A Experiência, Mutação Genética - Último Capítulo IX - "O Fim Digno de um Heroi"

O clima agora era frio, gotas prateadas despencavam do céu nebuloso. Garoava levemente no “bairro dos cadáveres”, assim chamado pelos militares que adentravam armados com tanques e helicópteros. O prédio da prefeitura emanava chamas, catástrofe causada provavelmente pelo pânico das pessoas pós-acidente. Mesmo com a chuva outonal, as chamas continuavam a se propagarem infinitamente, evitando assim a aproximação das aeronaves.

Antenor, Ricardo e Cesar caminhavam pela Avenida Presidente Lincoln, arrasada pela destruição total. Havia muitos carros carbonizados, isso sem contar as casas e os corpos mutilados nas calçadas. Antenor respirava ainda com muita dificuldade, o ferimento provocado pelo projétil ardia-lhe o peito. Mas a força de vontade de reencontrar Jéssica, não o deixava desistir. Iria mesmo até o inferno se necessário. “Fiz uma promessa, e vou cumpri-la”, dizia isso para si mesmo; conversando internamente com seus pensamentos mansos.

Ao ver as aeronaves se aglomerarem em torno do prédio da prefeitura, Ricardo se manifesta:

-Por que eles estão indo em direção ao prédio da prefeitura? O prefeito nem mora aqui.

-Você ainda pergunta o porquê. Tu achas mesmo que eles se preocupam conosco? Por que eles não agiram antes?! Agora que tudo está em ruínas, eles vêm para nos ajudar? Que porra é essa?! Cambadas de filhos da puta! Só aparecem para pedir nossos votos – desabafou Cesar.

Não era possível dizer ao certo se Cesar chorava ou se era mesmo, apenas gotas de chuva. Porém, sua expressão parecia triste.

-Amigos, agora não é o momento de discutirmos os problemas sociais. Vamos reencontrar Jéssica e ficarmos atentos. Por mais que aqui esteja calma a situação – concluiu enfim Antenor.

O ronco estrondoso dos tanques podia ser ouvido e com os mesmo ruídos, o estalar dos ossos dos cadáveres expostos ao chão, como lixos urbanos a espera dos funcionários de limpeza. Nos canteiros das calçadas, água e sangue desaguavam juntos, fluindo diretamente num ralo de esgoto.

-Olhe Antenor! Lá no último andar do prédio!

Cesar apontava para o prédio da prefeitura, onde na parte superior, de mais ou menos cinco andares, Hudson fazia Jéssica refém. Antenor retirava a espada das costas e outros armamentos para adentrar:

-Não faça isso amigo! Os militares logo nos darão cobertura...

-Você ainda acredita nisso Cesar? Tu não lembras que, desde o início da tragédia, não recebemos nenhum socorro imediato? Você mesmo disse agora pouco! Eu disse a minha neta que iria salvá-la, mesmo que isso custasse a minha pobre e velha vida!

-Antenor, não há como entrar nesse inferno! Há muita fumaça! Seremos consumidos pelas chamas!

-Vocês não precisam vir comigo, irei sozinho.

Do alto do prédio, Hudson mantinha Jéssica como refém, segurando-a pelo pescoço com o braço esquerdo, enquanto segurava uma pistola com a mão direita. O helicóptero não podia se aproximar do terraço devido à fumaça e o forte calor emanado pelas fortes labaredas. Há quinhentos metros de distância, dois helicópteros de duas grandes emissoras filmavam aquele momento de tensão, com câmeras de Alta Definição. O mundo inteiro focava-se em Hudson e Jéssica em meio às chamas, cada vez mais ameaçadoras.

Nos quarteirões de cada esquina, só se via cadáveres, o extermínio continuava, porém, quem fazia este trabalho eram os homens do governo. Cesar e Ricardo continuavam em frente ao prédio, na vã esperança de salvação de Antenor e Jéssica.

Antenor vaga com dificuldades, graças ao ferimento e as horas que passara sem descanso. Ocupou-se atrás da porta que dava para o terraço, cautelosamente, para que não fosse percebido por Hudson. O ar já não era respirável, e, consequentemente Jéssica desmaiou. Hudson tentou correr em vão para as escadas, porém, fora atingido por um dos atiradores de elite, posicionado em uma das aeronaves. Antenor saiu rapidamente ao encontro de Jéssica, que ainda estava inconsciente:

-Jéssica! Acorde! Precisamos sair daqui. Ande! Acorde!

Batia desesperadamente no rosto da neta, enquanto a aeronave sobrevoava o prédio em chamas com dificuldades:

-Não podemos descer nessas condições! Há uma forte pressão de calor!

-Mas temos que salvá-los. Eles correm perigo.

Os ocupantes do helicóptero estavam indecisos, não sabiam como proceder naquele momento crítico. Lima, um dos homens do Corpo de Bombeiros observava pelo binóculo Antenor ferido, com a neta nos braços:

-Temos que salvá-los! Há duas pessoas com vida – disse Lima.

-Mas não podemos nos aproximar mais...

-Silva, tente aproximar o helicóptero o mais próximo possível, descerei pela corda.

-Mas Lima...

-Vamos salvá-los!

Lima estava disposto a arriscar a própria vida para salvá-los, ato corajoso que fez Silva tomar uma atitude muito arriscada:

-Temos que ser rápidos! A aeronave não irá manter o equilíbrio no calor.

-Eu sei Silva, não há muito tempo. Vamos! Já estou equipado.

No terraço do prédio, Antenor segurava Jéssica no colo, enquanto o helicóptero tentava manter-se no centro. Porém, a fumaça atrapalhava tanto o piloto quanto o soldado que estava pendurado no pé da aeronave:

-Não dá pra enxergar nada! Não vamos conseguir nestas condições! As chamas estão se propagando!

-Não vamos desistir Silva! Mesmo que isso custe nossas vidas. Suba um pouco mais, vamos ver se a corda chega até lá.

Antenor permanecia tenso, guardava consigo a promessa de tirar a neta com vida:

-Por que tudo terminou assim? Estávamos tão próximos de acabar com isso. Vamos filha! Acorde! Você precisa ser resgatada...

Uma crise de tosse atacou o velho Antenor, que não aguentava mais a pressão do calor. O chão começava a esquentar, percebia-se pelos calçados de borracha que derretiam como plásticos mergulhados nas chamas. O pobre homem não tinha mais recursos, todas as saídas possíveis estavam tomadas pelas chamas, não havia escapatória: viviam no inferno naquele momento.

Foi penoso ver o sofrimento do fidalgo, seu corpo já tinha feridas de combates anteriores, mas ainda tinha mais um martírio. Sentia o cheiro da própria carne, queimando no solo superaquecido. Jéssica não podia em hipótese alguma abrir os olhos, ou todo esforço do velho guerreiro será em vão. As lágrimas desciam do rosto castigado pela idade avançada, Antenor não aguentava mais esperar o resgate:

-Por que eles não chegam?! Por que...

-Senhor! Rápido! Temos que sair daqui... Aí meu Deus!

O pavor tomou conto do jovem Lima, ao ver o estado dos pés do velho Antenor.

-Salve minha neta... Por favor, leve-a, antes que o solo desabe...

-Mas senhor...

-Vá logo! Não há mais tempo!

-Sim senhor.

Lima pegou Jéssica, enquanto Antenor, mesmo ferido, colocava o equipamento de segurança na neta.

-Eu disse que você iria sobreviver não disse? Cumpro minha promessa filha. Eu nunca me perdoaria se você morresse diante dos meus velhos e fatigados olhos, sei que é doloso cada segundo que nos aproximamos da morte. Mas, adorei viver com você filha. Meu jovem, quando ela acordar, diga toda a verdade, conte sobre este momento de tensão, e diga a ela que eu a amo e continuarei amando. Obrigado por salvar minha Jéssica.

-Digna de um herói sua atitude senhor.

Lima foi içado pelo helicóptero junto Jéssica, que ainda estava inconsciente, permanecia de pé, olhando pela última vez o rosto da neta. Houve uma forte explosão em um dos andares, impacto tão forte que fez Jéssica acordar. Quando abriu os sentiu que não estava com os pés no chão, via toda a cidade pelo resgate aéreo. São João já não era a mesma cidade, o estrago foi catastrófico. Muitos carros do exército circulavam pela cidade, a situação já estava sobre controle. Conseguiu ver do alto Cesar e Ricardo recebendo os primeiros socorros, mas não viu Antenor:

-Vovô... Onde você está?...

A voz ainda era fraca, Jéssica não tinha mais forças.

-Vovô, cadê você?

-Ele morreu.

-Não! Você só pode estar mentindo! Isso não é verdade...

-Ele me pediu que dissesse toda verdade. Disse que tinha cumprido a promessa de tirá-la viva daqui, e que eu a levasse para um local seguro. Seu avô foi um heroi, abdicou a própria vida por você.

Um rio de lágrimas desaguou dos olhos de Jéssica que lamentava pelo ocorrido. Não sentia nada além da tristeza, somente um vazio interminável ocupava o seu coração. Sabia que viveria só.

Enfim, depois da tempestade, o astro rei surge novamente, porém, não deixando o dia mais belo, foi somente para selar o fim da carnificina. Ainda havia muito rastros de sangue, os homens tiveram muito trabalho para limpar a área.

Num hospital de emergência, os médicos colocaram Jéssica na maca, dando a mesma os primeiros socorros. Já estava melhor, conversava normalmente com os médicos, respondia todos os sinais, estava clinicamente bem. Surge um homem na porta do leito:

-Como você está filha?

Jéssica o reconheceu. Sua mente que estava vazia rapidamente acumulou-se de ódio:

-Como o senhor tem coragem de aparecer aqui? Por sua causa meu avô morreu! Eu nunca vou esquecer o que o senhor fez diante do bloqueio. Eu juro pela minha vida, que alguém vai pagar por tudo isso. E o senhor está entre eles Dr. Dutra. Por que negou ajuda ao seu melhor amigo? Seria mesmo uma demonstração de amizade o que o senhor fez? Não, um verdadeiro amigo vai até as últimas consequencias, por mais crítica que seja a situação. Acho o melhor o senhor ir embora.

Por bem Dr. Dutra achou melhor se retirar.

Enfim, a cidade começa a contar os prejuízos causados pela devastação das criaturas, os poucos moradores foram removidos para municípios vizinhos para o processo de desinfecção. Agora é começar do zero, para o renascimento de um novo município...

Fim.

Sanderson Vaz Dutra
Enviado por Sanderson Vaz Dutra em 05/12/2010
Código do texto: T2653975
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