CHUVA DE ARROZ

Eram 15 anos de sacerdócio, e Marcel Jabouille, era um servo de Deus amargo em suas expressões, porém expressões pouco notadas porque ninguém ou quase ninguém olha diretamente no rosto de um sacerdote, a não ser no momento da homilia, isto se a preleção não estiver enfadonha e cansativa.

A dois continentes de sua terra natal este filho de portuguesa com Frances, veio de Timor Leste, na Ásia.

Marcel tinha um motivo muito forte para ultimamente se sentir tão triste, pois confuso a respeito de sua vocação, tinha coisas urgentes para resolver em relação ao seu coração, que ja dava sinais de relutância em seguir fielmente a Deus.

Há uns 5 anos atrás, depois de uma confissão ficou ciente de que mais cedo ou mais tarde teria que escolher entre a vocação, nesta ocasião nem tão firme e o amor de uma mulher.

Parece simples, mas lhe custaram noites de insônia, um sentimento de culpa de apenas pensar naquela possibilidade e por vezes misturada a tudo isto o pensamento em tão longínqua terra natal onde poderia conversar mais intimamente com algum parente, já que os irmãos em sacerdócio não compreenderiam tal interrogação em uma vida dedicada já há 15 anos a Igreja.

Por isso em seus longos serões ouvindo musica sacra e compenetrado em suas leituras procurava vínculos novos em tudo que o cercava, para reforçar a fé, tão abalada nos últimos tempos.

Embora o esforço, as profundas olheiras, sentia-se afastando de seus ideais, e volta e meia perdia-se na seqüência das missas, para o que fez um breve resumo que o retornava ao rito sem que ninguém notasse, mas sentia-se muito cansado ao final de cada ato religioso.

Muitas vezes já no altar para rezar a missa, ele viu entrar sempre pela porta lateral da igreja, a mulher que lhe afastava da vocação, olhava rapidamente, lhe dedicava segundos de observação, mas era necessário que voltasse ao seu trabalho religioso, e assim o fazia, com um nó na garganta.

Iam os dias de sua vida e a cada dia mais frio e desesperançado Marcel se achava pois se de um lado achava uma traição deixar a igreja por outro sentia que seu coração seria para sempre um empecilho que ele não poderia desconsiderar.

Nas longas horas em que ficava em sua varanda ao luar pensando, Marcel imaginava todas as possibilidades e depois que ela, a mulher que ele gostava e seu noivo fizeram os proclamas no cartório e já haviam decidido a data do casamento, por duas ou três vezes, quando abriu a porta para ir para seus aposentos encontrava-se totalmente embriagado.

Marcel tornara-se um alcoólatra, um homem frio que deixava para padres das paróquias vizinhas a trabalho de confissões, dando as mais diversas e as mais fúteis desculpas.

A manhã do casamento viera com uma esplendorosa luminosidade, era primavera, já pela madrugada viam-se pessoas contratadas arrumando tudo se detendo em cada detalhe para que nada ficasse fora dos padrões conservadores daquela comunidade, inclusive na hora do casamento e da comunhão, tradições de tempos imemoriais, a igreja ficaria deslumbrante.

Marcel celebraria a união, por isso naquela manhã olhou demoradamente o alto da sua igreja, imaginando-se voando e por momentos sorriu.

Já na sacristia preparou a hóstia para o evento e também o vinho.

E como mandava a tradição, separado de todos, duas hóstias e um cálice de vinho para os noivos.

09h00min horas, os sinos davam início ao evento, Marcel postado em frente aos noivos via no fundo dos olhos da noiva uma tristeza latente, e no fundo sabia que ela estava se casando por causa da indecisão dele...

Ao final da eucaristia e da missa propriamente dita os dois noivos dirigiram-se para a saída da igreja...

Vivas, foguetes, e a tradicional chuva de arroz... No sétimo degrau da frente da igreja, sentindo uma leve tontura a noiva agarrou-se firmemente no noivo e ambos foram ao chão...Suas pupilas dilatadas, seus corações sem batimentos cardíacos estavam sem nenhuma sombra de duvidas, mortos.

10 minutos depois ali em frente a igreja e quase ao lado de onde ainda jaziam os corpos dos noivos, com os mesmo trajes que realizou o casamento, Marcel tinha o corpo espatifado nas pedras depois de se atirar do alto da torre da igreja, e na mão, dentro de um pequeno embrulho, restos do veneno que ele usou no vinho que o casal tomou...

Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 29/10/2010
Código do texto: T2586129
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