O ACAMPAMENTO - (REPUBLICAÇÃO)

O dia amanheceu ensolarado, abafado e um calor insuportável. O chão estava bem ensopado.

Também quem dera, a semana toda foi castigada por chuva torrencial e vento além do normal para aquela época do ano. Embalados pela música “Highway to Hell” do ACDC, eu e meu amigo Claudimar chegamos à portaria do Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira. A região com maior número de cavernas do país.

Sr. Tião, antigo morador da região e guarda do parque estava na portaria, uma cabana de madeira bem simples, mas aconchegante. Pedindo licença adentramos ao recinto e o Claudimar foi logo falando: -

Bom dia Senhor Tião. Como estão às coisas?

- Tudo bem meu filho, faz um tempão que não os vejo por aqui.

- Realmente. O senhor sabe como é, muito trabalho e sempre aparece alguma coisa para fazermos no final de semana. Quase nunca sobra um tempinho dar uma corrida aqui e aproveitar a natureza.

- É assim mesmo. Mas que surpresa vocês aqui durante a semana.

- Estamos de férias, então aproveitamos para curtir o parque mais vazio. Respondi.

- Com certeza. Aliás, está vazio mesmo, só tem vocês.

- É mesmo, que ótimo. Pelo menos não vamos ter ninguém enchendo saco. Respondi.

Pagamos a entrada do parque e nos encaminhamos para o carro. Teríamos mais 9 km de estrada de terra pela frente até chegar ao local do acampamento. Cortando a Mata Atlântica na estrada esburacada pela chuva dos últimos dias, enfim chegamos ao destino.

Descarregamos o carro e em uma pequena clareira em volta da mata fechada fui montar a barraca. Bem próximo, um riacho cortava o local do acampamento e ao lado uma arvore muito grande, conhecida como Chorão encobria um aglomerado de rochas.

Montado acampamento, colocamos a mochila nas costas e partirmos em direção á uma pequena gruta. Após caminharmos por uma trilha que margeia o riacho chegamos a boca da gruta. O dia já não parecia mais tão ensolarado. Parecia estar no cair da tarde. O canto da Araponga uma ave de canto alto e estridente que lembra o trabalho de um ferreiro era para nossos ouvidos o mesmo que para um apreciador de opera, Mozart. Era um prazer enorme de estar no meio da mata.

Encontrávamos longe, bem longe da agitação da cidade.

Colocamos nossos capacetes e acendemos as lanternas. Entramos pela pequena cavidade e percorremos um trecho por dentro da água. O riacho que seguimos na trilha passava por dentro da gruta. Várias estalactites e estalagmites além de outros espeleotemas deslumbravam nossos olhos. Sacamos as máquinas fotográficas e a escuridão que enfrentamos agora estava iluminada com a quantidade de disparos dos flashes.

O tempo é nosso vilão, pela empolgação e maravilhados com a beleza subterrânea não percebemos o tempo passar. Quando saímos da caverna o que era dia tinha se tornado noite, mas como a trilha estava bem limpa foi fácil acharmos o caminho de volta. Os animais noturnos estavam fazendo a maior festa. Ao olhar para o céu tive a impressão que ele todo fosse despencar sobre minha cabeça. A quantidade de estrelas impressionava.

Chegamos onde estava montado o acampamento. Um vento gélido alcançava nossos rostos. A noite seria fria. Entramos na barraca e dentro de nossos sacos de dormir a temperatura é bem mais amena.

Cansados da viagem e da empreitada subterrânea, pegamos logo no sono.

Durante a madrugada acabei acordando, olhei para o lado e o Claudimar dormia profundamente. Acho que não acordaria nem com todos os fogos da virada do ano. Nesse momento comecei a escutar alguma coisa caminhando em nossa direção, mas o som era estranho, era como se alguma coisa estivesse rastejando em direção a barraca.

Fiquei prestando atenção e cada vez mais aquele barulho chegava perto. Não parecia o andar de qualquer animal conhecido. Percebi que parou do lado em que eu estava deitado e com um som daqueles que saem do fundo da alma soltou um grito estridente.

- RRRUUUUUUUUIIIIIIIIIIIAAAAAAaaaaaaaa.

Não sei como descrever aquilo, parece que veio das profundezas das trevas.

Um grito que me fez arrepiar desde o dedão do pé até o ultimo fio de cabelo. Fiquei aterrorizado, meu corpo ficou estático, não tinha coragem nem de olhar para o lado. A única coisa que consegui fazer foi rezar para todos os Santos que lembrava o nome e pedir proteção contra aquela coisa lá fora.

Tive a sensação que meu coração fosse sair pela boca. Aquela coisa começou a se movimentar novamente, a criatura rastejando começou a se distanciar da barraca.

Acho que minhas preces ajudaram a afugentar aquilo. Olhei para o lado e o Claudimar continuava em estado letárgico, não tinha percebido nada. Tentei pegar no sono novamente, mas não conseguia, queria sair da barraca e ver o que era, mas o pânico em que me encontrava era muito maior do que qualquer curiosidade.

Não sei precisar quanto tempo depois comecei a escutar novamente aquele barulho. Meu coração voltou a disparar, agora sim teria um enfarte. Algumas lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto, estava aterrorizado.

O que seria aquilo fora da barraca? Novamente o rastejar veio em minha direção, tentei ficar olhando pela lona da barraca para ver se via alguma coisa se aproximando, mas mesmo com a luz do luar não foi possível, novamente aquele grito das trevas zumbiu em meus ouvidos.

- RRRUUUUUUUUIIIIIIIIIIIAAAAAAaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

A sensação de morte súbita veio à tona, agora sim acabou! Senti uma descarga elétrica em meu corpo, fiquei imóvel, as mãos formigavam, acho que aquele “Ser” conseguiu seu objetivo.

Mesmo sem poder mexer um dedo, comecei a rezar novamente, aquele negócio tinha que ir embora, pelo menos era a esperança. Como um animal rastejando com sua calda batendo sobre o gramado, começou a distanciar-se novamente, o barulho na mata foi diminuindo.

Tentei chamar o Claudimar, mas a minha voz não saia, preferi fechar os olhos. Fiz-me vários questionamentos tentando descobrir o que seria aquilo e sem obter nenhuma resposta acabei adormecendo. Senti um calor no rosto. Algo incomodava. Abri os olhos e já era dia. Os pássaros faziam o maior alvoroço na mata. Coloquei a cabeça para fora da barraca e observei.

Todo o ambiente mantinha-se normal, com um salto para frente, pulei para fora da barraca. O Claudimar esquentava água para fazer café.

Cheguei perto e fui logo perguntando:

- Você dormiu bem essa noite?

- Dormi, por quê? Respondeu.

- Por nada. Aliás, você não escutou nada essa noite?

- Não escutei, dormi muito bem, o saco de dormir veio a calhar.

- Tudo bem, é que achei ter escutado algum bicho no acampamento.

Faz o seguinte, enquanto você prepara o café vou dar uma volta.

- Ok, mas vê se não demora.

- Beleza, até daqui a pouco.

Não me conformei que ele não escutou nada, mas mesmo assim fui dar uma volta. A noite não foi boa, além de ter ficado sem dormir um bom tempo, ainda uma baita dor nas costas me incomodava, parecia que tinha carregado uma casa nas costas, sentia como se tivesse um peso enorme sobre mim. Voltando para o acampamento percebi que o

Claudimar estava tomando café com o Sr. Tião, fui logo me aproximando e cumprimentando o guarda.

- Bom dia Sr. Tião.

- Bom dia Flávio. Mas a noite não deve ter sido muito boa pra você.

Nesse momento tomei um susto, como será que ele soube? Não comentei nada com meu companheiro. - Porque o senhor acha que a noite não foi boa para mim? Perguntei.

- Enquanto você caminhava em nossa direção percebi que está meio arcado, deve ter carregado a mochila muito pesada ontem.

- Pra dizer a verdade estou com um pouco de dor no pescoço e nas costas, mas logo vai passar. Deve ter sido algum mau jeito durante a noite. Mas aproveitando a deixa posso lhe fazer uma pergunta?

- Claro.

- Por acaso o senhor já viu alguma coisa estranha por aqui?

- Por acaso você viu alguém andando por aqui?

- Não consegui ver ninguém, mas escutei uns barulhos estranhos. Respondi.

- Uns barulhos? Alguns turistas presenciaram algumas coisas bizarras por aqui. Está vendo aquele Chorão? Um de nossos guardas na década de setenta foi encontrado enforcado naquela arvore. A família não sabe explicar o que aconteceu, ele saiu pra trabalhar e não voltou, então saíram procurando ele no parque e depois de quatro dias encontraram ele pendurado.

- Meu Deus, mas que horror, se eu soubesse disso nunca teria acampado aqui. Respondi ao guarda.

O Claudimar prestava atenção na conversa sem abrir a boca, sacou a câmera fotográfica da mochila, apontou para o Chorão e bateu uma foto. Virei para ele e fui falando. - Em vez de você ficar tirando foto daquela arvore maldita, porque não tira uma foto minha com o Tião.

Ele apontou a lente para nós e fez a foto. Ficou olhando no visor da câmera e apontou novamente em nossa direção e bateu outra foto. - Engraçado, está aparecendo uma mancha no visor da câmera, mas não sei o que é.

- Tudo bem, qualquer coisa depois eu arrumo com o Photoshop. Respondi.

Despedimo-nos do senhor Tião e como não queria passar mais uma noite ali, resolvemos recolher acampamento, entrar no carro e nos encaminhar para a cidade mais próxima.

Durante a viagem até a cidade as palavras do velho guarda não saiam da minha mente, a dor nas costas continuava, sentia uma sensação de angustia, o que estaria me afligindo? O susto já tinha passado.

Ao chegar à cidade o Claudimar afoito como sempre, quis ir direto á loja de equipamentos fotográficos para mandar revelar nossas lembranças.

Enquanto esperava a revelação, tomamos uma cerveja no bar em frente.

Voltamos para a loja e pegamos as fotos reveladas, comecei a passar uma por uma, ao folhar uma das fotos meu coração disparou, minhas mãos começaram a suar geladas, só deu tempo de dar um grito e caí desmaiado ao chão.

O Claudimar correu para me levantar e foi nesse momento que ele olhou a foto que eu segurava. Justamente a foto que foi tirada com o senhor Tião, em vez de duas pessoas tinham três. Este terceiro estava sentado sobre meus ombros, com uma corda enrolada no pescoço e os braços esticados para baixo. Seu olhar causava terror nos mais valentes e corajosos. Nesse momento, em plena reação de sobrevivência, Claudimar saiu correndo em disparada pelo meio da rua e nem percebeu que estava no caminho de um ônibus que o acertou em cheio jogando-o ao chão.

Algumas vezes o que parece ficção é realidade.