A velha Casa

A Velha Casa

por Giomar Rodrigues

Há muitos anos atrás havia um garoto chamado Richard Mullen, que vivia em uma remota cidadezinha da Alemanha. Ele era um garoto normal e saudável com uma imaginação muito fértil para um jovem de 12 anos solitário. A falta de companhia lhe proporcionava a capacidade de criar suas próprias brincadeiras infantis.

Em um rigoroso inverno alemão, contrariando seus pais, fugiu de casa e partiu para uma mata pouco distante de sua casa para brincar de caçar animais selvagens com um simples graveto como arma. Mas durante seu percurso acabou se perdendo dentro da mata e não sabia o que fazer ou para onde ir. Nesse instante percebeu que sua presença era notada por um grandioso corvo com olhos reluzentes que o fuzilavam, a ave não fez cortesia alguma e de imediato falou:

Garotinho, sou um espirito da mata. Não tenha medo, se estiver perdido siga-me que lhe ajudarei a chegar em casa são e salvo! - disse o corvo para o espanto do garoto.

P-por fa-favor senhor corvo me ajude e-estou perdido! - Choramingava Richard em meio a soluços causados pelo medo.

Pois então apenas siga-me! - retrucou a negra ave.

E em meio a gigantescas árvores e sombrias estrelas o jovem andou por minutos que pareceram horas inacabáveis até encontrar, escondida atrás de uma grande cerca, uma velha casa. Não era uma simples casa velha, tinha a aparência muito sinistra e malévola como os olhos azuis do demônio. Suas portas e janelas estavam todas podres ou destruídas pelo tempo, no telhado da casa, erguido como um mastro onipotente, estava plantada uma chaminé muito empoeirada. No quintal e próximo da porta de entrada haviam centenas de ossos com proporções assustadoras, alguns eram minúsculos e outros anormais para serem de simples animais. A casa toda estada envolta em um imenso circulo negro que abrangia toda a residencia de forma inquietante, lá não havia sinal algum de plantas ou sequer sinal de belas flores. Isso tudo tornou Richard boquiaberto, nunca em seus mais terríveis pesadelos teria imaginados tamanha desgraça em uma única fachada.

Knock, Knock... - esse foi o som que o bico do corvo fez ao bater na porta que tremia ao simples toque da leve batida.

Um silencio tomou conta de todo o local e permaneceu durante alguns segundos, depois o garoto ouviu nitidamente o som de passos lentos em um apodrecido assolho de madeira, o som vinha do interior da casa, foram tornando-se cada vez mais altos até ficarem quase ensurdecedores e em seguida silenciarem, nisso ouviu se o ranger do metal enferrujado das dobradiças da porta arranhando sofridamente a madeira, neste momento a porta se abriu.

A figura que apareceu diante da criança e do corvo era grotesca, vestia roupas antigas e rasgadas, tinha as mãos enormes e as unhas compridas ou quebradas, os pés descalços e sujos. Seus cabelos eram grisalhos e despenteados, o nariz era curvado com uma protuberante verruga na parte inferior, seus olhos eram de duas cores, um deles castanho escuro e o outro era quase totalmente branco, o que deveria ser um claro sinal de uma doença da visão ou completa cegueira do mesmo. Mas sem sombra de dúvida era sua boca que mais apavorava, era muito grande com dentes cariados e com forma de afiadas setas, tudo isso envolto em lábios tingidos de batom vermelho de maneira incorreta. A velha senhora deu dois passos a frente como se tropeçasse nos próprios pés e sorriu rapidamente fazendo com que mais rugas surgissem em sua fronte.

Ora vejam só... um menininho perdido novamente, terei prazer em ajudá-lo a voltar para casa. Mas antes deve estar bem alimentado. - disse a horrenda velha que tinha uma voz sutil e alegre apesar da maltratada aparência.

S-só desejo voltar para minha casa o m-mais rápido possível. - disse Richard.

Pois então entre e logo seus pais viram buscá-lo! - garantiu a velha sorrindo.

Está bem, vou esperar um pouco por eles. - resmungou o garoto de cabeça baixa com um pouco mais de confiança, enquanto adentrava a arruinada morada antiga.

Subitamente a velha piscou o olho cego para a negra ave que espiava das trevas e lambeu os próprios lábios estragando ainda mais seu batom. No mesmo momento o corvo sussurrou algo quase que inaudível para uma pessoa, mas soou como se dissesse: “nunca mais”.

Quando entrou na estranha casa, percebeu de imediato que ali naquele local esquecido pelo misericordioso senhor Deus, estava aprisionada toda a desgraça que não era há séculos vista pelo resto da humanidade, mas agora estava sendo prestigiada pela visão inocente de uma simplória criança, talvez até maculando sua mente.

Era uma construção ainda mais horripilante em seu interior do que do lado de fora. As paredes estavam repletas de imponentes teias de aranha e algumas ainda continham insetos presos que ainda implorando por misericórdia ou ansiavam pelo fim de suas vidas. As paredes dos mal iluminados corredores continham quadros recheados de imagens incompreensíveis, eram repletos de desenhos de dragões e leões com coroas digladiando-se em cavernas outros podiam ser mais perturbadores, onde podia-se ver crianças deformadas arrancando as entranhas umas das outras, sorrindo enquanto no alto o sol e a lua uniam-se como se fossem um malsucedido quebra-cabeça. Mas o pior ainda estava por vir, pois logo em seguida o garoto e sua calada anfitriã chegaram ao local que certamente era o destino de todo o nebuloso percurso que parecia infindável até ali, estavam agora todos diante da sombria cozinha. Um lugar pouco iluminado pelas velas que cercavam o nefasto ambiente que cheirava a peixe velho, que mais parecia o antro do próprio anticristo. Bem ao centro da sala havia um enorme caldeirão alimentado por um pequeno fogo que ardia silencioso como a morte, e logo em seguida podia-se notar uma grande quantidade de frascos e potes estranhamente iluminados, porém aparentemente vazios, enquanto outros eram repletos de pequenos animais mortos recentemente ou em avançado estágio de decomposição. A mesa imunda que ficava próxima do caldeirão estava lotada de livros que pareciam mais velhos que a própria senhora, onde neles podiam ser vistos, mesmo de longe, os mais diferentes círculos, que mais pareciam cálculos do que simples desenhos. De imediato a velha abriu um empoeirado armário onde avidamente buscava algo em seu interior, enquanto Richard observava atentamente os livros que jaziam sobre a mesa. Ficou tão intrigado com aqueles livros que deixou de notar que agora a sala não estava mais tão silenciosa. Haviam sussurros que pareciam ter simplesmente brotado do ar, contudo quando olhou ao seu redor notou a presença de mais três pequenas crianças com aproximadamente 10 ou 11 anos de idade, estavam vestindo apenas trapos, todas eram extremamente corcundas e com olhos totalmente negros, eles sorriam de forma ameaçadora para o jovem perdido. Mas quando a velha encontrou o que buscava e viu a cena a sua frente, sua expressão mudou completamente, seu rosto animado de quem encontra algo a tempos perdido mudou drasticamente para uma expressão deformada pelo ódio, como se o próprio satanás estivesse agora de posse de seu corpo. Em seguida com a mão ameaçou bater nas crianças e gritou em um dialeto desconhecido, algo incompreensível, apontando para o chão várias vezes. Como alguém que foge do diabo, as crianças rapidamente entraram em um camuflado alçapão ao lado do armário de costas para a mesa, onde permaneciam espiando com seus olhos vazios o garoto. Richard continuava a não entender nada que estava acontecendo e mantinha-se petrificado de medo.

Espero que meus filhos não tenham lhe assustado, eles são meus ajudantes e sofrem de uma rara doença que faz com que seus olhos fiquem negros e não possam falar nada além de grunhidos. Mas são todos bons garotos. - explicou a velha com um olhar onde podia-se ler a clara mentira.

Está escuro aqui e já é tarde da noite... somente desejo encontrar o caminho de casa... - choramingava Richard em meio a copiosos soluços.

Não se preocupe garotinho, seus pais chegarão em poucos minutos enquanto eles não tardam a chegar coma uma das minhas sobremesas... - disse a velha senhora estendendo um pequeno prato com algo que parecia ser um tipo de pudim ou mousse de chocolate.

É de chocolate? - perguntou o garoto com os olhos vidrados na guloseima enquanto a velha acenava com a cabeça em sinal de comprovação.

Richard lentamente levou um pedaço do pudim a boca, fazendo surgir uma sensação ainda mais doce que a guloseima em seus lábios, todavia não tinha sinal ou gosto algum de ser feito de chocolate, porém talvez fosse ainda melhor, o que não o impediu de parar de comer ou de questionar sobre sua origem. Quando restavam apenas restos do pudim em seu prato notou que havia algo que parecia se mexer no interior de sua boca escapando por entre os lambuzados lábios, com a mão esquerda foi de encontro a boca retirando uma pequena minhoca ainda viva. Pensou em gritar e arremessá-la para o mais longe possível, mas não conseguiu, sua mãos estavam trêmulas e sua visão fica cada vez mais turva, até que não podendo colocar os pensamentos em ordem desmaiou indo de encontro ao chão gélido da cozinha.

Tudo ficou escuro por alguns minutos até despertar novamente, de início notou apenas vultos simiescos à sua volta, quando tudo ficou mais claro notou que estava em cima da mesa sendo segurado pelos braços por duas daquelas sinistras crianças enquanto a velha retirava do caldeirão um grande pote com ervas envelhecidas pelo vapor. Richard podia movimentar os olhos ou a cabeça, seus outros membros permaneciam imóveis, até sua boca não podia sequer se mover, impedindo de gritar, fazendo com que os mesmos gritos fossem ouvidos apenas em sua mente. Em seguida viu a outra criança na diagonal da mesa, onde capturava uma grande aranha em sua teia usando as duas mãos enquanto se aproximava da cabeça do garoto que agora tinha os olhos afogados em suas próprias lágrimas. Quando o corcunda se aproximou de Richard, ficando pouco acima de sua cabeça, levou a aranha à boca e mastigando-a lentamente deixou uma gota do sangue verde escorrer entre os lábios e cair entre os olhos do prisioneiro, imediatamente causando uma pequena queimadura, apesar de todo o resto do corpo estar sentindo uma profunda sensação de frio. Logo em seguida o terceiro menino prendeu a cabeça de Richard de encontro à mesa com as mãos, todavia seus olhos se moviam o suficiente para ver a velha se aproximar dele e rasgar com um pequeno punhal sua camisa, ficando exposto seu ventre, onde agora com um pincel mergulhado em um tinteiro de sangue, fazia símbolos diabólicos seguidos por um entoar de cantos macabros de tempos ainda desconhecidos. Nesse momento a velha cravou o punhal em um ponto demarcado acima do umbigo da criança e tudo ficou silencioso por alguns segundos, Richard estranhamente não sentia dor alguma e isso deixa-o completamente assustado. Seus olhos já estavam indo de encontro com o infinito para desmaiar novamente quando de imediato notou no teto inscrições feitas em vermelho sangue giravam de forma quase ilusória, fazendo surgir de seu interior uma grande mão demoníaca que parecia cair sobre ele como a noite cobre o dia, até que desmaiou no exato instante em que podia ouvir o riso cínico da velha antes de tudo ficar obscuro novamente.

Acordou sentindo que tinha fechado os olhos por apenas alguns segundos, porém talvez dias tivessem transcorrido em silêncio em sua visita ao vazio dos sonhos, então percebeu que estava presenciando o mesmo ritual por que havia passado, mas dessa vez quem se encontrava presa a mesa era uma linda menina loira que tentava gritar enquanto uma negra mão a cobria com seus dedos enormes, fazendo com que seu corpo desfalecesse em seguida e tudo tornasse a ficar em silencio enquanto a velha agora tornava-se cada vez mais jovem adotando uma aparência bela apenas maculada pelo sinistro sorriso gravado em seus lábios enquanto observava-se refletida em um pequeno espelho que segurava com uma das mãos que ainda permanecia enrugada.

No exato momento seguinte, Richard notou que não estava mais em seu corpo, quando uma das crianças deformadas, espiava um dos potes em que o garoto agora habitava, refletindo-se diminuto em olhos que agora não mais pertenciam-no, tudo isso sendo ocultado pela visita do corvo que da janela também observava, sussurrando agora mais nitidamente, como se ninguém fosse ouvi-lo dizer: “NUNCA MAIS”, todavia os olhos negros do animal permaneciam sobre a velha que ocupava-se com o esquartejamento do cadáver da menina, enquanto seus ajudantes ensacavam os pedaços com uma cantoria diabólica que podia ser ouvida em uníssono na eterna lembrança do menino que jazia em sua silenciosa sepultura de vidro.

FIM

Giomar Rodrigues
Enviado por Giomar Rodrigues em 25/09/2010
Reeditado em 28/09/2010
Código do texto: T2519751
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