A Botija da Meia Noite
Naquela noite, foi a primeira vez que o espírito do seu Toim me apareceu, ele era um tio do meu pai que morrera a mais de vinte anos, mas meu pai sempre falava nesse cara, tinha retratos dele, foi assim que eu conheci sua alma. Ele me falou:
- Filho, nesse mundo que eu estou agora, coisas materiais do seu mundo ainda me perseguem, todo o meu ouro, está enterrado aqui. - nesse momento, em sonho, estávamos nos fundos da antiga casa dele. – meu ouro está aqui. - apontou para debaixo de um pé de Mufumbo.
Acordei assustado, fiquei imaginando se aquilo realmente era verdade, diz na lenda popular que a alma aparece três dias, para falar mais sobre o tesouro, a botija. Dito e feito, na outra noite, seu Toim apareceu novamente, o mesmo sonho, só que dessa vez ele acrescentou:
- Cuidado. Tenha fé em Deus, pois o Diabo virá lhe atentar.
Medo do Diabo, eu tenho, mas seria ótimo achar uma botija cheia de ouro. Não contei para ninguém, pois a lenda diz que se contarmos a alma não aparece mais. Na ultima noite, ele voltou, o sonho era o mesmo, só que dessa vez ele acrescentou:
- Você deve vir à meia-noite.
A idéia do ouro, da riqueza me dava mais coragem, quem viesse me atentar, teria que ser muito mais macho do que eu para me fazer perder essa bolada. Depois que a alma me apareceu à terceira vez, eu resolvi contar a história para o meu primo Airton. Resolvemos que iríamos tirar essa botija à meia-noite. Saímos de casa com uma pá, uma picareta e uma enxada. Chegamos à tapera onde um dia foi à casa do finado Toim, começamos logo o serviço, limpamos os matos do terreno onde pretendíamos fazer nosso buraco, tiramos o pé de Mufumbo do lugar e começamos a cavar, tirávamos a terra e o buraco que parecia nunca aumentar. De repente, ouvimos as moitas se mexendo, parecia que um boi estava passando ali por perto, continuamos o trabalho, mas o grito de uma coruja nos arrepiou. Airton cansou um pouco e eu continuei a cavar em seu lugar, de repente um uivo. Quase sai em disparada, mas Airton me lembrou da riqueza que tinha ali, sentei um pouco e meu primo continuou o trabalho, agora ele cavava e eu tirava a terra com a pá. Começamos a notar que sombras andavam pelas moitas próximas, ficamos assustados, poderiam ser ladrões que queriam roubar nosso ouro, foi quando comecei a ouvir uma gemedeira horrível, parecia um grupo de pessoas sentindo muita dor. Dessa vez, foi o meu primo que quis correr, mas eu lhe lembrei do ouro enterrado, lembrei-lhe também do que a alma tinha avisado que o tinhoso viria nos atentar e que teríamos que ser fortes para conseguirmos o nosso ouro.
De repente do buraco sai uma cobra enorme, ficamos nos perguntando de onde aquela cobra vinha, olhei para o lado e vi que estávamos quase que rodeados por aranhas, serpentes e de vários tipos de vermes, aquilo não poderia ser real. Continuamos a cavar, jogava a terra em cima dos insetos e eles pareciam sumir. Quando Airton se cansou e nós trocamos de lugar, senti que alguém ou alguma coisa me dava fortes empurrões, cheguei a cair dentro do buraco, Airton me ajudou a levantar, mas também foi empurrado e caiu. Nesse momento, em nossa frente apareceu um enorme bode com os olhos em chama, o bicho nos encarou e bufou, pude ver o vapor saindo de suas narinas, o cheiro de enxofre tomou conta do ambiente, olhei para Airton e gritei:
- Airton, corre. – e sai correndo muito assustado e ele fez o mesmo.
Ficamos assombrados, aquelas criaturas macabras felizmente não nos perseguiram, nós falhamos com a alma do meu finado tio-avô, mas nem tudo estava perdido, o buraco estava pelo menos na metade, eu iria voltar na noite seguinte. Airton, porém não quis voltar ficou com muito medo, resolvi ir sozinho. O buraco já estava quase no ouro.
Cheguei na noite seguinte com uma pá e uma picareta, comecei a cavar e também a ouvir os gemidos, dessa vez iria encontrar a botija antes que o bode aparecesse. Quando estava começando a me cansar, começo a ver alguma coisa dourada brilhar a luz da lua cheia, a ganância se apodera de mim, eu cavei como um louco. De repente, escuto ao longe um barulho como uma pequena explosão, a lua entra em uma nuvem e tudo fica no mais completo breu. Sinto que a pá tocou em alguma coisa, era a botija, eu tinha certeza.
Quando a luz a lua volta a clarear, desenterro a urna, minha botija finalmente, está em minhas mãos. Para meu espanto, noto que eu estou dentro do que um dia foi uma fossa, me sujo todo de merda, que porcaria, cavei, cavei e acabei dentro de uma maldita fossa, pelo menos eu tinha o meu tesouro, eu tinha a botija cheia de ouro nas mãos, era o que eu pensava, poderiam me cagar até cem vezes, foi a ganância que me fizera pensar assim, mas ao abrir a urna da botija, para meu espanto e para o meu pesar, dentro da urna ao invés de ouro só havia carvão.