"Querem Ver Espíritos? Então Vejam!" (Republicação)

- Muito inquietante as idéias do Sr. Johnson, não acha Paul? - Comentou Constance, após assistir a palestra de Robert Johnson, sobre os espíritos de pessoas que já faleceram.

- Sim minha cara, mas para mim, ele é apenas um aproveitador como tantos outros. Com essas idéias e uma boa lábia, é muito fácil tirar dinheiro das pessoas. Veja como muitos o rodeiam, inclusive alguns ricos, provavelmente vão financiá-lo, e ele viverá às custas das crenças que incutiu nestas pessoas.

- Ora meu irmão, você não é referência, nunca acreditou em nada!

- Não é verdade! Acredito sim, naquilo que vejo. O Sr. Johnson afirma ter conversado com espíritos, pois bem, se eu conversar também, serei convencido.

- Bem, eu acredito nele, vou acompanhar mais algumas reuniões e ver se ele é um homem de confiança.

- Tudo bem, mas, por favor, não se deixe enganar.

- Eu sei que você é o mais velho, mas não sou mais criança Paul. - Sorriu Constance.

Enquanto os irmãos conversavam, Johnson aproximou-se.

- Boa noite. Vejo que são novos por aqui. Muito prazer. - Cordialmente Johnson apresentou-se.

- Muito prazer. - Constance estendeu a mão e cumprimentou Johnson.

- Igualmente. - Paul sabendo ser educado, foi cortez da mesma maneira.

- Sr. Johnson. - Iniciou Constance - Quero aprender mais sobre sua doutrina.

- Não é minha doutrina senhorita, mas a dos espíritos. É o que eles vivem do outro lado.

Johnson não pode deixar de perceber a expressão de zombaria no rosto de Paul.

- Meu amigo Paul, parece que não acredita muito no que ouviu aqui, não é?

- Não me leve a mal Sr. Johnson, mas sou um pouco descrente, costumo crer no que posso ver ou sentir. O senhor disse conversar com os espíritos, se eu pudesse conversar também, eu acreditaria com certeza.

- Entendo seu ponto de vista. Entretanto os espíritos podem se comunicar com qualquer um, a questão é que poucos estão prontos para isso. E o mundo do outro lado é habitado por muitos espíritos, e como no nosso mundo, uns são bons e outros ruins. E talvez o senhor ainda não consiga discernir o bom espírito do mau espírito, e isto pode lhe fazer muito mal. Não se apresse em querer comunicar-se com eles, pois o senhor seria presa fácil para os espíritos maus.

As palavras de Johnson intrigaram Paul, que por natureza era curioso e investigativo. Ao mesmo tempo, pensou que poderia ter experiências com espíritos ou desmascarar de vez aquele homem que diz conversar com pessoas mortas.

- Muito bem Sr. Johnson, então acho que eu gostaria de aprender como discernir esses espíritos e comunicar-me com eles. - Respondeu Paul, com visível ceticismo.

- Ótimo, aguardo vocês nas reuniões. - Despediu-se Johnson, voltando para o grupo de pessoas que o aguardava.

- Não acredito que fez isso? - Constance indignou-se contra Paul.

- Achei que ficaria contente, vou vir às reuniões. - Justificou-se Paul.

- Você vai vir só para ver se encontra algum motivo para dizer que ele é um farsante, e depois ainda vai zombar de mim, dizendo que sou ingênua!

- Não diga isso irmãzinha! Quero saber de verdade. Mas é claro que se eu descobrir que ele não é verdadeiro, vou dizer que você é ingênua! - Paul riu de Constance.

Voltaram para casa, já era tarde. Seus pais não gostariam que Constance andasse pela rua a esta hora da noite, mas como estava acompanhada de seu irmão mais velho, não se importaram. Recolhendo-se para dormir, Paul estava refletindo em seu quarto sobre as palavras de Johnson, enquanto a fraca luz de vela formava uma sombra dançante na parede embalada pela leve brisa que entrava pela janela entreaberta. Concentrando-se na chama da vela, Paul continuou refletindo. Permaneceu por um bom tempo concentrado na chama, parecendo estar em transe, mas com a mente muito ativa. Mergulhado em seus pensamentos, foi interrompido.

- Paul... - Uma calma voz feminina foi ouvida, ao longe.

- Constance? - Paul despertou de seus pensamentos.

- Paul... - Mais uma vez a voz chamara.

- Mas que diabos é isso?

Paul levantou-se, olhou em volta, olhou pela janela, não viu nada. Voltou para cama, pensando estar louco. A voz cessou, e Paul adormeceu.

Alguns dias se passaram, Paul e Constance já haviam ido a duas reuniões do Sr. Jonhson. Paul não achara nada interessante até o momento, havia até esquecido daquela voz que chamara seu nome, pois como era descrente, achou que poderia ser qualquer coisa, exceto um espírito, como defenderia Johnson.

Na terceira reunião, Paul viu algo que chamou-lhe a atenção. Viu uma pequena estante com alguns livros, para uma pessoa comum não seria nada de mais, porém para Paul era muito atraente. Gostava muito de ler, e mantinha uma biblioteca particular em sua casa. Examinou os livros que havia lá. Alguns ele tinha, outros não lhe pareciam interessantes, até que encontrou um sem capa, não muito grande, mas o nome do livro estava na primeira folha, chamava-se "Contato com o outro mundo". Pelo que tinha aprendido até agora, entendeu logo que aquele livro falava sobre esses possíveis contatos com espíritos. Folheou rapidamente o livro e identificou algumas técnicas para invocar os espíritos. Não sabia se Johnson ensinaria algo daquele tipo, mas sua natureza impetuosa não o permitiu esperar. Paul não era ladrão ou desonesto, então apenas tomou o livro emprestado sem avisar, desta forma justificou seu pequeno furto. O livro facilmente foi escondido dentro do casaco de Paul, que apressou sua irmã para irem depressa para casa.

- Por que a pressa Paul? - Questionou Constance.

- Estou cansado, tenho negócios a fazer amanhã pela manhã, vamos.

Resignada, Constance acompanhou o irmão. No entanto, mal podia acompanhá-lo, seus largos passos eram demais para uma dama como ela. Percebendo o afobamento, Paul desculpou-se com Constance, e ambos andaram no mesmo ritmo, o que estava sendo uma tortura para Paul e sua curiosidade.

Chegando em casa, Paul não participou do jantar. Recolheu-se em seu quarto, e com avidez iniciou a leitura do curioso livro. O livro continha rituais e técnicas para conseguir favores dos que eram chamados "Espíritos Serviçais". Empolgado com o que vira, sem ler totalmente o livro, mas apenas os primeiros capítulos, resolveu testar aqueles rituais. Entoando algumas palavras do livro e concentrando-se no fogo aceso em uma vela, Paul logo sentiu que estava num estado alterado de consciência, e então veio uma voz, desta vez bem nítida.

- Paul... - A voz feminina que o chamou dias atrás veio novamente. - Paul...

- Sim, estou aqui! - Sem temer o oculto, Paul respondeu àquela voz doce. - Quem é você?

- Paul, sou apenas um espírito. Vivi aqui nesta casa há muito tempo atrás. - A figura de uma bela jovem materializou-se diante de Paul.

Esfregando os olhos para ver se era real, Paul tentava controlar o susto e a surpresa do momento, mas a figura angelical da moça não lhe transmitia medo.

- Estamos em todos os lugares Paul, nesta casa, na casa do Sr. Johnson, nas ruas, em todo lugar.

- E qual seu nome?

- Linda. E você me chamou Paul, o que deseja?

- Eu... Na verdade, eu só queria testar se o que tem neste livro é real.

- Ah sim, um curioso. O que você tem aí é real sim, estou aqui, você me chamou e eu apareci.

- Queria saber se o que o Sr. Johnson ensina é verdade. Parece que ele estava certo.

- Paul, o Sr. Johnson, de quem você furtou o livro, chamou espíritos também, e pediu que eles o ensinassem sobre nosso mundo.

- Então é verdade, qualquer um pode conversar com espíritos.

- Sim, basta aprender como fazê-lo, utilizando este livro que você tem nas mãos. Mas Paul, devo alertá-lo de algo.

- O que?

- O Sr. Johnson está sendo enganado...

- Enganado, como assim?

- Não se lembra que ele mesmo te disse que em nosso mundo há espíritos bons e maus?

- Sim, me lembro.

- Sr. Johnson está sendo ludibriado por nossos maus irmãos, e com isso irá enganar muitas outras pessoas. Sr. Johnson foi seduzido pela possibilidade de viver à custa de seus seguidores, embora ele acredite realmente que tem algo a ensinar. Mas os espíritos são sábios, por mais que o Sr. Johnson tenha boas intenções, um espírito sabe como manipular o sentimento das pessoas, e o fez desejar o dinheiro em seu inconsciente, embora ele acredite que está fazendo um bem.

- E o que podemos fazer?

- Se for seu desejo, podemos detê-lo... Preciso afastar o espírito que está sendo invocado pelo Sr. Johnson. Porém, para fazer isso, preciso da sua ajuda.

- Mas como eu posso ajudar?

- Vá para o próximo capítulo do livro.

Paul virou a página e leu o título: "Ritual de Possessão Voluntária", leu algumas linhas e perguntou.

- O que você quer com isso, quer possuir alguém? Você é um espírito, demônios é que tomam conta de pessoas!

- Meu ingênuo Paul, demônios não existem, não seja tolo. E podemos sim tomar corpos emprestados. E Paul... Eu preciso do seu corpo.

- Do meu? Como assim? - Assustou-se Paul.

- Calma, é só por alguns instantes, mas você precisa fazer isso voluntariamente.

- Acho melhor não...

- Não diga não! - De súbito, o rosto angelical da moça transformou-se em ira e sua voz alterou-se, e isto causou grande medo em Paul.

- Não me faça mal!

- Desculpe, desculpe! - Linda voltou a sua forma e voz normais - Nós espíritos também somos sujeitos a alguns sentimentos...

- O que deseja que eu faça? - Ainda assustado, Paul preferiu não contrariar.

- Siga o ritual que está ai.

Paul leu por completo o ritual, e chocou-se.

- Eu não posso fazer o que está aqui!

- Qual o problema?

- Aqui diz que eu devo matar uma pessoa! Beber seu sangue e proferir as palavras que aqui estão! Não posso matar uma pessoa!

- Eu sei que é difícil Paul, mas se você não fizer, não poderemos deter o Sr. Johnson, e ele fará o mesmo ritual, mais cedo ou mais tarde. Sua irmã corre grande risco, maus espíritos adoram sacrifícios de virgens.

- Não, Constance!

- Sim, Paul... Você tem fazer... Tem que fazer...

A doce voz de Linda penetrava no âmago de Paul, fazendo-o convencer-se de que tinha que realizar este sujo trabalho, estando já embriagado com a voz sedutora, cedeu ao pedido.

- Tudo bem, eu farei... Mas como farei?

- Conhece os Robinsons?

- Claro, o casal de idosos que vivem na próxima rua.

- Pois bem, precisamos do sangue do Sr. Robinson.

- O que??? Mas ele é um homem muito bom, um senhor de idade, não posso fazer isso!

- Paul, ele já é velho, já viveu muito, está doente. Faça um favor para ele! E bem melhor que ele se vá, do que sua irmã, uma jovem, com toda a vida pela frente.

E com este argumento, como se fosse cantado pela hipnotizadora voz, Linda convenceu Paul a tirar a vida do Sr. Robinson.

- Paul, todas as noites, o Sr. Robinson sai e vai caminhar no parque. Seu trabalho será muito fácil. Saia agora, escondido, vá ao parque. O parque estará vazio e escuro, leve o Sr. Robinson para algum local escondido e faça o ritual lá, corte-lhe o pescoço, beba um pouco do sangue e diga as palavras do ritual, volte para casa escondido novamente e aqui o encontrarei.

- Não posso...

- Ou ele ou sua irmã Constance! - A voz de Linda ficou séria.

Mais uma vez Paul foi convencido com esse argumento. Sorrateiramente saiu pela janela, e escondendo-se nas sombras e nos locais escuros chegou até o parque. Escondido entre árvores e arbustos, viu o Sr. Robinson na costumeira caminhada noturna. Hesitando muito, Paul acompanhou a caminha do idoso, decidindo se faria aquilo ou não. Paul não era muito bom para perseguir, fazia barulho, mas por sorte, a idade do Sr. Robinson também se refletira em sua audição, portanto ele mal percebia o que acontecia a sua volta e que a morte o espreitava. Paul então pensando em sua irmã, decidiu dos males o menor, matar Sr. Robinson. Sem muito pensar, para não desistir, agarrou o velho homem, que não ofereceu qualquer resistência, e levou para trás das árvores, onde não havia qualquer luz.

- Desculpe Sr. Robinson... - Paul sacou a faca.

- O que está fazendo meu filho? - Sr. Robinson tentava argumentar - Está maluco?

- Tenho que fazer!

A faca deslizou no pescoço enrugado, e o sangue encharcou a terra. Com lágrimas nos olhos, Paul bebeu um pouco daquele sangue, que o fez sentir náuseas. Proferiu as palavras do ritual, e rapidamente voltou para casa, entrando pela janela, tomando todo o cuidado para não ser visto.

- Muito bem meu caro, muito bem. - Saudou Linda, olhando as mãos de Paul, sujas de sangue. - Agora lave-se e descanse, e amanhã a noite, durante a reunião, iremos desmascarar o Sr. Johnson e salvar sua querida irmã.

A noite de sono para Paul não aconteceu. Não conseguiu dormir, lembrava-se do terrível ato que cometera. Sentia sua cabeça girar, seus sentidos estavam confusos, parecia que havia algo tentando dominá-lo, e de fato havia. Linda, a bela moça estava tomando conta de Paul, que voluntariamente permitiu.

Na manhã seguinte, a família reuniu-se para o café da manhã. Paul, que já não era mais Paul, reuniu-se juntamente a mesa, sua aparência ficou estranha, com olheiras e ar melancólico.

- O que foi meu filho? - Perguntou a mãe de Paul.

- Nada de mais. Apenas uma noite de sono ruim.

A família estranhou, Paul normalmente falador, estava calado. No entanto, aceitaram sua versão, apenas uma noite ruim.

Constance observou um movimento incomum na rua, parecia que algo havia acontecido. Saiu até sua porta e perguntou a um transeunte o motivo da agitação. Foi lhe dito então que haviam assassinado o casal Robinson. Estarrecida com o que ouvira, saiu para averiguar o ocorrido. Descobriu então que o Sr. Robinson foi assassinado no parque, com um corte no pescoço. E no mesmo instante, enquanto a Sra. Robinson estava sozinha em casa, ela também foi assassinada, da mesma maneira, com um corte no pescoço. Constance impressionada com o fato, voltou para casa, muito triste, orou pelo pobre casal de velhinhos.

A noite chegou, era a hora da reunião com o Sr. Johnson. Ainda consternada com a morte do casal, Constance acompanhou o irmão, que continuava calado e estranho. Chegando ao local, não se falava em outra coisa, a não ser sobre o assassinato ocorrido. Muitos queriam perguntar para o Sr. Johnson onde os Robinsons estariam agora, em que lugar do outro mundo. Quando todos se encontravam no pequeno salão, a reunião iniciou-se. Sr. Johnson estava estranho, com feição estranha, olheiras, parecia ter tido uma noite ruim também, falava pouco, não transmitia a mesma confiança como antes, pelo contrário, as pessoas estavam com medo dele.

Paul estava de cabeça baixa o tempo todo, parecia dormir. Porém, em um determinado momento, ele levantou-se ruidosamente, as pessoas notaram e olharam em sua direção. Paul saiu de onde estava, e caminhou lentamente em direção ao Sr. Johnson, que o encarava nos olhos, fixamente, pareciam dois cães se examinando, prontos para um combate iminente.

- Esta é minha área Xesbeth! Estes são meus! - Paul, mudando completamente sua face, parecia agora um demônio, com feições de ira, parecia um animal, só de olhar qualquer homem o temeria mais que tudo.

- Não seja egoísta Astaroth, há tolos para todos nós! - Da mesma forma que Paul, Sr. Johnson assumiu uma aparência monstruosa.

- Estes são meus!

- Ora, ora, eles me procuraram. Eles queriam ver espíritos, falar com espíritos e eu dei isso a eles. Eles não sabem que os mortos devem permanecer mortos.

- Estes são meus! - Com um grito infernal, Paul lançou-se sobre Sr. Johnson, como se voasse.

Tudo começou a tremer, as cadeiras moviam-se sozinhas, o moveis foram ao chão. As pessoas ficaram apavoradas, implantou-se um terrível pandemônio. As portas e janelas se trancaram, cerrando todos lá dentro. As pessoas observavam a luta entre os dois demônios, pois sim, perceberam que foram enganados por demônios. Sr. Johnson realizou o mesmo ritual que Paul, utilizando-se da Sra. Robinson. Eles lutavam com forças sobre humanas, toda a estrutura tremia, parecia um terremoto. As velas dos candelabros foram ao chão e o fogo iniciou-se, a fumaça tomou conta. O desespero das pessoas aumentou, muitos começaram a desmaiar por respirar a fumaça, o fim era certo.

- Hahahahahah! Querem ver espíritos? Então vejam! - Ouviu-se a voz do Sr. Johnson.

- Estes são meus! - Mais uma vez a voz Paul.

Estas foram provavelmente às últimas coisas que aquelas pessoas ouviram, o fogo alastrou-se, a tudo queimou. Cada pessoa ali sentiu o fogo na carne. Uma grande chama tomou conta de todo o local, e nem uma única alma sobreviveu, o fogo perdurou toda a madrugada, sem que ninguém conseguisse extingui-lo. O fogo interrompeu-se como um passe de mágica, há alguns que dizem ter visto duas grandes sombras saírem do fogaréu, e quando isto aconteceu o fogo parou, mas tudo já havia virado cinzas, nem se conseguia mais identificar as pessoas. Muitos disseram que foi a vingança dos Robinsons, que naquela noite, os mortos voltaram e se vingaram da cidade, porém todos estão errados...

LeoLopes
Enviado por LeoLopes em 11/10/2010
Reeditado em 11/10/2010
Código do texto: T2549652
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