Última parada: Casa da Colina
“Algumas pessoas querem o melhor da vida, eu estou de boa andando com o fantasma de Vincent Price...”
Ele entrou naquela rodovia com tudo. O cano de escapamento indicava a potência da maneira certa... sem aqueles barulho de quando está furado. Os cabelos ao vento reclamavam do capacete que havia sido jogado junto com o dono da moto no rio a vários quilômetros atrás.
Ele atravessou dois estados em velocidade máxima, estava à polícia como louca atrás dele, mas a moto quase voava no asfalto. O piloto, em seu transe que parecia perpétuo, não temia as sirenes, as barricadas, os tiros... Aquela moto era indestrutível, assim como seu condutor.
Lembrava-se o motoqueiro misterioso, do verdadeiro dono da moto. Ou melhor, da dona. Seu nome era Linda, uma ruiva dos olhos verdes, quase perfeita se não fosse do tipo que dava pra todo mundo. Num bar, conheceram-se a dois meses atrás, foi paixão a primeira vista. Ele era tímido, o bom e velho nerd magrelo que tinha grana e era extorquido pelos “amigos”. Linda o “curou”, fez ele viver novamente, algum tempo andando com ela, ele e aquela Harley Davidson pareciam um só ser. A moto de Linda só não era mais preciosa que a própria Linda, ele fazia de tudo por ela, mudou completamente seu jeito e sua atitude, exceto o gosto estranho por filmes de terror antigos.
Linda achava aquilo ridículo, para ela aqueles filmes eram bobos e mal produzidos, mas ele jamais deu importância à opinião dela a esse respeito. Os dois melhores meses da vida do jovem motoqueiro acabaram quando ele descobriu a vadia que ele amava, Linda dava para qualquer cara que encontrasse na rua. Ao ser questionada por ele, aos prantos, ela fria disse-lhe que não devia satisfação a ninguém terminando assim o relacionamento. Linda apenas esqueceu-se de um detalhe, ela era a primeira paixão dele... E logo abaixo vinha sua moto.
No mesmo bar... na mesma quarta feira. Ela saiu com um senhor brutamontes, mas nosso “herói” já estava sob efeito da raiva e da loucura. Chamou-a para a mesma ponte onde aprendeu a andar de moto. Estrangulou-a e a jogou no rio com o capacete. No seu rosto, não se via mais um rapaz, mas sim um homem, e a voz que o chamava, era daquela moto. Aquela maldita moto agora. Antes de ir, não se esqueceu de velar o corpo da mulher morta. Como última prece, disse adeus àquela que achava que a melhor coisa da vida era uma cama com um macho do lado.
Enquanto se dirigia à colina de seus filmes, lembrava-se disso nitidamente, toda sua vida agora, resumida a isso, ele era um monstro, ele era um zumbi... Ele se tornou um de seus grandes heróis e agora, andava livre com a moto do fantasma daquela piranha. No meio da névoa, desapareceu com um último uivo e nunca mais foi visto. Às vezes, naquele lugar, naquele bar, naquela quarta feira, ainda se ouve os risos histéricos e desesperados de Linda, o barulho do cano de descarga e a voz grossa e debochada que falava num tom irônico e quase cantado.
Nunca o pegaram.