Cinderela - Terror

As correntes apertadas contra a pele faziam com que sangue escorresse dos punhos e dos tornozelos. As veias roxas saltavam da pele como se algo dentro delas quisesse fugir. Os ossos das pernas e das costas absurdamente deslocados devido às contorções epiléticas. A infância de Cinderela fora uma tortura para si mesma e para sua família. Os pais se mataram depois de terem alcançado a insanidade que a filha lhes causou. Noite após noite, durante todos os anos de sua infância, a garota provocou ilusões perturbadoras nos pais, o que levou ao abandono da filha e ao suicídio. Já moça, e curada das perturbações sobrenaturais, passou a viver com a velha espírita, amiga da família, e suas duas adoráveis filhas.

Freqüentara colégio, igreja e foi a mais bela das garotas. Tinha nas mãos o rapaz que quisesse, mas á todos rejeitara. Sempre quieta e cabisbaixa, jamais teve amigos onde quer que fosse, nem mesmo suas duas irmãs de criação. As poucas vezes em que falava com as irmãs, era uma tentativa certeira de botar-lhes medo, ou então estaria castigando-as absurdamente sem motivo algum. Cinderela era má, e isso era claro em seu pérfido olhar.

O dia do baile de formatura se aproximava, uma semana, e Cinderela ficara trancada até o grande dia. Não saia de seu pequeno quarto para nada, e ninguém lá entrava. Era um cômodo minúsculo no subsolo da grande casa, ela escolhera ficar lá, disse gostar. Ficava incontáveis dias trancada, sem sair para comer ou beber. No início a mãe adotiva se preocupava, mas logo viu que de nada adiantava.

Fez ela mesma seu vestido, à mão. O mais belo traje, beleza como a dela, em seda azul. Como conseguira o vestido, as irmãs não souberam, mas sabiam que a roupa combinava perfeita com o tom de pele da moça e com o loiro fascinante que ela possuía. Sapatos de cristal! Como conseguira sapatos de cristal? Não se sabe, mas não importa, ficavam perfeitamente bem em seus pés pequenos, delicados e incomparáveis.

Velas acesas, abóboras estragadas e ratos mortos com muito sangue. Fora isso que a velha mãe viu quando entrou no quarto da moça, algo como um ritual satânico. Partiu em direção da garota, com suas grossas correntes, pronta para prendê-la como já fizera antes. A garota revidou o golpe, atirando a velha contra uma mesa com velas acesas. Antes de perder a consciência, jogada ao chão, só o que a velha pôde ver foi Cinderela dando batidas leves no vestido e se retirando do local, com seu olhar frio de sempre.

Escolhera, para seu par, o garoto mais forte do colégio. Precisava de um rapaz resistente e corajoso, de uma alma guerreira. E esse rapaz a queria, queria ter a garota mais bela e difícil. Comprou para ela a Orquídea azul mais bela, combinando graciosamente com o vestido e tudo mais na bela moça. Era o casal mais lindo, gracioso e surpreendente do baile. Jamais alguém imaginou o belo e popular rapaz junto com a bela e invisível garota. Todos estavam surpresos!

Dançaram por horas, não falaram com ninguém e não se separam. O rapaz parecia ter se apaixonado por Cinderela, e ela demonstrava sentir o mesmo. Pediu que ele fosse dela, e só dela, pela eternidade. E ele, cego de paixão, aceitou. Seria dela por toda a eternidade e demais ninguém, concordava ele dominado pela paixão.

O relógio começara a bater meia noite. Uma badalada após a outra, Cinderela correu para a saída do baile, apressada pelo jardim. O rapaz, sem entender, correu atrás dela, mas não a encontrou em lugar algum. Logo sua atenção foi tomada por uma luz, forte e brilhante na parte baixa do jardim. Era o sapatinho de cristal que brilhava forte e reluzente mesmo sem luz para iluminá-lo. Tomou o sapato em mãos enquanto o relógio batia a décima segunda badalada. Era meia noite!

Cinderela saiu de entre as árvores, diferente e parecendo cansada. Sua beleza parecia ter sido sugada, e seus olhos brilhavam em um vermelho ardente. Tomou o sapato de cristal das mãos do rapaz e, com sua voz doce e meiga, disse calmamente:

- O encanto acabou! Agora você é MEU por toda a eternidade.

Cravou o sapatinho de cristal no peito do rapaz que, sem revidar, morreu nos braços da moça aceitando ser dela para sempre. Cinderela limpou o sapato, as mãos, ajeitou o vestido com batidas leves e saiu carregando nos braços a alma do garoto.

Lucas Vosch
Enviado por Lucas Vosch em 16/10/2010
Reeditado em 16/10/2010
Código do texto: T2559533
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