A estrada
Era uma estrada longa e reta, eu era incapaz de ver o seu fim. Não sabia para onde ela ia, mas mesmo assim caminhei. Várias outras ruas saiam dela em direção ao infinito, mas eu persistia em continuar nela, talvez fosse meu destino percorrê-la toda antes de mudar de rota. Enquanto eu caminhava podia perceber que vez ou outra, vultos apareciam nas margens da estrada, inicialmente eu os via de relance, quando fixava os olhos neles desapareciam. Alguns eram completamente estranhos para mim, porém outros eu reconhecia. Tentavam falar comigo, mas eu os evitava, tinham semblantes medonhos, uma expressão de horror e tristeza na face.
O tempo parecia não existir naquele lugar, logo não podia calcular a quanto tempo eu estava caminhando. Vi meu pai e minha mãe em um canto, próximos a uma bifurcação, tinham uma aparência serena e me fitavam com ternura, corri para falar com eles, mas quando me aproximei percebi que não passavam de espectros demoníacos simulando meus entes queridos, afastei horrorizado com a face destorcida que apresentavam de perto, olhos profundos e uma boca enorme. Persistiam em me chamar para fora da estrada, mas eu não fui, por alguma razão todas aquelas imagens à margem da estrada queriam que eu me desviasse dela, mas eu sentia que se eu cedesse e afastasse da rota traçada eu ficaria como elas, à margem daquela estrada, perdido para sempre em uma estrada secundária.
Que estrada era aquela? Eu não sabia, mas o aspecto onírico daquele lugar me fazia crer que estava sonhando, contudo eu não ousava abandonar o caminho traçado. Vacilei várias vezes, pois aqueles que me chamavam a abandonar minha rota eram pessoas muito queridas. Depois de meus pais vieram meus irmãos e irmãs, minha esposa, e por último meus filhos, mas a cada vez que essas imagens translúcidas apareciam estavam mais cadavéricas e assustadoras, atormentando minha mente confusa, repelindo-me ao invés de atrair-me. Tentavam falar, mas eu não ouvia, me estendiam a mão, mas eu não segurava.
Vi ao longe uma pequena colina ao final da estrada, no topo uma árvore frondosa, cada vez mais meu espírito se acovardava, pensei em voltar, mas para trás não havia nada, aquela estrada só permitia avançar, nunca retroceder. Ou eu prosseguia ou me juntava aos espectros horrendos que clamavam minha companhia, a essa altura já não mais os reconhecia, eram seres horrendos, completamente estranhos a mim, um reflexo deformado do que outrora foram humanos.
Apressei meu passo até alcançar a colina, era bonita, toda gramada e a copa da árvore que estava em seu topo projetava sua sombra em toda a colina. Aos pés da árvore uma cova aberta, em uma das pontas uma lápide, e foi com horror que li uma inscrição com meu nome naquela pedra funesta.
Em meu sonho macabro percorri a estrada de minha vida em direção a minha própria morte, mas eu não entraria ali, não me submeteria de bom grado a meu próprio enterro, eu tinha de acordar. Olhei ao redor em busca de outra estrada, mas deparei-me com uma multidão de espectros, todos que havia deparado em minha marcha passiva em direção aquela ponto estavam lá. Caminhavam lentamente, como um cortejo fúnebre, suas faces deformadas e mórbidas me causavam mais temor que meu túmulo.
Pude ouvir finalmente suas vozes, mas todos falavam ao mesmo tempo numa cacofonia ininteligível. Seus braços estavam estendidos, como demônios clamando por minha alma eles avançavam. Preferi a sepultura à passar a vida naquela estrada desolada, como um espectro sedento por atenção, logo deixei meu corpo cair de costas na cova preparada para receber meu corpo, aquelas coisas me encaravam desoladas tentando me segurar sem sucesso.
Ao bater no fundo da cova meus olhos se fecharam e abriram num átimo, estava deitado de costas no chão da minha sala, uma multidão de pessoas me rodeavam falando ao mesmo tempo, na parede ao lado uma faixa me desejava feliz aniversário, dois paramédicos tentavam me reanimar, eles gritavam para as pessoas se afastarem, eu percorri lentamente o olho pela multidão, meus entes queridos estavam todos lá, algumas pessoas eu conhecia e outras não, não consegui mais manter os olhos abertos. Quando os fechei de vez pude distinguir apenas duas palavras em meio ao turbilhão de vozes: “perdemos ele”.