A Maldição dos Woltton

Meu nome é Henry Canterville. Fui amigo íntimo e conselheiro de Lorde John Woltton até seus últimos dias, embora no fim da vida ele tenha se tornado um tanto quanto recluso.

Por tudo o que passamos juntos, posso afirmar e enaltecer as qualidades deste valoroso homem. Abnegado e caridoso, muitas vezes o vi ajudar aqueles que pouco ou nada tinham.

Apesar de ainda encontrar-me abalado pela morte repentina de um homem tão jovem como Lorde John, sinto-me coagido a divulgar o que agora sei sobre o ocorrido. O texto que reproduzo abaixo dirá mais que quaisquer palavras que possa escrever.

"Caro Henry,

Se agora lê este meu pequeno texto, é porque não mais me encontro no mundo dos vivos. Primeiramente, gostaria de lhe agradecer por ter sido um leal amigo por todos estes anos, e por atender meu pedido de que quando minha hora chegasse, abrisse a última gaveta de minha escrivaninha, onde fatalmente encontrou o envelope com esta folha.

O assunto do qual pretendo tratar nas próximas linhas não é de forma alguma agradável, portanto irei direto ao ponto, sem mais delongas.

Como o senhor bem sabe, quando da morte de meu tio, fui empossado da Mansão Woltton e de toda a fortuna da família, na condição de parente mais próximo de Lorde Paul Woltton.

À época em que me mudei para a Mansão, toda a criadagem e vizinhança ainda estavam perplexas com a morte em circunstâncias obtusas de mais um membro de minha família. Como o senhor também sabe, Lorde Paul faleceu repentinamente à mesa do desjejum, com a face distorcida por uma horrenda expressão de pavor. Ora, um homem de saúde perfeita até onde se sabia! Inevitavelmente, chegaram até mim histórias fantasiosas sobre alguma maldição que pairava sobre a herança Woltton. Afinal, boatos como este correm sobre qualquer família abastada da Inglaterra nestes dias. Como um homem nascido e criado em Londres, viajado pela América, descartei com desdém todas estas suposições. Quando o assunto era trazido à tona, minhas palavras eram sempre sucintas, apenas 'Não seja tolo!', e dava o assunto por encerrado.

Os primeiros meses após a mudança deram-me razão, pois foram os melhores de minha vida! Estar no lugar onde minha gente havia estado por gerações era de fato encantador. O senhor, na condição de frequentador assíduo das reuniões organizadas por mim e sendo meu bom amigo, presenciou como nenhum outro meu entusiasmo inicial.

Bem, após seis meses na Mansão, meus sentimentos sobre o local passaram por uma drástica mudança. Passei a ter pesadelos frequentes sobre os longos corredores e dezenas de cômodos da casa. Esta foi exatamente a época em que passei a afastar-me do convívio social, fato pelo qual me desculpo com o senhor, pois o estimo como meu mais íntimo amigo. Eu não mais organizava festas ou reuniões, nem sequer mandava meus longos telegramas. Mas tudo ainda viria a piorar.

Passei a ter um único pesadelo recorrente. Nele, eu acordava em uma bela manhã quente em meu quarto, com o sol brilhando ardentemente. Vestia-me em meus trajes diurnos, e dirigia-me até a escadaria que leva ao salão principal. No momento em que chegava perto dos degraus, era tomado por um pânico incontrolável e no momento seguinte jazia morto, atirado ao chão com a expressão de extremo horror ainda estampada no rosto.

Passei a viver com medo deste terrível pesadelo, dia após dia. Tive a certeza de que aquele não era apenas um pesadelo. Era, de fato, minha morte sendo mostrada a mim noite após noite! Soube, assim como sei que minha pele é clara e meus olhos são azuis, que via meu fim cada vez que dormia.

Confesso, no momento em que escrevo, que cada noite é mais sombria e o sono demora a vir. Ainda recuso a acreditar em qualquer tipo de maldição, mas não posso negar que minha vida aqui tem sido um tanto conturbada e permeada por este medo.

Porém, se porventura minha morte venha a se confirmar como a descrevi, algo de realmente mau talvez exista nisso tudo. E caso isto aconteça, seria extremamente inoportuno e imprudente que George, meu irmão mais novo, ou qualquer outro membro da família, venha a ocupar esta Mansão. Portanto, peço que faça o possível para que não seja cometido este grave erro.

Afetuosamente,

Lorde John Woltton"

Bem, como podem imaginar, fui tomado de supetão por este relato de meu amigo. Sua morte se deu exatamente como é descrita em seu pesadelo, há duas semanas. E, infelizmente, não fui bem sucedido na missão que me foi confiada por ele. O jovem George, apesar da tristeza pela morte do irmão, não hesitou em trocar Londres pela Mansão Woltton, em Alton. Antes mesmo de ele por os pés a caminho, esforcei-me em impedi-lo de fazer tal coisa. Meus esforços porém de nada adiantaram, e devo dizer que fiquei profundamente ofendido quando George duvidou da veracidade da carta que transcrevi acima, mesmo eu a tendo mostrado a ele. Apesar de reconhecer a caligrafia do irmão, sugeriu que ela teria sido facilmente copiada, uma vez que é um tanto convencional. Como não tenho poder ou autoridade sobre este jovem impetuoso, não pude evitar que se mudasse para Alton.

As últimas palavras que dirigiu a mim, foram "Não seja tolo!".

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 09/01/2011
Reeditado em 30/03/2011
Código do texto: T2718016
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