre minha pele, sobre todo o chão diante de mim. Bebo daquele sangue vinagroso para saciar minha sede insaciável. Minha sede e o sangue que a sacia evaporam-se lentamente. O calor é absurdo como todos os absurdos.
“Ó Lua, Lua triste, amargurada!” onde estás agora que não mais te vejo? Caminho como quem se destina à forca. Mereceria se o fosse. Sou culpado e admito. Mas talvez a névoa que me cerca e cerca a todos não deixa que minha culpa seja percebida. Porém, há outros com mais culpa do que eu comendo belas mariposas sob as árvores ressecadas. Direciono meus olhos para todas as casas por onde passo e vejo que delas saem, enlouquecidos, caóticos, vorazes, e num fedor alucinante, bandos e mais bandos de ratos e baratas infeccionados.
Suas inflamações evaporam sob aquele calor e espalham-se lugubremente pelo ar carregado de podridões e enfermidades. Os ratos e as baratas saem pelas portas, pelas janelas, pelos telhados, observados atentamente por abutres exaustos no alto das torres carcomidas pelas chuvas ácidas. E o fedor daquelas casas fez-me vomitar o sangue que bebera.
E os abutres arrotam incessantemente, seus abdomens estão medonhamente dilatados. E a névoa dos seus hálitos envolve os olhos de umas bonitas meninas esqueléticas que vejo passar. Deve haver algum problema, devem sofrer de alguma grave moléstia, pois não conseguem fechar a boca, aquelas mulheres... Sinto agora o mau-cheiro do sangue coagulado de corações extirpados. As pessoas mesmas fazem isso com si próprias às vezes, é algo bastante comum em nossos dias.
Tenho saudade do tempo que as florestas queimavam. Agora não há o que ser queimado. Como seria belo fitar novamente aquelas magníficas ondas e colunas negras de fumaça ascendendo a um céu ainda azul. Mas há os que queimam flores. Rosas, camélias, tulipas, gerânios, violetas, lírios, agora as mulheres carcomidas as queimam sorrindo. É o único perfume possível de ser sentido, a névoa da queima das flores. Lamento que sejam tão passageiras... As flores passam tão rápido. E partem mais rápidas ainda em suas nebulosas de saudade e amor extinto, lá vão elas, cinzentas para os ouvidos dos anjos.
Devo agora descansar um pouco. Sento-me na escadaria de um bar. O fedor é insuportável. Mas já estou acostumado. Sim, agora me resigno ao auge. A fétida névoa miasmática nessas horas finais da noite sempre envolve tudo. Torna-se densa, úmida, pesada, quase pegajosa. Parece que a névoa é exalada até mesmo pelas luzes doentias da cidade agonizando em seu sono suarento. Creio que também sinto sono. E febre.
Enquanto todo o sentimento da humanidade apodrece ao meu redor, a névoa formada pelo sentimento putrefato compõe, lentamente, a imagem do teu rosto diante dos meus olhos fechados...
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