A 3º Testemunha - Em quem você prefere acreditar?

01:30 A.M.

Delegacia de polícia da reserva florestal

Três pessoas estão sendo interrogadas em salas diferentes, sobre o acidente ocorrido naquela mesma noite.

Sala 1

1º Testemunha

- Pode tirar as algemas, por favor?

- Não. Sente-se e comece a contar exatamente o que aconteceu.

- Eu já disse tudo o que eu me lembro – declarou o homem atrás da mesa. Seus cabelos eram compridos até os ombros e estavam molhados, assim como suas roupas, encharcadas numa mistura de lodo, lama e sangue.

- Pelo que disse, vinha drigindo sozinho pela estrada de terra quando decidiu pegar um atalho, do qual nem eu, nem o desenhista do seu mapa nunca ouvimos falar, continue...

- Sr. policial, eu já disse que é um atalho desconhecido. Eu e meu primo costumávamos visitar essa região, eu conhecia a trilha.

- Ok, continue...

- Quando resolvi virar à esquerda e seguir pelo atalho, percebi que a terra estava escorregadia, por causa da chuva fina que caía. Estava difícil enxergar por causa das árvores e tal... Daí eu ouvi um barulho e, como estava sozinho, resolvi acelerar, pois fiquei com medo.

- Que tipo de barulho?

- Eu não sei bem exatamente, mas parecia o som de um porco sendo abatido.

- Um o quê?

- Então, eu perdi o controle e deslizei colina abaixo, indo disparado na direção das árvores. Tentei frear, mas foi nessa hora que tomei um susto com o corpo que rolou sobre o caput. Eu imediatamente saí do carro e corri até a moça que estava caída:

"Você está bem? Oh, meu deus!" - me ajoelhei ao lado dela. Ela estava sangrando feito o Diabo!

Eu a coloquei no colo, limpando seu rosto com a minha mão suja de terra, estava sentado na lama. Não dava pra enxergar muita coisa, além do que os faróis do carro revelavam. Ela era uma moça bonita e percebi que estava agonizando de dor.

"Me perdoe, por favor, me perdoe! Eu não sabia que... droga! droga! essa não!" - ela estava tremendo feito louca. Eu tirei meu casaco e enrolei em volta dela. O sangue dela passou pra minha roupa.

"Moça, eu vou ligar para a polícia, fica calma. Fique acordada, por favor... Cristo, me ajude!"

Levantei e corri de volta ao carro. Vasculhei o porta malas atrás da porra do meu celular, mas nem sinal dele. Eu não sabia o que fazer.

"Olha, não estou achando meu celular, mas sei que tem uma delegacia aqui perto, é menos de meia hora de carro, eu vou te ajudar a levantar, venha..."

- Espera uma coisa. Você atropela a moça e o primeiro lugar que pensa é numa delegacia? Não tem nada de errado nisso?

- Eu estava mais preocupado com ela do que com a minha reputação. E eu sei que com certeza teriam uma enfermaria aqui. Ela iria morrer se sangrasse um pouco mais.

- Então é assim que explica o sangue na sua roupa e todo aquele espetáculo de horror?

Sala 2

2º Testemunha

- Escute, se não estiver em condições de falar, está tudo bem... Nós a interrogamos depois. Mas é muito importante ouvirmos você...

- Obrigada, policial. Acho que não terei problemas em contar o que aconteceu essa noite.

- Por que não começa do início, o que fazia sozinha na floresta às 11:30 da noite?

- Eu recebi uma ligação.

- Uma ligação?

- Sim. Eu moro nessa província e hoje por volta de nove horas da noite recebi uma ligação anônima.

- E o que dizia?

A mulher, que estava com parte do corpo enfaixada e alguns arranhões no rosto, mexeu na sua bolsa sobre a mesa e retirou um celular. Em seguida os dois ouviram a voz:

"LÚCIA... LÚCIA... EU ESTOU COM MEDO... COM MUITO MEDO MESMO... ACHO QUE ELE PODE ME OUVIR... ME AJUDE... ME AJUDE... NA TRILHA... NA TRILHA..."

Os últimos sons foram parecidos com grunhidos de porco.

- O que foi isso?

- Eu não sei, mas a voz é do meu marido. Eu pensei que, por Deus, ele estaria sequestrado e havia fugido.

- Mas por que ele ligaria para a esposa e não para a polícia?

- Porque a polícia trabalha com assassinos reais.

- E com o que estamos lhe dando nesse caso?

- Eu tenho medo... De acreditar... - ela parecia aterrorizada.

- Continue...

- E então, eu corri feito uma louca pela trilha que nós sempre fazíamos juntos. Corri atrás dele sem gritar para não levantar suspeitas. Eu estava com muito medo. Eu tinha ouvido o som... Do animal... Foi aí que aquele carro me atropelou e eu caí no chão.

Gritei muito, pois meu estômago estava seriamente ferido, eu levei um belo corte. Aquele homem saiu de dentro do carro e veio até mim, parecia que estava bêbado.

"FILHA DA PUTA! QUER TIRAR A PORRA DA MINHA HABILITAÇÃO, HEIM SUA VACA!"

Ele me agarrou pelos cabelos, enquanto eu gritava. Depois tacou minha cabeça na árvore. Deus, como aquilo doía. Eu senti o sangue quente escorrer pelo meu corpo imundo, repleto de lama.

"Olha aqui moça, eu não tô a fim de ser preso por causa de você não. Vou ter que te dar um sumiço."

Eu implorei pra que ele me deixasse em paz. No fundo eu estava mais preocupada com o que aquele maníaco tinha feito com o meu marido. Mas ele me arrastou pra dentro do carro e algo me dizia que não era ele o sequestrador.

- Então, o homem te atropela e resolve te despachar na mata para não assumir a culpa?

- Sim, senhor. Era o que ele pretendia fazer, se não fosse...

- Se não fosse o quê? Ei, dona...

- Havia outra pessoa lá também...

Sala 3

3º Testemunha.

- Por que vocês me trouxeram pra cá?

- Você estava presente na cena do crime, segundo os policiais que passaram pelo local.

- Foi uma infeliz coincidência, eu daria tudo pra não ter conhecido o som Dele essa noite.

- Dele?

- Acredita no Diabo, delegado?

-... do que está falando?

- Lúcifer, Satanás, Belzebu, acredita na existência do anjo negro?

- Isso não tem muito a ver com a história...

- Isso é a história. E está acontecendo agora. Enquanto os seus policiais ouvem todas essas testemunhas, enquanto o senhor ouve a mim.

- Ok, vamos começar primeiro pelo motivo que levou você até a floresta.

- Você sabe, delegado... Quem é o responsável pelos corpos de crianças mutilados naquelas árvores. Eu sei que sabe.

- Eu disse pra começar pelo motivo que a levou até a floresta. - o delegado estava impaciente.

- Ok, eu vou começar. Mas por favor, me deixe sair logo daqui. Não é seguro.

- Conte o que sabe e será liberada.

- Eu estava na minha casa, quando alguém bateu na porta. Eu atendi, mas não havia ninguém. Tive medo, pois estava escuro. Fechei a porta com o trinco e voltei a me deitar. Ouvi vozes. Vindo da floresta. Vozes na minha cabeça. Estava completamente escuro no meu quarto. Então eu ouvi o barulho da cômoda se arrastando pelo chão. Como se alguém a empurrasse com força. Depois vários móveis começaram a se arrastar sozinhos. Eu fugi pela janela, estava desesperada.

Ouvi vozes e gritos no meio da trilha. Resolvi descer para ver do que se tratava. Fiquei escondida atrás de um arbusto observando a cena. Era um homem e uma mulher, saíram de dentro de um carro, carregando sacos pretos. Deus, eu fiquei apavorada! Em seguida eles abriram os sacos e eram os corpos... corpos das crianças pequeninas... Estavam mutilados. Eles penduravam nos galhos das árvores como se fosse uma decoração macabra de natal. Eu fiquei pensando em como um ser humano pode ser tão frio. E foi nesse exato momento que percebi que aquilo não era humano. Ouvi um grunhido. Tentei enxergar na escuridão, mas não vi direito. Parecia uma outra pessoa com eles. Mas era bem mais alto. Tinha pelo menos uns dois metros de altura e o corpo era coberto por uma espécie de pelos negros. Percebi que o homem e a mulher se ajoelharam diante da figura. Só podia ser quem eu estava pensando. Me deu calafrios ver aquilo. Então veio o som da sirene. E três viaturas entraram na pista. Imediatamente o ser misterioso desapareceu. Os policiais chegaram na hora em que os dois, homem e mulher, se levantavam. Eles ficaram perplexos com a brutalidade satânica que haviam feito ali. Aquelas cabecinhas, ainda com os cabelos caidos sobre o rosto, os olhinhos fechados. Encravadas nos galhos, assim como pernas e bracinhos. Os dois foram algemados e como eu estava apavorada, desci correndo a trilha e gritei os policiais. E eles também me trouxeram, com algemas e tudo.

- Uau... já pensou em escrever um livro?

- Por favor policial, preciso ir embora. Tenho medo de ficar aqui. Estamos muito perto deles... Há qualquer momento... há qualquer momento ele pode voltar...

- E o que mais tem a dizer?

Nesse momento, as luzes de toda a delegacia se apagaram. Não houve funcionamento do gerador. Um negrume de cegar a alma inundou cada aposento do local. Alguns ouviram um som que parecia o gerador tentando funcionar, mas depois de algum tempo ficou claro que não era o som do gerador. Parecia o som de um animal. Um porco, para ser mais específico.

- Ele está aqui.

Glaucio Viana
Enviado por Glaucio Viana em 30/12/2010
Reeditado em 10/01/2011
Código do texto: T2699395
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.