Terror numa sala de aula

Aquela era uma sexta-feira sombria e chuvosa, mas excitante, para quem tanto havia esperado por ela. As nove pessoas naquela pequena sala de aula, sentadas, umas sentindo-se entretidas com as lições de química; ligações covalentes e compostos químicos, e outras, um pouco aborrecidas, sentiam-se particularmente satisfeitas pela aproximação do fim de semana.

Faltava então quinze minutos para o encerramento das atividades e devido ao horário avançado, já não se ouvia com tanta intensidade os sons de conversas e motores, que vinham agora como um leve murmúrio lá de baixo.

Aquele era um prédio antigo, de quatro andares, estavam ocupando o terceiro andar agora. Lá fora chovia a cântaros, e as grandes janelas frontais, por estarem fechadas, impediam que o frio gélido da noite invadisse o pequeno espaço ali dentro. Logo, o sinal tocou, e pôde-se ouvir suspiros aliviados.

Diego, um garoto de vinte anos, sonhava em ser jornalista e estava bastante compenetrado em passar no vestibular aquele ano. Enquanto o sinal, estridente, continuava a tocar, ele arrumou as suas coisas, pensando no que faria a seguir, se iria para casa ou sairia com seus amigos.

O professor, um homem de estatura média, calvo, personalidade extrovertida e bastante divertido em sala de aula, guardou os seus pertences lentamente, enquanto conversava com duas alunas que sentavam nas primeiras cadeiras, Cristina e Madalena.

Luana, uma garota inteligente e decidida a passar pro curso de medicina, não gostava particularmente de química, mas achava que Diego fosse um bom motivo para frequentar essas aulas.

Em cabo de alguns instantes, todos estavam prontos e aos poucos, levantaram-se e foram rumo a porta. Três garotos vinham conversando distraídos, contando o que fariam no fim de semana e marcando de se encontrarem no outro dia de manhã para irem à praia.

Tudo parecia bem. Não havia quem observasse na vulgaridade obscena daquele dia qualquer sinal de controvérsia. Jovens estudantes, cansados, mas motivados a construirem seu futuro. Conversas animadas, sorrisos expontâneos, um dia bem aproveitado por todos.

-Está trancada, professor. - Disse, Arthur, um garoto tímido, que corara levemente ao perceber que a porta não reagia aos seus estímulos.

-Tem certeza? - Perguntou Diego.

-Deixe-me ver - Respondeu o professor, e sua expressão divertida, pareceu dar lugar a uma ansiedade que ele logo gostaria de abandonar -. Ei, por favor, sala 3, ainda há alunos aqui dentro! - Disse ele considerando a possibilidade de aposentar-se em alguns anos.

Todos entreolharam-se. Não havia sinal de medo em seus rostos, O que temeriam, afinal? Estavam apenas ansiosos para sair dali.

Arthur e Madalena olhavam para o chão. Diego sorriu levemente para Luana, que pressionava a bolsa contra o peito. O professor batia levemente o punho na porta, mas não havia nenhum sinal de que houvesse alguém lá fora.

-Não é possivel, não podem ter saído e nos deixado aqui! - Rugiu ele, furioso com a falta de consideração

-Vou ligar para o meu pai - Disse Cristina, uma garota bonita, que se sentia particularmente desafortunada por ter vindo aquele dia. Havia faltado quase todas as aulas de química e viera logo nessa -, está fora de área.

Aos poucos, cada um tentou fazer uma ligação para um conhecido, mas todos receberam a mesma resposta: fora de área.

Arthur parecia estar mais nervoso, não disfarçava o seu medo e em dado momento, sentou-se na cadeira mais próxima e baixou o rosto.

-A janela! Vamos abri-la, me ajudem! - Disse o professor.

Os garotos foram ajudá-lo e logo depois, as garotas também. Sem êxito. Apenas Arthur permanecera sentado, contando os segundos.

As janelas pareciam cimentadas, não apresentavam o menor sinal de que cederiam ao esforço conjunto deles. Quando terminaram, perceberam que o garoto, agora, estava soluçando.

Ninguém foi consolá-lo, estavam todos inconsoláveis, amedrontados. Já não ouviam qualquer som, vindo de fora, desde que o sinal tocara, e não viam ninguém lá fora também. As ruas estavam vazias e eles, presos lá dentro.

-Isso tem que ter uma explicação, tem que ter... - Disse o professor, enxugando o rosto, tentou manter-se firme até aquele momento, mas, agora, irrompia em nervosismo, tornando a sala um ambiente propicío a histeria.

As duas garotas, Cristina e Madalena, abraçaram-se e cairam em prantos, enquanto os três garotos olhavam-se ainda distraídos, mas desta vez, como se hipnotizados pela ameaça do desconhecido.

Ao ver o olhar desolado de Luana, que há tanto tempo vinha admirando, DYlan se aproximou e pôs um braço sobre o seu ombro, apoiando o rosto dela no seu peito.

-Vai ficar tudo bem, eles só nos esqueceram aqui, no máximo amanhã já vamos estar em casa de novo...

-Não... Não... Não! Eu vou processar essa escola! Processar! Desgraçados! - Gritou Cristina encolerizada, sentindo as veias do pescoço incharem e então, desmaiou, finalmente.

Aos poucos, cada um foi dando o devido lugar ao desespero, reagindo das mais diversas formas possiveis. Arthur parecia vidrado, os olhos esbugalhados, a boca semi-aberta, imóvel. O professor estava sentado em sua mesa, chorando, amedrontado. Cristina permanecera desmaiada por mais alguns minutos. Os três garotos se olhavam confusos, como se esperassem que o pior, fosse o que estava por vir a seguir. Apenas Dylan e Luana pareciam ter encontrado conforto no meio de tanto caos.

Quando tudo parecia estranhamente calmo, as luzes se apagaram, e um estálo medonho se fez ouvir entre as quatro paredes em que se encontravam. Fora como se elas tivessem cedido e o prédio estremecesse, furioso.

Cairam no chão com violência, alguns se cortaram e outros ficaram levemente machucados. Pareciam ouvir passos ou vozes do lado de fora da sala, mas não se atreviam a falar. Esperaram até aquele momento para serem resgatados e agora, só queriam o silêncio.

Mais uma vez, um estrondo se fez ouvir, e as paredes, pareciam prestes a desmoronar, como um castelo de cartas.

Arthur gritou, histérico, quando a parede em que estivera escorado todo esse tempo, começara a esfarelar, se desintegrando aos poucos. Todos gritavam por socorro, o mais alto que podiam agora.

Súplicas, gritos de horror, choros descontrolados, e o som de destruição ao seu redor. Estavam morrendo, sabiam, mas, aquela não parecia uma morte comum. Ouviam só a si mesmos, será que ninguém na cidade estaria vendo o prédio ruir-se, apenas eles?

Agora parecia tarde, o chão do andar superior caia em grandes blocos e antingiu Cristina e Madalena de uma vez. Os outros gritaram horrorizados.

Depois, ouviram sons de sirenes. Sim, sirenes! Sirenes! E pessoas! Sons de pessoas! Pessoas gritando! Olhararam-se em meio ao caos.

Dylan abraçava fortemente Luana e Arthur e os outros correram para a janela, agitados. Sorriam e ofegavam animados, como se prontos a esquecer tudo aquilo e sairem dali, para uma nova vida.

Mas não havia ninguém lá fora. As sirenes faziam-se ouvir ainda mais alto. Agora, distinguiam as vozes que gritavam desesperadas lá de baixo. Mas, que diabos, não havia ninguém lá! A rua permanecia impassível, completamente desocupada, enquanto sons cada vez mais altos e desesperados eclodiam pela vizinhança.

-Saiam de perto, é perigoso ficar perto de um prédio em chamas! Saiam! - Gritara, o que parecia um bombeiro, para a multidão.

Chamas? Eles se perguntaram. Não viam chamas nem sentiam o calor que deveria adevir delas. E então, quando se entreolharam, uma última vez... Chamas. Por todo lado. Em seus corpos, que derretiam-se rapidamente, nas paredes, no chão...

Como mágica, a luz das labaredas apareceu lentamente, num espetáculo de cores. Viram seus corpos invadidos pelo fogo, que dançava lentamente ao seu redor, envolvendo-os.

Todos gritavam e se jogavam ao chão num ataque incontrolável de histéria, seus corpos debilitados esvaindo-se junto a tudo ao seu redor. Apenas Dylan e Luana não viram seus corpos se decomporem, pois foram atingidos em cheio por uma parte do telhado que lhes achatara enquanto ainda estavam abraçados.

E finalmente, o prédio cedeu. Deram um último suspiro e tornaram-se parte de um emaranhado de destroços. Antes disso, foram envadidos por um luz branca, ofuscante e dolorosamente quente.

Algumas horas antes de eles terem percebido o incêndio, quando ainda achavam estar numa sala de aula, o prédio já consumia-se em chamas e eles, morriam lentamente. Mas era preciso tempo para admitir isso.

Quinze dias depois, um garoto acordava num hospital, sentia-se um pouco cansado, os olhos doiam, as pernas recusavam-se a obedecer, mas, enfim, mexeram-se, lentamente, e ele gritou, desesperado, por alguém que anciava reencontrar.

Havia saido dez minutos antes do quarto andar do prédio Torre da Colina transformar-se numa imensa bola de fogo, e levou consigo, nos braços, quando o prédio já estava em chamas, a garota por quem descobriu estar apaixonado, uma menina tímida e inteligente, que sonhava fazer medicina.

Ela acordou, dali à alguns dias, e eles tornaram-se os únicos sobreviventes daquela tragédia.

Viveram a partir de então como se uma nova vida lhes fosse dada, mas de uma forma angustiante, uma luz branca, ofuscante e dolorosamente quente, nunca mais lhes saiu da mente.

F W
Enviado por F W em 29/11/2010
Reeditado em 16/01/2012
Código do texto: T2644023
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