Terror em uma biblioteca

O vento arrebatado ia de encontro às enormes vidraças do segundo andar da biblioteca municipal daquela cidade. Uma tempestade fúriosa e prolongada parecia o resultado natural de uma sucessão de incontáveis dias ensolarados.

Selena, uma senhora de estatura média, cabelos castanhos, que há quinze anos trabalhava naquele lugar, tentava forçosamente evitar que o vento gélido invadisse o ambiente ali dentro e precisou da ajuda de Maurício, um homem de aproximadamente trinta anos, que lia uma revisa e escutava música no seu reprodutor de som portátil, para fechar duas vidraças na lateral da sala.

Além deles, havia no local um garoto de vinte anos, Bruno, que lia um livro de história para o vestibular de educação física. Lívia, uma mulher loira, de expressões elegantes, vestida socialmente, e que terminava a sua monografia do curso de direito. E um senhor, chamado Luís, que parecia alheio a tudo a sua volta.

O barulho constante da chuva e a ausência quase completa de barulho, formentava a individualidade dos presentes, com excessão de Maurício e Bruno que sentaram-se juntos para conversar sobre um livro de capa vermelha, deixado por um homem que sentara ali antes deles. O livro tinha as páginas douradas, talvez de muito velhas e espalhou poeira pela mesa, irritando levemente a bibliotecária, Selena.

O silêncio sepulcral que reinava nos diversos setores da biblioteca, só era interrompido por alguns espirros e conversas impertinentes vindas do terceiro andar e pelo fúnebre som de trovões.

Todavia, esse cenário mudou drásticamente com a entrada de um certo homem.

Parado na entrada da sala, observava fixamente o livro que Bruno e Maurício tinham nas mãos, porém, desviou o caminho dessa mesa, ao caminhar concentradamente, com uma expressão divertida na face, até a mesa de Lívia, que tinha o rosto afundado nos livros.

-Vejo que está precisando de ajuda... - Sussurrou ele, inofensivamente.

Lívia levantou a cabeça, confusa e observou os olhos azuis do homem, muito claros, brilhantes, e sua barba negra, em constraste com a pele clara.

-Não, obrigada... - Disse ela, e percebendo que o estranho não reagia à sua recusa, continuou, embaraçada - Estou bem, obrigada, é... a minha monogrofia...

-Ah, não, não! - Disse ele, gargalhando -Não sobre isso... - E mudou radicalmente de expressão, como se o que tivesse lhe feito rir já não tivesse mais o mesmo efeito, e então, curvou-se sobre a mesa, tampando o caderno da advogada com a mão.

-O que é isso?! - Disse ela, alterada, tentando intimidá-lo com seu tom de voz.

-Aceite minha ajuda!

-Não preciso da sua ajuda, obrigada...

-Precisa... - Disse ele laconicamente, depois, com a mão que estivera tampando a sua visão do caderno, ele fechou o punho e rasgou algumas folhas, provocando um grito abafado da bibliotecária e o olhar furioso de Bruno e Maurício.

Temendo que os dois reagissem à provocação do homem, Selena discou sorrateiramente para o telefone da recepção.

O homem, então, continou:

-Será que tem de ser sempre assim? Que inferno! Não vêem que estão mortos? Parem de ler, de escrever, de pensarem na vida que nunca mais terão, que perderam e recusam-se a perceber... - Apesar de furioso, era possível perceber um certo prazer em sua voz, sádica, e todos ali dentro o observaram vidrados.

Todos pareciam chocados, com excessão de Lívia que levantou-se, arrumando apressada e nervosamente os seus pertences e caminhou rapidamente para a porta.

No meio do caminho, ela deteve-se, baixando os olhos, enquanto pressionava com uma certa força a pasta contra o estômago.

Da base da escada, que ligava o primeiro andar ao segundo, Lívia viu o segurança que Selena chamara.

Mas algo terrível a chocara. O segurança vinha subindo com dificuldade os degraus, espalhando restos dos seus orgãos internos por uma fenda enorme no seu abdomêm, tendo espamos de dor e dobrando o pescoço em ângulos impossíveis.

-Não, não!!! Oh, Deus! Deus! - Gritou Selena ao avistar o ser monstruoso, que em nada lembrava o seu colega de trabalho.

-Deixem-me ajudá-los! - Disse o homem, que sorria amigávelmente para eles - Só aceitem que estão mortos e tudo acabará!

Todos pareciam tê-lo ignorado, enquanto ouviam, assustados, os gemidos doloridos do cadáver.

Selena saiu de trás de sua mesa e correu histéria para o centro da sala, gritando nomes e maldições.

Enquanto isso, Luíz, que estivera sentado em sua mesa durante todo aquele tempo, parecia imúne aos poderes do homem estranho e sua única reação, foi pôr a mão em uma cicatriz que tinha no rosto e alisá-la por um instante, voltando-se novamente para a sua leitura.

-Não se convenceram ainda? - Disse o homem, raivosamente. - Não?! - Gritou ele, levantando as mãos violentamente para o alto.

E então, as vidraças que circundavam todo o ambiente se estilhaçaram ruidosamente, numa explosão desconjunta de estilhaços e destroços gigantescos de vidros, que pairaram bruscamente no ar, até um deles atingirem o pescoço de Maurício e decepá-lo num único golpe.

O sangue que jorrava de seu pescoço chegou até os pés de Bruno e Lívia e eles se afastaram assustados.

A chuva, então, parecia ter dado lugar a um céu horrorosamente avermelhado, como que enxarcado de sangue. Uma força de sucção parecia puxá-los de algum lugar lá de fora, mas, ainda assim, permaneciam parados no lugar.

Era como se suas peles fossem arracancadas, estraçalhadas, sugadas violentamente, por uma força invisível, mas seus corpos ainda permanecessem lá, intactos.

Antes tivessem sido decaptados, visto suas peles se desprendendos de seus corpos e perdendo, assim, a sensibilidade sobre elas, que continuar a sentir tal dor insuportável e sem qualquer possibilidade de se ver livre de tal provação.

Com os olhos virados nas órbitas, os corpos contorcidos sinistramente, encharcados pelo sangue que inundava o chão sujo do lugar e urrando, enquanto seus ossos eram quebrados aos poucos, eles cederam ao inevitável e cairam derrotados, sem dar-se conta de que estavam mortos.

***

Haviam quatro pessoas caídas no segundo andar daquela biblioteca.

Nesse momento, um senhor alto, com uma expressão dura, vinha alisando uma cicatriz no canto do rosto. Analisou rapidamente os dados que a polícia havia lhe entregue e informou, sonelemente, o seu verídicto aos presentes:

-Bem, pelo que pude averiguar, esse episódio foi causado devido a uma bactéria encontrada nesse livro vermelho. Essa bactéria, encontrada em objetos muitos antigos, quando inalada por seres humanos, pode ser extremamente alucinógena e provocar histeria coletiva...

Dito isso, ele pediu à polícia que afastasse os curiosos e junto aos enfermeiros e outros médicos, cuidou pessoalmente de cada um dos quatro. Depois, pegou o livro vermelho e alisando-o com cuidado, sentiu-se satisfeito por ter cumprido o seu papel no trato.

F W
Enviado por F W em 03/12/2010
Reeditado em 06/12/2010
Código do texto: T2651689
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