O milharal

O milharal

O que vou relatar agora se passou há muito tempo atrás. quando eu ainda era bem jovem, acho que tinha entre nove e dez anos.

Meus avós e alguns tios viviam em uma fazenda, e na minhas férias era para lá que eu sempre ia.

Passava alguns dia com meus primos e outros amigos.

Mas nesse ano algo muito estranho aconteceu e as sensações ainda me arrepiam.

A casa de meus avós ficava um pouco afastada das outras construções, bem próximo ao milharal.

Da janela de meu quarto podia se ver toda a extensão da plantação de milhos que nessa época estavam mais altos do que eu.

Durante o dia o vento fazia um grande barulho ao balançar as folhas do milho, e muitas vezes me pegava parado ali simplesmente a olhar e ouvir esse som, que ao mesmo tempo que me assustava, também me atraí.

Porém em um noite bem quente em que deixei a janela aberta, logo após todos terem pegado no sono, acho que só eu ainda não havia dormido, e que se pode ouvir qualquer som, por mais baixo que seja, ouvi algo muito estranho.

Apesar do ar estar parado e abafado, sem vento algum, o milharal começou a fazer o mesmo som de quando fortes ventos o açoitavam.

Estremeci na cama, mas fiquei imóvel, não tive coragem de me levantar e fechar a janela.

O som que vinha do milharal deve ter durado cerca de uns 10 minutos, voltando tudo ao perfeito silêncio após.

Depois de um bom tempo acabei caindo no sono e acordando com o bom cheiro de pão caseiro, bolos e outras guloseimas que minha avó havia preparado.

Quando cheguei na sala onde tomávamos o desjejum todos meus primos e outros parentes já estavam lá.

Sempre era uma animação quando todos nós nos reuniámos.

Era domingo e todos iam para a igreja no centro da cidade.

Olhei para meu avô e comentei sobre o barulho que havia ouvido no milharal durante a noite.

Ele me olhou assustado e todos pararam de comer, conversar ou rir e me olharam de uma só vez.

Senti um grande susto e fiquei sem entender o porque disso.

Meu avô disse que devia ser o vento e desviou a conversa. E todos voltaram a fazer o que estavam fazendo, mas notei que sem o mesmo entusiasmo.

Notei também que meu avô e minha avó ficaram se olhando por um bom tempo.

Simplesmente não entendi.

O dia trasncorreu normal, sem nenhuma novidade.

Confesso que senti um certo medo ao cair da noite, imaginei novamente o vento no milharal durante a noite.

Mas nada aconteceu, e deixei a janela fechada apesar do calor que estava fazendo.

Os dias se passaram e não toquei mais no assunto e meus avós também não me perguntaram nada.

Até que em uma noite quando todos dormiam acordei assustado, havia tido um pesadelo.

Sonhei que uma força invisível me arrastava para o milharal e por mais que eu gritasse ninguém ouvia.

E eu ia me adentrando cada vez mais no milharal e imagens assustadoras vinham diante de meus olhos.

E o vento era forte fazendo um barulho quase ensurdecedor.

Ao acordar assustado e molhado em suor notei que a janela estava aberta, sendo que eu hava fechado antes de me deitar.

Não me atrevi a me levantar para fechá-la, e pensei que talvez eu tivesse pensado em fechá-la e não o tenha feito.

Para meu desespero o barulho do vento no milharal começou me deixando apavorado.

Senti muito medo e um arrepio tomou conta de meu corpo.

Mas agora o pavor era ainda pior, pois além do som do vento havia outros sons... Vozes. Vozes desesperadas gritando por ajuda.

As vozes iam e vinham, sumindo ao vento.

Parecia ser mais de uma pessoa, e eram vozes de crianças. Aparentemente de meninos.

Permacei imóvel em minha cama, sem coragem sequer de olhar para a janela.

O tempor me pareceu parar e as horas que faltavam para o dia nascer pareceram uma eternidade.

Nunca em minha vida senti tanto medo.

Na manhã seguinte eu estava com uma aparência péssima em função da noite mal dormida.

Meus avós me perguntaram se acontecera algo.

A princípio tive medo de falar sobre o assunto.

Eles me questionaram se tinha a ver com o milharal e então relatei o ocorrido.

Para meu espanto dessa vez eles não mostraram reação alguma, como se já esperassem por isso.

Isso me deixou digamos, desconfortável.

Mas não comentaram nada, apenas me ouviram.

Naquela tarde, ao entrar na sala ouvi meu avô falando com meu pai sobre mim, que era melhor que eu voltasse para casa, pois "ele" havia voltado ao milharal.

Sem que meu avô me notasse fui para meu quarto e ali fiquei até que meus avós entraram e me disseram que meus pais haviam ligado e que haviam marcado umas atividades em um parque e gostariam que eu voltasse para ir com eles.

Apesar de saber que a verdade não era essa, senti um alívio e nem questionei nada.

Arrumei minhas coisas e voltei para casa.

Antes de sair do quarto fui até a janela e dei mais uma olhada para o milharal. Silencioso, imóvel e imponente.

De repente uma rajada de vento fez com que o milharal emite um som parecido com um uivo de desespero.

Voltando em seguida para sua inércia.

Virei me e saí.

Meus avós me levaram até a rodoviária onde tomei um ônibus para minha casa.

Não sei se existe alguma ligação, mas meus avós faleceram no ano seguinte.

E foram as duas últimas vezes que voltei á fazenda. Nos dois velórios.

E foi só então que notei algo que sempre me passou despercebido.

O milharal estava lá. Em qualquer época do ano ele estava sempre lá e não somente quando eu estava de férias.

Eu nunca soube exatamente o que houve naquele verão.

E para falar a verdade acho que não quero saber.

Mas acredito que não havia algo ou alguém no milharal, mas todo o mal era o milharal

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 02/02/2011
Reeditado em 05/02/2011
Código do texto: T2767313
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