Ladrão de Corpos - O indigente

Thomas era um jovem indolente, preguiçoso e inconsequente. Filho de um influente médico aposentado que sonhava em ter o filho na mesma honrosa profissão. Mas o seu filho era por demais incompetente, causando diversas frustrações por onde passou. E ele não se importava nem um pouco, com o fato do pai ter investido uma grande quantia para sua formação.

Quando Thomas não estava ´´estudando``, ele reservava o seu precioso tempo para estagiar no Museu de Anatomia da Universidade. Catalogava as peças, carinhosamente apelidadas de presuntinhos sem nome. Pois em sua grande maioria pertencia a indigentes, aqueles que não haviam sido identificados ou reclamados pela família. Depois de um longo período ele fora escalado para participar do processo de preparação dos corpos.

Certa noite, quando voltava de uma noitada regada a muito wiske e vodka. Dirigia a zigue-zague livremente pelas avenidas da cidade. Ao passar por um cruzamento, subitamente ele sentiu um violento choque contra algo que ele não conseguiu identificar. Avistou um monte escuro estendido no asfalto. Imediatamente desceu cambaleante e desnorteado, aproximou-se devagar do corpo que ali estava virado com a face para baixo. Aparentemente tratava-se de um morador de rua, a julgar pelas roupas encardidas, os cabelos grisalhos desengonçados e o leve odor de urina. Thomas jamais sentiu algo por este tipo de pessoa a não ser aversão, nojo e até mesmo preconceito. Para ele não passavam de cães sarnentos e vagabundos. Não havia culpa ou pena, apenas desprezo por aquele pobre homem. Ele ficou ali por alguns minutos divagando com os seus demônios e logo partiu, abandonando o corpo inerte esquecido no asfalto vertendo sangue.

O dia começara mal. O café não lhe cairá bem no estômago, fazendo subir um azedume amargo na boca. O carro falhou, então como não havia opção, o jovem foi para o trabalho de ônibus. Ter de ficar em uma lata velha, sendo encochado por diversas pessoas, sentindo o cheiro de desodorante vencido, definitivamente não lhe agradou. Mas uma surpresa ainda o aguardava, pois ao chegar no laboratório o seu desafeto de longa data, informou que ele ficaria responsável pela preparação do novo pacote.

Vestiu suas luvas e o avental, logo estava a caminho do laboratório. Ao entrar foi tomado por uma sensação estranha. Uma sensação inoportuna e desconfortável de receio ao ver o corpo estendido na bandeja de metal. O corpo completamente nu, exibia manchas escuras e hematomas, o rosto estava inchado e escurecido e da sua pele exalava um odor nauseabundo. Como se já estivesse há muito tempo em processo de decomposição. Thomas encarou o morto com repulsa e reconheceu alguns traços familiares. Desconfiado olhou o prontuário que dizia ser mais uma desafortunada vitima de atropelamento criminoso, que veio á falecer por conta de um traumatismo craniano. Isso explicava o sangue nas narinas, ouvidos e olhos do morto. Thomas guardava em silêncio o segredo da morte naquela noite, do qual ninguém saberia a não ser ele e o morto que estava a sua frente.

Mesmo com o aparente nervosismo ele começou a preparar os instrumentos necessários para cortar, catalogar e colocar tudo dentro de vidros cheios de formol. Olhava pelo canto dos olhos o corpo inerte do cadáver. Era uma visão desconcertante e pavorosa. E por um minuto ele teve a impressão de seus sentidos lhe pregavam uma peça, pois os dedos do cadáver se movimentavam lentamente a cada olhar. Thomas enxugou o suor da testa e acreditou que tudo não passara de um truque de sua própria mente. Mas não era, de fato não era.

Então ele raspou o cabelo seboso do defunto, pois ele sempre gostou que durante o processo o cérebro fosse retirado primeiro. O que para ele anatomicamente falando era uma obra de arte. Pegou a cerra circular e a ligou, mas súbito foi interrompido por um ruído estranho, quase um sussurro, que fez com que os lábios do morto se movessem vagarosamente. Seria quase imperceptível, se acaso Thomas não estivesse frente á frente com o cadáver. A boca pavorosa se abriu, exibindo a fileira de dentes podres. Os olhos de pupilas vazias exibiam um leve brilho esbranquiçado. A Mão do morto se ergue rapidamente e lhe agarrou o pescoço com tanta força, que ele imaginou que seu sangue iria explodir pelas órbitas oculares. Então imediatamente ele perdera a consciência, no momento em que sentia a sua alma ser sugada pelos olhos do próprio demônio.

Ele despertou, mas aparentemente não conseguia se mover. As imagens formavam-se desfocadas e confusas. Um rapaz de cabelos negros, o olhava atentamente segurando uma serra circular, possuía um sorriso estranhamente maléfico. Thomas tentou gritar, mas seus lábios não respondiam aos seus comandos. E o homem a frente que ele reconhecera como sua própria imagem disse;

- Eis aqui, apenas mais um indigente...

Fim

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Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 09/10/2010
Reeditado em 09/10/2010
Código do texto: T2546805
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