O cão faminto.

Ele chegou cansado da recreação. Estava faminto. Era um labrador, de 3 anos, que vivia em uma casa, junto com seu dono, sua mulher e seu filho. O jardim era pequeno, apenas 15x15. Não dava espaço para ele correr e brincar a vontade, então Jorge (o pai) botou-o em uma espécie de escola para cães, onde lá ele interagia com outros cachorros, de diferentes raças, e o espaço era maior.

Bob, o cachorro, desceu de uma “van canina” junto com o “monitor”. Quem foi recebê-lo, foi Thomas, o filho de 13 anos.

-Ele se divertiu muito? – perguntou o garoto.

-É difícil não se divertir lá. – disse o homem rindo.

Depois se despediram e ele entrou na van. Pelo vidro percebiam-se outros cães esperando para serem entregues.

-Vamos entrar, Bob? – perguntou o garoto já levando ele para dentro de casa ( na verdade o cachorro o puxava, já que pesava o dobro).

Bob entrou a mil pela casa. Passou pela cozinha e foi até a área, onde ficava sua comida e a água. Thomas foi atrás ( ele adorava ver o cachorro comer). O garoto percebeu que o animal apenas cheirava o prato.

-Por que você não esta comendo? – ele se aproximou do pote de ração – Xiii!! A mamãe esqueceu de comprar ração!!

Ele sabia disso, pois sua mãe sempre deixava a comida preparada. E se lembrava também que na noite passada tinha apenas um resto de ração.

-Ela deve ter se esquecido de comprar. Ahh não!! E agora?

O único bar que tinha ali perto era a umas 3 quadras, e ele tinha medo de ir, pois uns meses atrás uma gangue tinha assaltado um casal que caminhava por ali.Correu para o telefone e ligou para o pai.

-Pai, o Bob está sem ração. Que horas você vem?

-Estou atrapalhado, filho. Acho que daqui à uma hora.

-UMA HORA? MAS PAI...- choramingou ele.

-Fale direito.

-O Bob esta faminto. Você sabe que ele chega da “escola” assim.

-Ligue para sua mãe. Peça para ela comprar ração no mercado.

O garoto ligou para a mãe.

-Esta bem. Vou comprar a ração. Daqui a uma meia hora estou em casa.

Thomas foi até Bob, que estava deitado.

-Não se preocupe, garoto, sua comida chegará em breve.

Mas ele não queria esperar; queria agora! Estava faminto. Levantou e foi até o pátio, onde um passarinho tomava banho de areia. O cachorro avançou no animal; que não teve tempo de levantar voo. Com as duas patas, segurando-o, arrancou a cabeça. Sentiu um prazer enorme ao mastigar a ave. Cinco minutos se passaram e Thomas foi até ele. Quando se aproximou de Bob, viu os últimos pedaços do pássaro sendo engolidos por cachorro.

-BOB!! – o garoto começou a entrar em pânico – Não!!

Tentou empurra-lo para longe; o bicho rosnava.

-SAI!!

O labrador deu uma bocada na mão do garoto; que caiu nos capins. Thomas olhou para mão, estava saindo sangue. Começou a chorar.

-CACHORRO MAU!!

O bicho nem ligava. Agora estava lambendo o sangue do pássaro. Thomas se levantou e pegou uma vareta que estava caído perto da piscina de plástico. Bateu no lombo do bicho.

-SEU CACHORRO MAU!

Bob se virou e começou a latir freneticamente para o garoto, que se assustou.

-PARA COM ISSO!

Atirou-se sobre ele; que agora chorava muito. Mordeu sua perna. Um grito de dor ecoou. Uma parte da calça rasgou. Bob começou a mastigá-la. Thomas aproveitou e, cambaleando, se levantou e correu para dentro de casa. Entrou na sala fechando a porta-janela, que era de vidro. Fechou bruscamente. O cachorro se deu conta de que sua comida estava fugindo.

Dentro de casa, Thomas; suando, pegou o telefone discou para o celular de sua mãe. Renata estava no caixa, pagando, que nem se deu conta de atender. Um estouro fez Thomas desligar o telefone. O cachorro tinha quebrado o vidro e agora entrava na sala. Recomeçou a correr. Entrou em um corredor estreito, e caiu ao tropeçar em uma mesa onde tinha porta-retratos e vasos. Ali não era lugar de correr mesmo! Levantou rapidamente e entrou no banheiro, ia fechar a porta quando viu Bob, furioso, aparecer a sua vista. Ele corria, derrubando as mesas de decoração. Thomas fechou a porta e se trancou.

Ouviu seu antigo amigo arranhando a porta e latindo. Sentou na privada e olhou para o machucado. Estava em carne viva. Em meio de latidos e arranhões, recomeçou a chorar.

Renata desceu do carro, pegou a sacola das compras e entrou na varanda de casa. Ouviu os latidos de Bob.

-Que estranho – murmurou.

Entrou em casa. A sala estava toda bagunçada. A porta-janela de vidro estava destruída. Largou as compras, ali no chão mesmo, e foi até o corredor para ver por que Bob estava latindo.

-BOB!

O cachorro se virou para ela. Sua boca estava cheia de sangue. Avançou, fazendo a cair.

Thomas notou que sua mãe tinha chegado. Abriu a porta do banheiro, que estava arranhada pelo animal.

-MÃE!!

O cachorro tinha a derrubado. Ela estava no chão, gritando. Bob mordeu sua barriga.

-AHH!!

O menino não sabia o que fazer. Estava paralisado pelo choque.

-ME AJUDA!!

Ele apenas chorava. Sua mãe estava ali, sendo mordida e sofrendo, e ele ali parado. Precisava fazer alguma coisa, sua mente dizia. De repente se lembrou. Correu para o quarto dos pais; que ficava ali do lado de onde ele estava, e abriu o armário. Entrou dentro dele e tirou da parede do fundo, uma .38, que pertencia a seu pai. Voltou ao corredor. Os berros de sua mãe já tinham cessado. Será que ela estaria morta? Mirou para o cão e apertou o gatilho. Não saiu nada. Claro, estava descarregada. E agora? Ele não sabia como carregar. Entrou novamente em pânico. Começou a chorar e se debater com a arma. Deu um grito de frustração e de dor ao mesmo tempo.

-AHHH!

O cachorro, que provavelmente estava mastigando algum órgão de sua mãe, se virou para ele. Seu focinho estava cheio de sangue, e sua boca também. O carpete estava sujo do mesmo. Os dois se encararam. Depois de uns segundos, Bob começou a correr. O garoto deu meia volta e tornou a se trancar no banheiro. Sentou na privada, com a arma na mão.

Meia hora depois o pai chegou de carro. Abriu o portão da garagem, com o controle, e entrou. Achou estranho, Renata não ter posto o carro para dentro ainda. Saiu no quintal e viu um pedaço de tecido no chão. Era um pedaço da calça de seu filho Pegou-o e viu que estava sujo de sangue. Gelou. Algum bandido deve ter entrado e assassinado meu filho, pensou. Logo de cara, tirou da pasta um canivete. O bom de ser promotor era isso: Poder carregar armas.

Botou a pasta encostada no muro, e se abaixou indo pé por pé até a porta-janela. Viu que estava estraçalhada. Era um bandido, com certeza. Entrou na sala, tentando não fazer barulho. Notou que estava bagunçada. Meu Deus, mataram meu filho e minha mulher. Estava suando; por causa do paletó e do nervosismo. De repente fitou Renata, ali no chão do corredor principal. Estava viva ou morta? Não conseguia distinguir. Foi mais perto e viu sua barriga aberta. Ele enjoou. Teve vontade de vomitar. Suas tripas estavam de fora. Agachou-se perto dela.

-Renata... O que houve??

-Bob.. – ela murmurou.

-Bob? Como assim??

Um rosando veio de trás dele. Quando se virou, Bob já estava em cima. Sua fúria era enorme. Jorge tateou a procura do canivete, mas não deu tempo. O cachorro tinha mordido diretamente seu pescoço.

Já eram 8 horas da noite. Thomas tinha pegado no sono. Sonhou que estava com seus pais em um canil escolhendo um cachorro. Os cães latiam ininterruptamente. Ele acordou e foi aí que notou que os latidos eram reais. Continuava no banheiro, com aquela arma, descarregada na mão. Não tinha a menor idéia de como carregá-la. Estava com fome. Precisava sair ali de dentro. Mas e o cachorro? Botou o ouvido na porta para tentar escutar algo, mas nada ouvia. Destrancou a porta e abriu, lentamente. Teve vontade de gritar, quando avistou seus pais mortos, um do lado do outro. Mas e o cachorro? Abafou o grito. Lentamente foi caminhando através do corredor; que estava todo sujo de sangue. Seu pai e sua mãe estavam ali: provavelmente mortos. Renata estava com um rombo na barriga, enquanto seu pai com a jugular espirrando sangue. Ouviu um barulho ao lado, olhou: Bob estava comendo a ração, que estava no chão onde sua mãe tinha posto quando entrou. Parecia o velho Bob, quando chegava da “escola”; tudo sem nenhum problema. A comida do animal estava espalhada pelo chão. Bob olhou para Thomas, que congelou. Estava preparado para se trancar no banheiro novamente, quando o cãozinho retornou a comer sua ração.

Thomas viu o canivete do pai no chão. Pegou o objeto e começou a se aproximar do bicho.

-Então você estava com fome, não é? – disse Thomas chorando – Você matou meus pais.

Bob olhou para ele. Os dois se fitaram por um momento. O cão, cheio de sangue, começou a lamber o rosto do garoto.

-Você estava com fome, não é, meu garotinho?

Deu uma canivetada na garganta do bicho; que soltou um ganido alto.

-SEU DESGRAÇADO!

Bob caiu no chão e Thomas subiu em cima dele.

-POR QUÊ???

Deu uma, duas, três... Dez canivetadas e depois parou. O animal já estava morto. Thomas estava repleto de sangue.

-Eu gostava de você – chorava ele – Por quê?? Será que não poderia esperar um pouco mais, até mamãe chegar com sua ração.

Então ele adormeceu: Ali mesmo, em cima do cachorro.

Mercedez, a empregada, foi quem chamou a polícia, do dia seguinte. Quando chegou rapidamente sentiu um cheiro podre no ar. E foi ai que viu, Bob, Jorge e Renata mortos. E o garoto, sentado no sofá, olhando para o nada. O garoto não respondia nada, então ela chamou ajuda. Os policias levaram o garoto até a delegacia e chamaram a autopsia. A única coisa que Thomas falava era: Ele apenas estava com fome. Internaram o garoto em uma clinica, para tentar saber o que tinha acontecido. Não tiveram nenhum progresso com ele, que apenas falava: Ele apenas estava com fome.

Bauer
Enviado por Bauer em 07/12/2010
Reeditado em 07/12/2010
Código do texto: T2659140
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