O passageiro do Carandiru.
 
Muito antes de vir abaixo o velho monumento a miséria humana, o Complexo Prisional do Carandiru, contam que almas penadas vagueavam durantes as madrugadas a procura de perdão, de rezas e muitas vezes, algo mais...
O interbairros marrom de numero 666 aproximou-se do portão lateral do complexo, e como fazia toda a madrugada, parou no ponto.
Um farrapo humano, protegido pelo manto da noite entrou no coletivo e foi para as ultimas poltronas, ao fundo.
As mão tremulas do motorista, dançavam nervosas no volante, e vez ou outra ele buscava rapidamente a parte mais iluminada da rua, fugindo da sombra das árvores.
Era uma noite atípica de sexta para sábado, mas naquelas horas que antecediam o termino da balada era assim, silenciosas e extremamente perigosas, pois naquelas horas mortas é que os massacres aconteciam sob a bruma instransponível dos becos escuros e das estradas sinistras da periferia.
6 km separavam Deoclides da garagem de sua empresa, e ainda tinha 2 favelas para ultrapassar.
Em voz baixa ele rezava a cada vez que lembrava o amuleto embaixo da blusa.
Não adiantaria, tirá-lo fora da blusa, arrancá-lo da corrente e jogar pra longe, o que conheciam era ele, o seu rosto, a sua enorme cicatriz no pescoço, e a sua voz, rouca como um trovão, e não o amuleto “Rei do fumo”, presente de um figurão.
Já imagina, que aquele que entrou e foi lá para trás, era um bandido e como sempre imaginava que aquele era seu ultimo dia, pois a muito não usava mais arma e num ataque morreria com certeza, então porque rezava todo o tempo?
Sucederam-se as estações e a cada parada, Deoclides via um passageiro entrar e ir para o fundo do coletivo, o nervosismo de Deoclides fabricava o terror.
Há 15 anos quando ele havia deixado 10 anos de submundo fora da lei, jurou a si mesmo nunca mais voltar para o crime, mas o criminoso sente o cheiro da tragédia se aproximando.
Não via, mas lá atrás sob a escuridão ele sentia massagearem o ego da morte, planejando, planejando o extermínio de alguém...
Deoclides olhava o retrovisor de dentro e só via a escuridão e vez ou outra um clarão quando passava ao alcance da luz de algum poste.
O retrovisor de fora, mostrava a madrugada vazia sendo engolida a cada kilometro percorrido.
Com as mãos suadas, sentia as dificuldades em avançar, pois as barricadas levantadas pelos marginais contra a policia multiplicavam-se, mas ao invés de gente para dar vida ao lugar, corpos despedaçados a bala, e um silencio mortal.
Deoclides esticou a mão embaixo da poltrona e pegou um saquinho plástico, em outros tempos tiraria boa quantidade de pó e cheiraria, hoje apenas 3 ou 4 comprimidos para controlar a sua esquizofrenia, latente nestas horas de pânico.
Na ultima parada antes de trafegar 2 km até o ponto final, ouviu barulhos estranhos onde havia silencio atrás do ônibus.
 Um corte fundo na estrada e uma aclive desencadearam uma abominável loucura em Deoclides, que segurava o volante como o pescoço de alguém...
Por duas ou três vezes ouviu afiarem punhais e seus olhos arregalaram, rapidamente olhava para trás e balbuciava palavras sem nexo diminuiu a marcha, imaginando que os passageiros vinham para frente, mas a morte parecia ter escolhido o seu recanto, para dali volver o motorista ao verdadeiro inverno, era o que a mente deturpada e miseravelmente doentia de Deoclides imaginava.
A 1 km da sua garagem, já podia se visualizar as luzes azuis da entrada.
500 metros de descida que ele não via, luzes azuis que ele não via.
A 140 km por hora, como um bólido ele passou na frente do estacionamento, levando o coletivo a prensar no meio de dois vagões em movimento, da rede férrea mais abaixo.
Uma violenta explosão reduziu a escombros o coletivo, carbonizando tudo que nele existia...
Mais tarde o corpo de Deoclides foi retirado do que sobrou do coletivo, e nada mais havia de restos humanos entre as ferragens...

Malgaxe 

 
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 21/09/2010
Reeditado em 21/09/2010
Código do texto: T2512180
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