fantasmas
Vamos esclarecer uma coisa, fantasmas não existem, certo? Voces dizem isto o tempo todo, portanto deve ser verdade, okay? Ótimo,muito bom mesmo, então, quem sabe voces me deixam em paz?Afinal de contas, esta é minha casa. Nasci aqui, vivi aqui, morri aqui, só que resolvi ficar, problema meu, não concorda? E, por que não? A casa estava vazia mesmo e eu, definitivamente, sem ter muito para fazer a não ser aquela coisa de atravessar paredes e um ou outro truque de fantasmas, e querem saber? estar morto pode ser muito, muito aborrecido...
Assim, ali estava eu, tranquilamente aproveitando minha morte, sem maiores preocupações, repetindo minhas rotinas e curtindo minha nova vida,por assim dizer, quando a maldita porta foi aberta e uma familia, e uma familia viva, para piorar as coisas, invadiu minha casa. Agora vamos ser honestos por um momento: Como voces se sentiriam, se, de repente, um bando de gente invadisse suas casas, todos sorridentes, dizendo coisas tais como:
- Nossa casa. É, tem alguma velharia para tirar, umas reforminhas para fazer,mas é nossa. Hum, olha só aquele quadro! Que coisa horrivel, acho que vai ser a primeira coisa a ir fora...
Nossa casa? Velharias? Reforminhas? Sejam francos, morto ou vivo, isto basta pra deixar a gente longe de feliz, não concordam?
Acho que teriamos aquilo que se convencionou chamar de conflito...
Os dias foram passando, e eles trazendo coisas pra minha casa, retirando as minhas, revirando tudo...um inferno. As vezes, eu trazia algo de volta, ou recolocava algo no lugar correto, e o que acontecia?
Era uma gritaria, coisas como:
- Oh meu Deus! O que está acontecendo aqui?
Eu estou acontecendo aqui! A casa é minha, os móveis são meus,eu gosto deles nos lugares que estão e pronto. Mas, eles entendiam? Claro que não. Quando resolveram retirar meu quadro da sala de estar,foi a gota d'agua. Decidi falar com eles. Foi, literalmente um horror. Se voce já ficou morto por mais de cinquenta anos e não tem cordas vocais,falar pode ser um problema. O som que eu consegui emitir foi algo entre um gemido e um rosnado. Eles olharam uns para os outros, pálidos, um tanto tremulos e gritaram:
- Oh Deus, a casa é assombrada...
Ou algo assim...
Era a guerra! Um homem, de carne ou não, deve defender seu lar.
A partir daí, eles abriam uma porta, eu fechava. Eles arrumavam uma cama,eu revirava tudo, eles ligavam alguma coisa, eu desligava...
Uma vez, até fiz meu rosto aparecer num espelho, mas até eu me assustei um pouco e não fiz mais, mas fui ficando muito bom com barulhos,assim eram passos pela minha casa a noite toda...ninguem dormia, todo mundo apavorado,mas eles iam embora? De jeito nenhum.
Um dia, apareceu uma sensitiva. Uma médium que dizia falar com os fantasmas (aqueles que não existem,lembram?), e que iria me mandar para a luz. Luz? Foi muito engraçado ver a pobre infeliz sair em lágrimas, correndo porta afora, depois de uma conversa com este que vos fala. A gente acaba cansando de ser bonzinho...
Depois apareceu um padre. Um padre? O que ele achava que poderia fazer? Rezar uma missa? Pra mim, que até coroinha fui? Esqueçe.
Se voces pararem um minuto pra pensar, são voces que nos assombram. Nós estamos aqui a muito mais tempo. Voces invadem nossos lares, mudam tudo,não nos respeitam, tentam nos expulsar e ainda dizem que não existimos.
Eu estou aqui, vou ficar aqui. è minha casa e não vou sair.
Ah, sim, uma sugestão: fantasmas não existem, deixem-nos em paz.