Caminhando Entre os Mortos(em parceira c/ Julio Dosan)

Caros Amigos,

esse é o primeiro conto da parceria dos Cavaleiros do Apocalipse... gostariamos de dedicar a alguns amigos e amigas em especial, ele é para pessoas como a Faby Cristall, whendy, cris, zeny, Paulo Sutto, Edson Tomaz. Forte Abraço a todos.

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Estava ele deitado em seu caixão, vestindo um terno escuro, o véu lhe cobrindo a face jovem e sem vida. O pastor Alonso pregava em seu triste funeral, com a igreja lotada lhe dando o ultimo adeus:

-O que dizer sobre Fernando Siqueira Gonçalves? Bom, homem, bom pai, membro ativo de nossa comunidade, recém formado em teologia e a pedido de nosso pastor da central, candidato forte para administrar na condição de pastor uma de nossas sedes, programada para ser inaugurada no meio do ano que vem. Fernando morreu graças a um problema em seu coração, coração esse tão generoso, que tão bem conhecíamos. Ele só tinha 33 anos, descansou de repente, ao lado da esposa em uma tarde quente, em seu apartamento. Ela o encontrou morto ao acordar na boca da noite. Seu corpo descansa agora, mas sua alma certamente esta em bom lugar a espera da volta de nosso senhor...

Fernando acordou a beira de um abismo, em meio a almas perdidas, que agonizavam querendo sair e subir aos céus. Tentava entender porque estava ali. Era fato, sua alma não estava aonde deveria estar, ele ainda não havia pensado em se lamentar, pois dentro dele, tentava entender os desígnios de Deus.

Sentiu a fria pontada de uma lança lhe cutucar as costas. Olhou para trás e viu um ser maligno, que o obrigava a caminhar pelo vale da morte. O caminho a qual ele vagava estava livre, no entanto, a sua volta, os atormentados se agonizavam nus, uns lhe mendigando ajuda, outros se contorcendo em dor atordoante, com os corpos cobertos de chagas e ou lepras. Analisou-se e agradeceu a Deus por não estar naquele estado, pois ainda vestia roupas leves, dignas de se vestir no paraíso.

O ser maligno aponta o dedo com uma longa unha em direção a um buraco cavado no chão. Fernando olha o buraco, sem alcançar a vista a seu fundo. O ser maligno pede para ele pular lá dentro, ele se nega e novamente é espetado, desta vez, a lança pontiaguda entra em sua carne e quando sai, leva com ela um pedaço de Fernando. Fernando sabe que não tem outra escola, então pula, sentindo a terra o sugar. O buraco vai se afinando e ele sente seus ossos se quebrando, grita agonizando, sem parar de escorrer por aquela tortura sem dimensões. Ele chora de dor e continua a gritar, inutilmente. A escuridão dominou seus olhos e o desespero do seu coração. Por uns quinze segundos viajou insano por dentro da terra que invadia toda sua carne e seu espírito, até sentir a cabeça brotar em um terreno vermelho com gosto de ferrugem e cheiro de enxofre, seu corpo ia subindo, sendo desenterrado da terra violentamente.

De lá saiu com os olhos vermelhos de sangue, seus ossos apesar de ainda doerem muito, estavam intacto, e sua carne não mais sangrava. Olhou a sua volta e viu um lago negro, a qual fedia intensamente a água podre. Deu passos inseguros à frente e avistou um cano de esgoto que despejava a putrefação no lago, dando a entender que eram restos de carne e membros humanos. Ele seguiu o cano e logo viu que descendia de uma alta e grotesca muralha. Do lado de fora da muralha, Fernando reparou nas arvores de folhas negras, a árvore tinha olhos humanos, que se mexiam em constante desespero, da boca aberta ao extremo, com galhos grossos e férteis. Outros galhos esticados ao máximo simbolizavam angustiosos braços e pernas, dando a impressão que tinham duplas raízes. E todas as árvores tinham pregos de mais de 15 centímetros, enterrados a dezenas, com sangue escorrendo sobre o tronco, documentando a odiosa tortura. Então outros seres malignos, pregando aos risos os grossos e cumpridos pregos nas arvores. Fernando concluiu que realmente estava no inferno.

Por minutos que ali ficou olhando as árvores vivas, brotou pequenas raízes de seus pés descalços, ele as quebrou puxando os pés, ignorando a dor. Decidiu ignorar o cheiro de podre e tentou entrar pelo cano de esgoto, a fim de chegar do lado de dentro da muralha. Não cabia no tenebroso esgoto, então correu a volta da muralha, na esperança de encontrar uma entrada.

Fernando seguindo pelo caminho desconhecido fechou os olhos e orou baixo:

-Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo...

Achou por fim uma porta alta, com corpos colados nus, as quais faziam parte dela. Tentou procurar por uma maçaneta, mas em seu lugar, encontrou uma cabeça grisalha, já em estado de putrefação, demonstrando cansaço e angustia, pedindo por socorro:

-Me ajude... Por favor... Ajude-me...

Fernando fechou os olhos e pensou. Sabia que para entrar, teria que girar a cabeça para a porta se abrir. Olhou para os céus, pediu perdão a Deus e girou a cabeça grisalha. A cada volta que dava, a cabeça viva tirava a língua podre para fora, lambendo sua mão. Fernando sabia que tinha que se manter frio, e assim ficou até a imensa porta se abrir. Lá dentro, o fogo reinava sobre o teto altíssimo, caindo pingos firmes até o chão, Fernando avistou um longo e aberto caminho e o seguiu, se vendo em determinado trajeto, cercado de belezas, sendo elas flores, árvores imensas e frutíferas, animais silvestres e pessoas felizes, mas sabia que era apenas uma distorção do Príncipe dali. Mas o mau cheiro de putrefação humana ainda dominava seu sensível olfato, então, as margens da nascente de um lago, ele o viu, o Belzebu, com os braços esticados ceando em uma mesa farta, cheia de pratos bem montados com carnes, arroz, macarrão, saladas, frutas, sucos e flores. Fernando se aproximou da mesa, encarando sem medo o pai das trevas, com seu rosto calmo e chifres longos e grossos, que faziam uma curva antes de chegar à ponta. O Nefasto pegou um cacho de uva e o mordeu, com seus dentes pontudos e cinza:

-É um homem puro. Sabe o que faz em meu domínio?

-Não, mas sei que eu não deveria estar aqui.

O tinhoso o olhou com olhar curioso e conclui com voz calma, segurando uma coxa de peru:

-Por acaso se esqueceu de seu passado?

Fernando fechou os olhos e disse:

-Meus pecados de outrora foram perdoados e esquecidos a partir do momento em que me batizei e me tornei filho de Deus, ele me prometeu que Demônio algum me cobraria por tais erros.

-Sim - sorriu o Diabo. -Mas isto, caso você se perdoasse. Você se perdoou Fernando?

Fernando respirou fundo, fechou os olhos e chorou:

-Não. Não me perdoei!

O Diabo se levantou de sua mesa farta, se aproximou audacioso do jovem pastor e lhe disse:

-Se não se perdoou, por que achas que sua vitima, o homem a qual você assassinou, iria lhe perdoar?

Fernando não lhe respondeu, apenas continuou o choro, lamentando o acontecido de oito anos atrás, antes de sua conversão. Lúcifer alisou seus cabelos e falou:

-Ora, você é digno de pertencer aos céus, isto é fato. Tenho que lhe confessar que sua vinda aqui, é apenas para pedir perdão ao homem que você matou, se ele assim fizer você estará perdoado e pode seguir seu caminho, no lugar a qual deveria estar.

O Demônio o olhou e com sua persuasão sugeriu:

-Parece estar com fome. Por que não prova algo de minha mesa?

Fernando de repente se viu faminto, arriscou olhar para a romã mais bela dali, o Capeta olhou sorrindo para ele e romã, mostrando generosidade a ofertou a ele:

-Pois coma. Minhas romãs têm um sabor inigualável, e sua semente é tão macia quanto à própria carne...

Fernando então percebeu que desde o inicio de sua morte, não havia comido nada, então comeu seis sementes, mas percebeu que aquilo era uma artimanha do Satanás.

Lúcifer mostrou um sorriso satisfatório. Por fim falou:

-Teobaldo é um bom homem, esta na porta de numero seis daquele corredor. Bata antes de entrar.

Então, uma porta se abriu, e Fernando avistou um infinito corredor, com uma porta a cada três metros, tanto dos dois lados como no teto. Ele correu e olhou para a primeira que viu em sua frente, com o seguinte numero: 38.965.

Ele correu então, percebendo que os números iam diminuindo com muita lentidão.

Após horas e horas, correndo insanamente, ele viu a porta 14... 13... 12... 11... 10... 9... 8... 7... 5... 4... 3...

Fernando em desespero se perguntou após chegar ao fim do corredor:

-Aonde esta a porta seis?

Abriu a porta cinco e viu um homem, amarrado em uma cama de ferro, com cortes e laminas por todo o corpo, gritando insano por socorro. Ele a fechou de volta e arriscou a sete. Viu então a pior cena de sua vida, um homem quase que totalmente sem couro, cortando pedaços do rosto e colando em um boneco de madeira, cheio de sua carne quase que totalmente podre. Fernando a fechou e condenou a confusão do Satanás. Olhou a porta nove, que estava no teto, então, pulou na tentativa de alcançar a maçaneta. No quarto pulo ele conseguiu um corpo então desceu selvagemente, parando a quinze centímetros do chão. Estava com uma corda no pescoço, clamando por ajuda. Era Teobaldo, o homem que Fernando matou enforcado com as próprias mãos durante uma briga num bar, o ex-namorado de sua esposa, que na época não se conformou com a separação, a perseguiu tanto que na época, Fernando não teve outra escolha a não ser matá-lo.

Agora ali, tentava cortar a corda para parar com a agonia de Teobaldo, mas não conseguia. Teobaldo em determinado tempo pediu pra ele parar:

-Pare Fernando... Por favor... Esta aumentando meu sofrimento, pois sei que não sairei daqui.

Fernando o olhou com pesar e fez o que tinha que fazer:

-Vim lhe pedir perdão, pelo que lhe fiz. Sei que chegou mais cedo aqui por minha causa.

Teobaldo chorou e disse:

-Vá em paz, Fernando. A culpa foi minha, eu encurralei você e Eveline, você fez o que achou certo e possivelmente era. Da minha parte estas perdoado.

Fernando então viu Teobaldo ser puxado de novo para a porta no teto. Então outra porta se abriu, de frente aonde havia saído bem na mesa do Tinhoso. Junto com o pai das mentiras havia um anjo, com sua armadura dourada e a espada embainhada e um enorme par de asas de aço se acomodavam nas suas costas.

- Lúcifer, eu vim buscar essa alma. Ela pertence ao reino dos céus. – disse o anjo com voz de trovão.

- Miguel, Miguel, você é previsível como sempre, não sei por que eu ainda me preocupo com você. Então como está o velho?

- Não tenho tempo para conversinhas, hoje eu vim buscar a alma, aqui estão às ordens. – retirou um pergaminho do bolso.

- Vocês lá de cima não têm senso de humor, não se divertem, é só trabalho, trabalho, trabalho. Por falar nisso onde está o novo Azazel?

- Bode expiatório, como sempre. – e caíram na risada os dois.

Fernando ficou olhando sem acreditar, não sabia que os anjos e os demônios viam o seu trabalho, como diversão, ele entendeu que o paraíso e o inferno eram como imensas repartições publicas. Por um momento achou aquilo engraçado.

- Pois é, vamos entrar agora na parte burocrática, essa alma ai é minha, Miguel. – disse o Diabo.

- Ordens são ordens. – disse Miguel serio.

- Ah Miguel, você sempre com esse seu jeitão, não sei que amor é esse a profissão.

- Eu amo Ele. Ele ama a humanidade, então eu amo a humanidade.

- Não estou falando disso seu idiota, estou falando do sistema, esse sistema estúpido que Ele criou.

Fernando ficou calado, escutando aquela conversa, informal entre o céu e o inferno. Até que o olhar de Miguel se voltou para ele.

- Pois é já está no tempo de a gente ir embora.

- Ah, Miguel, Miguel como eu já disse essa alma é minha.

Fernando ficou com medo.

- Ele comeu minha comida, a comida do inferno, então ele é meu, não pode fugir disso, ele comeu uma das minhas romãs.

Fernando então ficou com mais medo do que iria acontecer com ele, pensou que poderia haver algo pior que a morte.

- Quanto a isso é verdade. – falou Miguel- o protocolo é bem claro, mas ele é uma alma sã.

Depois de muito discutirem, Satanás e Miguel em tom amistoso, cada qual queria a alma de Fernando para si, ficou decidido que assim como algumas outras almas antigas, ele iria passar seis meses no céu e seis meses no inferno, devido aos seis caroços de romã que comeu. Cada mês simbolizando um caroço.

João Murillo
Enviado por João Murillo em 16/11/2010
Reeditado em 16/11/2010
Código do texto: T2618285
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