A Lua de Mel (Republicação)
Após uma longa espera de anos, finalmente Rita e Durval casaram-se. E toda essa espera não foi porque Durval tenha “enrolado” Rita, mas porque queriam um belo casamento e uma Lua de Mel para ser lembrada. Ambos de família humilde, não puderam contar muito com a ajuda dos pais, então por 5 anos juntaram dinheiro para o casamento e a Lua de Mel. Foi realmente uma festa memorável, Rita e Durval não se arrependeram, todo o esforço foi recompensado em apenas uma noite. Mas o melhor estava por vir, a Lua de Mel.
Apesar de ser comum muitos casais decidirem viajar para algum lugar distante, uma praia, um local frio nas áreas geladas, ou mesmo uma viagem ao exterior, Rita e Durval quiseram tudo isso de uma só vez! Morando na cidade de São Paulo, tinham todas as opções de praia, frio e passeios ecológicos sem precisar ir muito longe. Decidiram então que alugariam um bom carro, e passariam o mês inteiro viajando por vários lugares. Ambos programaram suas férias no mesmo período e assim fizeram um roteiro das principais cidades que queriam passar, mas como tudo era festa e alegria decidiram que no meio do caminho escolheriam outros locais para visitar, sem muito se preocupar em seguir um rígido roteiro detalhado dia a dia.
Iniciaram sua viajem na manhã seguinte após a festa do casamento, não muito cedo, afinal a noite anterior foi cansativa. Aproveitaram o calor e foram primeiramente para a praia, em Ubatuba, curtiram o mar as belas paisagens por 3 dias. A próxima etapa era voltar e subir as montanhas para as regiões frias. Assim fizeram, gostaram mais do frio, pois era muito mais romântico. Permaneceram 5 dias em Campos do Jordão. Não costumavam viajar durante as madrugadas e sempre paravam em algum hotel na estrada quando o sono chegava. Nem sempre era um bom local, mas suficiente para descansarem. De qualquer forma, estavam vivendo um sonho, e nem prestavam muita atenção se o local era feio, ou se era um “pulgueiro” como dizia Durval, apenas queriam viver aquele momento. Na penúltima noite em Campos do Jordão, estavam decidindo por onde iriam passar até chegar ao próximo destino.
- Durval, olha essa cidade. Só tem 10.000 habitantes, mas diz aqui que tem uma das melhores feiras de artesanato da região. Vamos dar uma olhada? – Sugeriu Rita olhando o guia.
- Claro meu amor, qual a distância?
- São 500Km.
- Um pouco longe, mas tudo bem. Amanhã vamos visitar mais alguns lugares aqui, e partimos no fim da tarde. Podemos parar e dormir na estrada e pela manhã chegamos até ai, teremos o dia todo para conhecer essa cidade. Caso não tenha nada nela, ainda teremos tempo para ir a outro lugar. Tudo bem assim?
- Está ótimo!
No dia seguinte visitaram todos os locais que queriam, e como eram muitos, acabaram deixando a cidade quando a noite já havia se instalado. Viajaram por algumas horas e logo o cansaço chegou, especialmente em Durval que seguia dirigindo. Haviam acordado cedo naquele dia, para conseguir ir a todos os lugares onde haviam planejado.
- Precisamos parar Rita, não agüento mais de sono.
- Tudo bem, mas não há nada aqui! Vamos ter que dormir no carro?!
- Bem, faz parte da aventura!
- Isso eu não planejei...
Descontente, Rita olhou adiante, e logo se alegrou.
- Olha! Algumas luzes lá na frente, deve ser alguma vila ou posto de parada.
- Estamos com sorte, vamos até lá.
Chegando até a origem das luzes, viram que era uma pequena cidade, tão pequena que era estranho chamar de cidade, pois havia apenas 3 ruas. Viram um homem sentado na beira da estrada e perguntaram:
- Moço, há algum hotel nesta cidade? – Perguntou Durval
Com um forte sotaque interiorano o homem respondeu.
- Olha seu moço, hoter nóis num tem não. Mais tem uns moter logo ali. Já que oceis são um casar, então penso eu que num tem probrema. – O homem sorriu maliciosamente, mostrando seus dentes muito mal cuidados.
Rita ficou desconcertada com o comentário totalmente desnecessário do homem. Durval agradeceu a informação e entrou na cidade.
- Não acredito que vou ter que dormir num motelzinho de quinta categoria! – Rita ainda estava inconformada.
- Tudo bem meu amor, melhor que no carro! – Durval tentava amenizar a situação.
Chegando ao local onde o homem havia indicado, viram 2 motéis. Ao chegar ao primeiro, para surpresa do casal, lhes foi informado que estava lotado.
- Como pode lotar num local como esse? – Durval estava surpreso.
- Ora querido, hoje é sábado à noite, motéis lotam neste dia. Só falta o outro estar lotado também!
Chegando ao próximo, havia vagas, inclusive uma suíte especial para lua de mel. Pretendiam apenas dormir, mas como era promoção, decidiram ir para a tal suíte especial. Ao entrarem no estacionamento, viram que o carro deles era o único. “Bem, para vir aqui este povo não precisa de carro mesmo.”, pensou Durval. Notaram pelo silêncio que o motel estava vazio, a falta de carros no estacionamento não era somente pelo fato da cidade ser pequena, como havia pensado Durval. Seguiram pelo estacionamento em formato de U e localizaram a vaga no fim no estacionamento. Os quartos ficavam imediatamente acima das vagas, cada quarto acima de sua vaga. Havia uma escada que descia em cada vaga, era a entrada do quarto.
- Uau! Bem melhor que esperávamos! – Durval se surpreendeu ao ver que o quarto era grande, viu a banheira, tudo muito organizado e aparentemente limpo.
- Devo reconhecer, estamos com sorte! – Rita andava pelo local, olhando os detalhes e a mobília, até notar algo que chamou sua atenção. – Parece que faz muito tempo que alguém não aparece aqui.
- Por que diz isso?
- Veja. – Rita apontou seu dedo para Durval.
- O que tem seu dedo?
- Não é o dedo! Veja, está cheio de pó, ficou assim depois que passei nesta cadeira. Ou seja, faz muito tempo que alguém não aparece aqui para limpar, e se o quarto está arrumado deste jeito, significa que ninguém se deu ao trabalho de tirar o pó!
- Bem, acho que não é tão bom assim. Mas dá para descansar. Vamos dormir temos que continuar nossa viagem amanhã.
Enquanto preparavam suas coisas, ouviram diversos passos e sons que pareciam vir do outro lado das paredes de madeira.
- O que é isso?! – Rita perguntou assustada.
- Calma querida, deve haver um corredor “secreto” entre os quartos, onde o pessoal do serviço deixa as coisas que você pedir. Imagina as coisas que eles ouvem ou vêem!
- Mas será que precisam fazer tanto barulho?!
Durval tentou explicar mais uma vez, sabia que sua jovem esposa era um tanto quanto assustada e sugestiva. Deitaram e logo adormeceram. As horas foram passando, mas o tranqüilo sono foi interrompido por um som de algo caindo. Somente Durval acordou.
“Mas que diabos é isso?!”. Durval levantou-se e procurou a origem do ruído que interrompera seu sono. Notou próximo a porta de saída uma cadeira caída, justamente a cadeira empoeirada. “Nem as cadeiras prestam por aqui?!”, Durval foi até o local e levantou a cadeira. Verificou se estava com alguma das pernas quebradas, mas parecia bem firme. “Estranho, será que algum funcionário tentou bisbilhotar alguma coisa e derrubou a cadeira?!”. Durval examinou a cadeira mais uma vez e não encontrando nada de estranho voltou a dormir.
Próximo ao amanhecer, novamente o estampido da cadeira caindo foi ouvido. E dessa vez não passou despercebido por Rita. Durval foi novamente olhar a cadeira, e a mesma tinha estava caída. Para não assustar Rita, ele disse que havia pendurado roupas na cadeira e que por isso ela tombou. Já acordada, Rita não conseguiu mais dormir e foi tomar banho. Durval aguardou na cama, tentando dormir mais um pouco, mas seu sono foi interrompido com um grito de Rita. Durval levantou-se assustado e com preocupação correu até o banheiro.
- O que aconteceu Rita?! – Perguntou, vendo que ela parecia bem assustada em meio ao vapor.
- Olha isso! – Disse Rita chorando e apontando para o espelho.
No espelho, após ser coberto com vapor, apareceu um nome escrito: “SELMA”.
- Está tudo bem meu anjo, só escreveram o nome com o dedo, veja! – Durval passou a mão no espelho e apagou o nome escrito.
Ao olhar novamente para Rita, viu que ela continuava apavorada e apontando para o nome. Durval virou novamente a cabeça para o espelho, e o nome apareceu de novo, o que ele havia limpado com a mão parece ter retornado em segundos. Tentou mais uma vez, e viu o nome se formar novamente. Não se dando por vencido, pegou a toalha e secou o espelho totalmente, ao retirar a toalha do espelho seus olhos contemplaram algo que fez lhe engolir seco e tremer de pavor. No espelho surgira a imagem de uma mulher, vestida de noiva e segurando um buquê de rosas murchas. Não só a aparência das rosas era tenebrosa, mas também na mulher que aparecia no espelho. Era extremamente pálida, com o vestido sujo e rasgado em muitas partes. O cabelo era claro, mas estava completamente despenteado, com um arranjo preso no alto da cabeça. Seu rosto estava melancólico, com olhar profundo, olhava para cima, percebia-se a terrível expressão de tristeza.
Durval ficara estático, não conseguia se mover ou dizer alguma coisa, nem os gritos de Rita o tiraram de seu choque. De súbito a imagem da mulher, que parecia estar há alguns metros de distância de dentro do espelho, surgiu bem mais próximo, tão próximo que via-se apenas de seu ombro até a cabeça. Neste momento, seu olhos direcionaram-se para os olhos de Durval que empalideceu completamente. Os dois se encararam por alguns instantes, e o rosto da mulher transformou-se. Sua boca abriu-se em proporções não humanas, os olhos surpreendentemente arregalados fizeram seus globos oculares caírem de sua orbitas, deixando um grande buraco negro no local. Da boca daquela Noiva um grito terrível e estridente machucava os ouvidos do casal. A cena aterradora fez com que Durval, num ímpeto de sobrevivência, desferisse um soco contra o espelho, que quebrou-se, contando-lhe a mão. A Noiva desaparecera. Durval tentou conter o sangramento da mão com a toalha.
- Vamos sair daqui! Rápido! - Durval apressava Rita enquanto segurava a toalha já vermelha com seu sangue.
Rita vestiu-se rapidamente, com o corpo ainda molhado. Correram para o quarto, e Durval notou que novamente a cadeira estava caída. Deixando tudo para trás, foram em direção a porta, mas para desespero do casal a porta estava trancada e não conseguiam abrir de forma alguma. Olharam em volta em busca de alguma janela. Só havia uma, mas embora fosse já manhã, nada conseguiam ver do lado de fora, pois tudo estava negro. Não se atreveram a ir pela janela.
- Socorro! - Rita gritava com toda a força de seus pulmões, mas parecia inútil.
Durval e Rita taparam os ouvidos, quando o estridente grito da Noiva do espelho ecoou novamente. O grito causou-lhes mais dores, tão intensa que ambos se jogaram na cama, tentando conter o som que penetrava-lhes o ouvido. Ao recobrarem a sanidade com o cessar do grito, olharam para cima, e no grande espelho redondo acima da cama, novamente a noiva apareceu. Com sua terrível aparência deformada, ela parecia mais furiosa agora, e começou a socar o espelho, pelo lado de dentro, onde se encontrava. O espelho agora balançava e a qualquer momento iria desabar sobre eles. Em um rápido movimento, Durval empurrou Rita, que caiu no chão, enquanto o espelho veio abaixo. O espelho quebrou-se sobre Durval, espalhando milhares de cacos para todos os lados.
- Durval! Não! - Rita retirou os pedaços do espelho quebrado de cima de Durval, que estava desacordado com um sangramento na cabeça.
Sem saber ao certo o que fazer, o como sair de lá, Rita preocupou-se somente com Durval naquele momento. Sua atenção foi desviada, quando a porta de entrada abriu-se com grande violência. Lá fora não se via nada, como na janela, tudo estava extremamente escuro. Uma rajada de vento soprou, fazendo seus longos cabelos esvoaçarem. De dentro da escuridão a noiva do espelho surgiu novamente, mas desta vez era real, o ser assustador do espelho, agora aparecia em carne e ossos, mostrando sua cavidades oculares vazias, um negro e profundo poço. Sua boca abria e fechava de forma estranha, e assim como da primeira vez, fazia-o além dos limites humanos, como se não houvessem ossos na face. A palidez era tamanha que a pele parecia congelada e rígida, e sua presença era mais notada pelo fétido odor que tomou conta do local.
- Meu noivo... - Sussurrou o monstro olhando para Durval e indo em direção a ele.
- Não! - Rita correu em direção a ela, imaginando que aquela criatura faria mal ao seu recém marido.
Quando Rita aproximou-se da Noiva do espelho, tentou empurrá-la, mas ela parecia um poste fixo no chão, e não se moveu, nem parecia que Rita tinha tentado removê-la do local. Ao entrar em contato com a pele da noiva, as mãos de Rita começaram a definhar, logo ficaram extremamente secas e magras, notava-se perfeitamente o contorno se suas falanges. Horrorizada, Rita tentou fugir, mas a Noiva movia-se como o vento e surgiu em sua frente, frustrando sua tentativa de fuga. Com violência, Rita foi golpeada no rosto com um tapa e caiu totalmente indefesa. A Noiva então segurou Rita pela mão esquerda, e delicadamente retirou-lhe a aliança com muita facilidade de seu dedo ressequido. Em outro ato violento, a Noiva lançou Rita para o outro lado do quarto que ao se chocar com a parede quase ficou desacordada.
Por um momento Rita aliviou-se ao ver que a atenção da Noiva não estava mais sobre ela. Como se estivesse num transe, a Noiva muito vagarosamente, colocou a aliança em seu dedo e admirava-a como se fosse algo de muito valor. Rita mais uma vez viu-se impotente, quando a Noiva foi em direção a Durval, queria fazer algo, mas não tinha forças. Durval foi pego pela mão, e começou a ser arrastado ainda desacordado. A Noiva encontrara seu par, e arrastou-o pela porta por onde entrara, e ambos adentraram a densa escuridão e não se podia vê-los mais.
- Durval!!! - Rita com todas as forças tentava se levantar.
Recuperando o fôlego e um pouco das energias, Rita decidiu ir até a porta e entrar naquela escuridão. Correu, e logo não se via nada, nem um palmo a frente. Olhou para trás, e a porta por onde passara não existia, estava em meio ao nada, em uma escuridão total. Vagando por uma direção qualquer tentava enxergar algo, quando ao longe viu um ponto de luz. Com as forças que restavam seguiu o ponto de luz. Quando se aproximou, notou que parecia ser uma janela que dava para algum outro quarto naquele motel. Tentou passar pela janela, mas havia uma barreira, com um vidro, mas muito transparente, ela via todo o quarto, mas não conseguia passar por essa janela. Enquanto tentava passar por ali viu que uma camareira entrou no quarto. Rita desesperadamente começou a gritar, pedindo ajuda, mas a camareira parecia não ouvir nada. Com um pano nas mão, a camareira aproximou-se de Rita, e limpava a janela ou o vidro entre elas, não notando que Rita estava bem ali na sua frente. Para espanto de Rita, a camareira começou a ajeitar o cabelo, e a olhar para a janela, como se fosse um espelho. Rita logo percebeu que era um espelho, e estava agora presa dentro dos espelhos.
A terrível Noiva encontrou seu noivo perdido, deixando mais uma noiva presa, sem seu par, dentro dos espelhos do motel. E o próximo casal que ficar neste quarto, não mais verá “SELMA” escrito no espelho, mas sim “RITA”.