Preciso limpar ese espêlho antes que Dona Lurdes chegue. Não sei qual o motivo desse cara ficar assim embaçado.
_ Tú tá falando sério ceguêta?
_ Fica na tua espêlho, aqui quem fala sou
_ Eu não estou embaçado seu bundão, deixa
de ser cagão e vai cuidar dessa visão
_Não vou te dar atenção espelho não fala
é minha imaginação
_Vai brincando com a verdade seu mané, depois
Não diz que não foi avisado.
_Puta que pariu, cala a porra dessa boca, tu tá
esquecendo uma coisa, com dois passos prá direita
ou esquerda, acabo com tua existência. Tua vida me pertênce.
_É bundão, você tem razão. Prá direita ou esquerda
diferença não faz não, tu vai ficar ceguêta por
causa de ser bundão. Do que você tem
medo afinal? Da morte sei que não, te conheço há
muito tempo, diga aqui prá teu amigo, que medo mexe contigo?

_ Não se mente para espêlho. a espêlho não se engana. Vou contar toda a verdade, verdade que você já sabe: não tenho medo da morte, dessa ningúem escapa, mas medo do escuro, o escuro dos dias cláros. Na claridade dos dias vejo a tudo de que gosto, nem tudo vejo gosto. Mesmo não sendo dia, quando a noite faz presente, ainda posso enchergar e ver o que me faz contente. De toda beleza da vida que vem ao alcance das vistas, tenho medo de não ver a que mais feliz me faz. Visão tão pouco vista, a distancia nos afasta. Não está a meu alcance a qualquer hora do dia, longe está de mim agora essa visão tão querida. Ao levar meu ôlho ao médico prá retirar o embaçado, sinto medo de perder a visão de minhas vistas. Caindo na escuridão sem poder ver a razão de ainda estar com vida. O que seria de mim sem ver minha filha querida?