O que pensa um zumbi

O sol raiou majestoso fazendo Lidia despertar."Hora de trabalhar" pensou enquanto levantava-se do chão sem estranhar ter dormido ali,ultimamente nada do que fazia vinha tendo muito sentido.Espreguiçou-se e tentou arrumar o cabelo mas ele lhe saiu em tufos nas mãos,reclamou mas os sons que saiam de sua boca eram roucos,desconexos,eram "grunhidos" ela lembrou com orgulho,a palavra certa era grunhido,vinha tendo problemas nessa parte também...Tentou pronunciar "grunhido" e o máximo de seus esforços saiu como "grr",além de lhe provocar um acesso de tosse,um pouco de sangue escuro caiu no chão sem que ela reparasse.

Passou a desamassar a roupa esfregando suas mãos ossudas na saia,um pouco de pele escura se prendeu ao tecido sujo e fez algo no cerebro de Lidia despertar,seria dor?

Com um pouco de dificuldade ela caminhou até uma vidraça proxima só para se horrorizar com a imagem.Sua saia e blusa estavam sujar,meio queimadas,rasgadas e antigas,seu cabelo resumia-se a um bolo de sujeira sem cor definida,sua pele escura e seca tinha varios ferimentos que soltavam liquido.Lidia tocou uma das feridas e de dentro sairam vermes,ela gemeu sem entender...O que acontecera?

Em jorro as lembranças voltaram,confusas e doloridas.A doença,a infecção,epidemia,mortos andando,tiros,gritos,sangue,evacuação...Medo enquanto seu marido puxava sua mão correndo pelas ruas,uma unica mochila com poucos pertences,o salto quebrado,a queda,o gosto de poeira na boca,o cheiro do louco que corria para fora do beco,cheiro de gente morta...Dor,muita dor,o marido largando sua mão,sangue no corpo,seu sangue,frio,escuridão...

Na rua um carro passou e atrás dele correram os desmortos,Lidia farejou o ar,gente viva...Ela não viu mais a escuridão,não lembrou mais do marido,não se importou mais com o cabelo,estava com fome,muita fome...E quando essa fome surgia Lidia a liberava em grunhidos,em mordidas onde o sangue fluia e a deixava viva outra vez,viva com cheiro de gente morta...