Pesadelo do Prazer
Pesadelo do Prazer:
por Giomar Rodrigues
“Qual a diferença entre a vida e a morte? ou entre o sonho e a realidade? Todos achamos que sabemos, mas quem realmente sabe o que é um sonho ou mesmo a própria morte? Respostas eu nunca tive, mas achei que encontraria um bálsamo para meus sofrimentos, mas tudo que encontrei foi a raiz de meus problemas...”
Me chamo Reynald Woods, e antes de tudo acontecer era apenas uma pessoa comum inserida em um cenário ainda mais comum. Era um operário em uma grande empresa que produzia artigos esportivos em massa, mas depois de algum tempo tudo mudou. Já fazia cerca de dois meses que vinha tendo o mesmo sonho todas as noites e este era meu eterno tormento. Todas as noites sonhava que uma bela mulher encontrava-me em qualquer estágio de inconsciência, vinha até mim e me seduzia de todas as maneiras possíveis, logo envolvia-me em seus braços e nos entregávamos aos mais selvagens prazeres mundanos. Certamente em outras épocas, eu tive sonhos como estes em minha juventude, os mesmos sonhos que me causavam constrangedoras poluções noturnas, mas nenhum deles é tão real quanto este que antigamente me invadia e me controlava por completo, me fazendo acordar todo molhado e totalmente banhado em suor, o que torna toda essa lembrança muito amarga e terrivelmente recente.
Atualmente estou livre desta maldição que me acometia, mas não sei dizer ao certo se estou melhor do que anteriormente. Relatarei aqui os fatos que se seguiram depois de perceber que necessitava de ajuda, embora não soubesse ao certo quem deveria me ajudar. Então procurei um médico, ele com certeza era o melhor que existia em minhas redondezas, mas mesmo assim pouco me ajudou. Garantia-me o médico que tudo se resolveria por conta própria, e que tudo não passava de um caso acentuado de polução noturna e que é normal acontecer em determinadas fases da vida de um homem adulto. Ainda me aconselhou que tentasse me envolver com uma mulher e que tivesse uma vida sexual mais ativa. Esse conselho, particularmente me deixou um pouco constrangido e me fez sentir um certo ódio de meu médico, pois desde minha infância fui criado por duas mulheres, tornando-me um homem extremamente feminista, e esse tipo de sugestão me fez achar que todos os homens veem as mulheres como simples objetos ou meros brinquedos de prazer, me fazendo sentir uma imensa vergonha de fazer parte dessa indigna classe masculina escravizadora de mulheres. Mas talvez isso tenha sido apenas mais um de meus exageros feministas.
De qualquer forma nada daquilo me ajudou de forma alguma, apenas me deixou mais irritado comigo mesmo. Mas ainda sabia que sozinho não poderia resolver o problema que me assolava, então decidi que deveria buscar uma ajuda psiquiátrica, todavia já era tarde da noite e de qualquer forma teria que ficar para o dia seguinte, então fui deitar-me em minha cama rezando para que tivesse ao menos uma noite de paz e harmonia nessa vida, o medo me possuía e fazia o sono não chegar perto de meu leito, mas o cansaço sempre vence o medo e deixa o “senhor dos pesadelos” adentrar minhas fronteiras desprotegidas. E então fui absorvido pela essência do sonho de modo que tudo teve início como de costume. Estava eu sentado em um pequeno balanço na praça de minha cidade que fica a poucos quarteirões de minha casa, sentia a brisa sutil das tardes de verão de qualquer dia de dezembro, enquanto segurava fortemente as finas correntes do balanço com minhas mãos e observava as crianças brincarem umas com as outras sem se incomodarem com minha presença. E aquilo me fez sorrir como um tolo alegre vivendo em um mundo trivial. Mas toda minha alegria teve um prazo curto de vida, pois a brisa que soprava sutilmente se transformou em um vento muito forte que me fez levantar do balanço observando as crianças sumirem na paisagem que mudava bruscamente e sem qualquer aviso. Os céus tornaram-se repletos de nuvens negras que pareciam prontas para chorar os lamentos de algum deus obscuro que sofre por castigar a humanidade a muitas eras de maneira ininterrupta. Quando todo o ambiente foi envolto pela escuridão, eu pude vê-la à muitos metros de distância, mas já sabia que não poderia escapar daquilo, muito menos acordar daquilo que havia deixado de ser um sonho para logo tornar-se meu pesadelo pessoal. Ela vinha até mim com um sorriso esboçado em seus lábios com aquele batom negro de sempre, seus cabelos ruivos e lisos por vezes ocultavam seu rosto deixando em inúmeras ocasiões seus olhos verdes ocultos em sua face angelical, seu corpo pálido e esbelto era coberto apenas por um leve vestido vermelho com longas aberturas nas laterais de cada uma de suas coxas, e ao fim de suas longas pernas, para adornar seus pés ficavam evidentes seus sapatos de salto alto sempre negros e reluzentes, de onde podia-se ver refletido em cada um deles a origem de todo o mal, sendo ele o próprio infinito antes mesmo da criação humana. E quando a criatura que nunca diz algo ou sequer menciona uma única palavra estava a poucos centímetros da minha pessoa ela olhou-me com seus belos olhos verdes e com sua mão esquerda segurou a minha fortemente, enquanto que com a mão direita apontou para o que costumava ser um dos brinquedos da pracinha, e que agora havia tornado-se um grande altar de sacrifício para minha inocência, já perdida ali tantas vezes. Talvez eu esteja convencido de que estou mesmo perdido, e só por isso não consigo sequer resistir à suas presença e acabo sempre por sucumbir a esses violentos desejos, que sinto nem serem meus.
Ela me conduz até o altar e me auxilia para me despir, sinto meu coração bater forte e subir até a garganta, mas não digo uma palavra, acho que nem poderia dizer algo mesmo que tivesse a intenção de dizer, embora consiga controlar livremente meus pensamentos, o que me faz acredita que aquilo nunca possa ser um sonho, mas apenas um reflexo de uma outra realidade incompreensível, ainda.
Quando o profano ato tem início eu posso sentir que ela realmente usará de todos seus métodos para empregar a mim seu libidinoso desejo, usando de uma violência e ferocidade digna apenas de alguém que desconhece conceitos como respeito ou arrependimento. Do começo ao fim do ato sexual, que em momento algum possa ser chamado de amor, pela completa falta de sentimento e sensibilidade, eu me esforço para manter uma postura masculina diante da aparente frágil criatura que todas as noites me violenta de maneira não menos que diabólica, e dessa forma contido como um escravo de uma luxuriosa rainha, contenho minhas lágrimas até o final do acontecimento que sempre se encerra no derradeiro ápice do prazer e da minha dor, que se misturaram de uma forma sinistra e improvável como se o óleo pudesse unir-se à água livremente. E é sempre nesse instante que acordo de meu pesadelo, mas ainda não encontro a paz, nem quando me encontro imediatamente acordado, pois somente nesse momento eu a ouço, talvez somente em minha mente ou pelo quarto todo. Sua risada malévola penetra meus ouvidos bem baixinho, até ficar ensurdecedora e me fazer cair aos prantos sem conseguir me controlar, escondendo meu rosto em minhas mãos como uma criança que esconde do pai suas lágrimas. Não tentei dormir mais naquela noite, apenas fiquei acordado bebendo café como um louco que foge de si mesmo, sem saber quem é seu inimigo. Sabia que logo que o dia nascesse iria o quanto antes ao psiquiatra e talvez tivesse fim meu tormento noturno.
Quando o dia nasceu e o horário de atendimento finalmente chegou, eu já estava à espera há muito tempo sem me importar com o desconforto gerado pelas cadeiras na sala de espera, o que me fazia relaxar de certa forma por não conseguir dormir naquela situação. Todavia não demorou muito para que o psiquiatra me atendesse, me convidando para sentar em um confortável divã, enquanto me abordava com inúmeras perguntas sobre a minha infância antes de me fazer iniciar meus questionamentos sobre minha situação, achei aquela baboseira inicial apenas uma espécie de chamariz para aqueles que são mais ingênuos nesses assuntos da psiquê humana. Mas de qualquer forma ele ouviu-me atenciosamente e não questionou-me em momento algum antes de eu terminar meus relatos, incluindo o da noite passada que ainda estavam gravados em meus pensamentos. Depois de algumas anotações que ele fez em seu caderno, perguntou algo que me deixou perplexo.
- Você alguma vez teve este sonho durante o dia?- não tive resposta de imediato para a pegunta, pois por um segundo que pareceu uma eternidade me perguntei se ali não estava eu diante de minha solução para o problema que haveria de ser apenas noturno. E então minha consciência retornou para onde deveria estar e respondi:
- Não, nunca tentei dormir de dia...- respondi um pouco apavorado.
Então faremos o seguinte, eu vou fazer você adormecer por meio de hipnose e se no sonho encontrá-la nós iremos confrontá-la.
Mas senhor eu nunca consegui confrontá-la, nem mesmo pude jamais dizer uma palavra para ela...
- É exatamente por esse motivo que eu disse “nós” e não “você”. Eu vou te ajudar da seguinte maneira, quando deitar-se com ela você será guiado pelo som da vinha voz e somente pelo som da minha voz, nenhum outro irá interferir em seus atos. E então você será apenas um transmissor da minha voz, não sendo você quem realmente estará dizendo qualquer coisa.- Explicou o bom doutor.
- Então façamos isso o quanto antes senhor, estou muito seguro dos resultados e nem sei explicar a razão.
Isso é um bom sinal Sr. Woods, pois sua confiança parece estar retornando para onde nunca devia ter saído. - concluiu o doutor antes de iniciar a hipnose.
Minutos depois de adormecer eu já havia notado sua presença em meus sonhos, ela veio lentamente até mim e agarrou minha mão com muita força e me despiu sob o altar, eu queria que o doutor dissesse algo imediatamente, mas ele não dizia nada ou era apenas eu que não conseguia ouvi-lo, o que aumentava muito mais minha agonia diante da macabra situação.
Entrementes, quando a bela criatura havia terminado de se despir e deixado evidente todas as lindas curvas de seu diabólico corpo e subia sobre mim pronta para iniciar o ato violento e feroz, enquanto com suas mãos me prendiam para não poder escapar, uma voz tomou posse de meu corpo de forma assustadora e inesperada para todos os envolvidos.
- Mulher, peço humildemente que se afaste de mim, pois hoje estou aqui apenas para conversar e nada mais. - disse o doutor através da minha pessoa.
- Mas como conseguiu subjugar meu poder de persuasão, é impossível para uma pessoa fraca como você, deve estar recebendo ajuda de algum lugar! - exclamou a mulher com uma voz muito bonita, porém agressiva, recuando alguns passos para trás visivelmente assustada.
- Quero saber o que deseja comigo e porque? - falei eu, sendo que agora o doutor tornara-se eu, e eu tornara-me apenas um mero expectador.
- O que desejo de você? Hahahaha - riu ela e continuou – eu sou uma Succubu, e me alimento da energia sexual de todos aqueles que não a utilizam através do mundo dos sonhos e você querendo ou não agora é apenas um mero escravo de um demônio do prazer.
- Isso pouco me importa vil criatura, de agora em diante tu abandonará meus sonhos para sempre e partirá para nunca mais retornar. - disse o doutor por meio de mim, enquanto eu sentia suas mãos invisíveis tocarem as minhas e me pedindo que falássemos as próximas palavras como se fossemos um só.
- Afasta-se de mim criatura do inferno e retorna para onde nunca deveria ter saído, antes que o pior lhe aconteça: EM NOME DO SENHOR! - falamos como se um completasse o outro e assim senti me forte o suficiente para não desmaiar diante da loucura que se seguiu.
- Como ousa mencionar o “Seu Senhor” em meus domínios, seu desgraçado! Eu partirei mas isso não terminou ainda e logo retornarei para guiá-lo até a descida do inferno e veremos se o “Seu Senhor” lhe chamará como você o chamou. Espere e verás se o conheces tanto quanto acreditas. - disse a criatura se contorcendo de dor enquanto uma nefasta transformação acontecia com seu corpo.
Suas mãos tornavam-se garras afiadíssimas, chifres brotaram em sua testa como se fossem rosas negras, seus dentes tornaram-se presas enormes e rubras asas emergiram de suas costas tornado-se gigantescas. A criatura agora era absorvida por um buraco que se abriu no chão e a puxava com imensa rapidez para um abismo infinito que não podia ser imaginado por mortal algum. E enquanto a criatura agonizava em seus últimos momentos de consciência, lançava suas mais terríveis maldições através de seus lábios preenchidos pelo negro batom:
- Malditos sejam, mortais infelizes que ainda desconhecem o verdadeiro significado dos sonhos e acreditam piamente na salvação de todos através das boas ações! Que em breve todos conheçam o infindável abismo do prazer e da dor no inferno pessoal de cada um. - gritou a criatura antes de desaparecer por completo de meus pesadelos.
Embora eu nunca mais tenha visto a mulher ou a besta que ela se tornara em meus sonhos, eu nunca mais consegui ter outra noite agradável de sono, pois suas últimas palavras ecoaram em minha mente e ali elas calaram fundo em meu coração, todavia sua mensagem ainda é um mistério a todos nós, um mistério não menos doloroso.
FIM