Valerie

Era um meio de mês, o banco em que Eunice trabalhava estava praticamente vazio, o som dos automóveis na rua era audível, e podia-se ouvir uma mosca dentro do salão do banco, em frente aos caixas.
A mesa da Subgerente Eunice ficava a uns 10 metros dos caixas atrás de umas plantas, mas era perceptível quando as pessoas aproximavam-se dos caixas e também eventualmente de sua mesa.
Havia já algum tempo que aquela senhora vinha e sentava em uma das poltronas reservadas a quem esperava para ser atendido nos caixas.
Era uma senhora esguia, alta, com um olhar circundado de olheiras, que eram marcantes em sua pele alva.
Já se tornara habitual a imagem na diagonal da mesa de Eunice.
Não pensara Eunice, em nada a respeito daquela mulher, pois a via e depois desviava o olhar para atender alguém em sua mesa. E sempre acontecia isso.
Ela não via o olhar marcial da mulher em sua figura, até o dia em que a mulher por 5 minutos não desviou dela o olhar misterioso.
Depois levantou da poltrona e desapareceu atrás de uma parede em direção a porta giratória do banco, e após apenas uma silhueta branca, viu Eunice desaparecer lá na rua.
Era intrigante e ao mesmo tempo curioso o olhar que agora já mexia um pouco com Eunice.
Mas como aproximar-se de alguém que não conhecia?
O carmim era marcante nos lábios da desconhecida, o vestido apesar de sóbrio tinha algo de estranho,
mas Eunice não era uma mulher de vestir-se de acordo com a moda e também não acompanhava as ultimas tendências, e quem sabe aquela mulher não estava vestindo-se de acordo com a moda?
Em todas as vezes que a mulher vinha ao banco, a olhava e ia embora, deixava em Eunice um sentimento de que lhe faltou ter dito algo, tanto dela para a mulher, como da mulher para ela.
Não era perturbador, mas dia a dia a ansiedade em saber quem era a estranha levava Eunice a ímpetos de levantar de sua mesa e ir até ela, e como se soubesse disso, logo depois a mulher levantava e ia embora.
Pelo menos duas ou três vezes a mulher aproximou da frente de vidro do banco, olhou o interior e não entrou, mas durante minutos olhou tristemente Eunice, aliás, algo na mulher que Eunice só notou depois de muito tempo, leves sinais de tristeza.
Fez-se uma pausa de 2 semanas nas visitas da mulher ao banco.
E também, Eunice tirou uma semana e meia de folga, e neste meio tempo ajudou o marido na contabilidade de seu negocio.
Paulo, seu marido trabalhava em sua indústria e também com vendas.
Os negócios iam muito bem, a matéria prima tornara-se abundante e Paulo já exportava a sua mercadoria para a Europa.
Depois do tempo de descanso Eunice voltava ao trabalho disposta e feliz.
No segundo dia em que estava no banco, a mesma antiga visão postou-se diante do seu olhar, Eunice, ficou de pé atrás da sua mesa, preparando-se para ir até a mulher...
Mas inexplicavelmente a mulher levantou-se e principiaram os passos em direção a mesa de Eunice, vendo o movimento da mulher Eunice sentou, seu coração disparou, ela esticou o braço e segurou firme o copo de água em cima da mesa e entornou de um só gole.
A uns 2 metros da mesa a mulher parou, Eunice pode então ver que aqueles traços não lhe eram estranhos, mas nada era familiar naquele rosto, já vira em revistas antigas rostos iguais, em fotos de sua mãe quando moça, mas o sorriso era angelical, e o olhar de uma doçura profunda.
A mulher deitou levemente a cabeça de lado e assim sorrindo, lhe disse bom dia.
Eunice respondeu e lhe convidou a sentar, a mulher simpática lhe disse:
___Que lindo vestido, trouxe da capital?
___Não senhora, foi feito aqui mesmo.
Iniciou-se um diálogo como se fossem duas velhas amigas.
Ao final de meia hora de conversa, ficou encoberta a curiosidade de Eunice, pois somente o nome da mulher pode saber Valerie de Souberg.
Mais tarde, deitada em seu sofá, a tarde enquanto aguardava o marido, Eunice reviveu através da lembrança a visita da misteriosa mulher:
Por várias vezes a mulher tocou nas costuras de seu vestido, na bainha, num cinto feito de pano, e nos botões, estes especialmente achando-os lindos, e dispensando minutos a perguntar onde os havia adquirido.
Depois daquele episódio, Eunice trabalhou mais 1 ano no banco e de vez em quando via a mulher, mas nunca mais conversou com ela.
Uma doença misteriosa lhe levou Paulo, ela então aposentada do banco, continuou os trabalhos do marido.
A parte operacional estava a cargo de um funcionário de confiança, ela fazia a parte burocrática e de logística.
Numa manhã olhando velhos arquivos de papeis, encontrou velhas anotações, e muitas delas com o endereço do cemitério antigo.
Chamou-lhe a atenção o fato, mas silenciou.
No dia dos mortos, sentara num tumulo em frente ao mausoléu da sua família...
A foto de seu marido, o morto mais recente, e em suas mãos juntas, dezenas de botões, o produto de sua empresa.
Eunice emocionada chorava, enquanto passava o lenço nos olhos. Por entre dois mausoléus, uma senhora a olhava tristemente, para logo depois sumir atrás do brilho do sol.
Ficou em pé, e lentamente girou o corpo para ver quem lhe cedeu o tumulo para que ficasse sentada, enquanto olhava o mausoléu...
Olhando para ela de lado, exatamente com a mesma roupa da ultima visita ao banco, Valerie lhe sorria numa foto no tumulo, trazendo na mão dois botões como os seus... Feitos de ossos.
Eunice, vacilante, levantou a mão e passou-as nos botões e estremeceu, eram presentes especiais de Paulo.
 
Malgaxe

 
 
 
 
 
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 21/09/2010
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