Apenas Mais Uma Noite

Não era mais que meia noite, quando o estranho visitante adentrou o recinto. A princípio não notaram sua presença, mas logo viram aquela estranha criatura que espreitava nas sombras. Contemplaram-na por alguns segundos, até que Bert o chamou. Bert era um cara legal. O visitante disse que havia entrado apenas para um drinque, e que não demoraria. Bert buscou um conhaque e de repente se viu no meio de uma conversa com o recém-chegado, que disse que chegara à cidade havia pouco, e que achava que sua estada em Middletown não seria longa. De fato, não havia muitas razões para se ficar em Middletown. Um dia houvera, mas não mais. Desde o tornado, talvez. Bert não se lembrava. Tampouco Paul, que estava quase dormindo sobre o balcão, ou Mike, que não parecia pensar em nada enquanto olhava a televisão desligada. Além deles havia alguns outros homens, todos por volta dos 60, e parecia que nunca deixariam a taberna. "Nem se o mundo acabasse vocês iriam embora antes da madrugada", costumava dizer Bert. O lugar era um refúgio, um oásis onde esses homens podiam simplesmente ser eles mesmos, sem dar satisfações a ninguém. Lá, todos eram iguais, e assim faziam questão que fosse.

Como seus outros clientes não pareciam muito animados, Bert continuou a conversa com o estranho, que agora sob a luz, revelava seus traços aquilinos e olhos brilhantes como safiras. Trajava roupas de couro e um chapéu de vaqueiro, e parecia completamente deslocado no tempo e no espaço em que se encontravam. Ele dizia que viera de longe, e a razão para ter ido a Middletown, não deixou clara. Bert também não questionou. Tinha a ver com algum acerto de contas, Bert tinha impressão. A conversa se estendeu enquanto o convidado se alongava em suas histórias e tomava seu drinque. Sua fala era mansa, sua voz grave, e suas palavras pareciam pairar no ar. Sobre o que ele falava era difícil compreender, mas era agradável de escutar.

Quando o homem se levantou para partir, deixou para trás algumas moedas de ouro, e disse que era tudo o que podia pagar, e que o desculpasse. Murmurou algum cumprimento em alguma língua estranha a Bert, e agradeceu. Quando o dono da taberna já dava as costas ao homem, levou um forte soco no rosto e caiu no chão. O forasteiro o olhava com um misto de raiva e prazer. Chutou Bert caído. Os outros homens acordaram de seus devaneios de supetão, e recuaram. O viajante os disse que tinha apenas uma tarefa a cumprir. Sacou seu revólver, que mais parecia um objeto de exposição, do coldre e atirou em um por um, até que só sobrasse Bert, imóvel e atirado ao chão. O homem mais uma vez encarou Bert, que indagava desesperado a razão de tudo isso. O homem repetia insistentemente que ele perguntasse à sua consciência. Em um momento de desespero lúcido, Bert se lembrou da única coisa realmente terrível que já havia feito. Debatia-se enquanto o estranho chegava mais perto, e gritava mais alto a medida em que seu carrasco permanecia com sua fisionomia impassível “Mas já faz tanto tempo, tanto tempo...”

Bert teve um sobressalto. Havia dormido no balcão. Mike e Paul ainda estavam lá, assim como os outros costumeiros. O relógio marcava pouco mais de meia noite. Pensou um pouco sobre o que havia feito naquela fatídica noite havia quase 40 anos, e se perguntou se de fato algum dia teria de pagar por aquilo. Um dos clientes pediu mais uma cerveja gelada, e o bom e velho Bert levou até ele. Quando voltou ao balcão e levantou a cabeça, não acreditou no que viu. Coçou os olhos. Mas não era sonho.

Um homem vestido em roupas de couro e chapéu de vaqueiro espreitava nas sombras da taberna.

Dylan Jokerman
Enviado por Dylan Jokerman em 08/01/2011
Reeditado em 28/02/2011
Código do texto: T2717448
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