O Cigano
No interior do Ceará, há mais ou menos trinta e cinco anos atrás, sempre chegava de algum lugar um grupo de ciganos, eram pessoas simples, mas, como todos os ciganos, cheios de magias e de sabedoria, eles montavam acampamento perto da Penhinha, era um lugar bastante arborizado, cuja diversidade de plantas frutíferas era enorme, havia cajueiros, mangueiras, coqueiros, juazeiros, pés de siriguela entre outras frutas que não me recordo agora.
Havia homens, velhos, mulheres e crianças. Eram chefiados por Aldir, o mestre cigano, diziam que era descendente dos reis ciganos de outrora, dos reis ciganos da Pérsia, mas, andavam entre pessoas ignorantes, pessoas sem conhecimentos além da agricultura e da pecuária. Os ciganos se aproveitavam dessa ignorância matuta e a utilizavam ao seu favor, chegavam às casas e liam mãos, jogavam as cartas, contavam histórias fantásticas entre outras coisas em troca do pouco dinheiro das pessoas ou de animais como cabras e galinhas, às vezes, roubavam, mas, apenas os pequenos faziam isso, as crianças eram pequenos ladrões profissionais e os velhos encobriam suas artimanhas, chegavam a uma casa e enquanto os velhos ciganos enganavam as pessoas com suas histórias, os pequenos estavam pelos terreiros escondidos atrás de roubar roupas lavadas estendidas nas cercas.
Um dia, chegaram à casa de dona Aquina, mulher de seu Messias, a mulher estava ocupada com seus afazeres domésticos, limpava a sala enquanto, a panela com o feijão estava no fogo de lenha, mas sua atenção estava no quarto, onde o pequeno Paulo dormia em sua rede. Ela ouviu umas batidas na porta da frente da casa, chegando lá, viu uma pequena comitiva de ciganos, duas mulheres, Eowyn e Mayara, junto com elas montado em um jumento, estava o irmão de Aldir, Almir.
- Bom dia, Ganjona me deixe ler sua mão. – disse Eowyn.
- Vocês lêem mãos, são ciganos?- perguntou dona Aquina.
- É Ganjona. – nesse momento, Almir viu a aliança de Aquina, e a magia macabra se manifestou no ar.
- Ganjona, leio sua mão, coloco as cartas e digo o seu futuro, faço o que você quiser, ih num sei não, mas, to achando que aqui na sua casa tem uma certa energia negativa, uma energia do mal, seu menino vai até chorar agora. – disse Mayara.
Lá dentro o pequeno Paulo começo a chorar, Aquina ficou impressionada com os “poderes” da cigana, mas, o que Aquina não sabia era que uma ciganinha que não tinha se revelado tinha entrado pela porta da cozinha e tinha dado um beliscão na criança que dormia, entrou e saiu sem que ninguém percebesse.
-Valha-me Deus, o que é que a senhora quer pra espantar essa coisa ruim?- perguntou à inocente Aquina.
- Quero que você me dê sua aliança! – disse Almir que estivera calado até o momento.
- Minha aliança é a coisa mais preciosa que eu tenho seu moço.
- Então, essa energia ruim que esta na sua casa vai permanecer. Ela só faz o ritual se você me der sua aliança.
Dona Aquina era uma mulher do interior, sem instrução, sem maldade, sem experiência de vida. Ela concordou com a condição do cigano, entregou a aliança para o homem, que imediatamente a mordeu, sorriu e a colocou no dedo mínimo, ele olhou para Eowyn e acenou com a cabeça, imediatamente a mulher sacou de uma sacola de palha que trazia dependurada uma vela amarela e duas facas, acendeu a vela e colocou dentro de uma tigelinha com água, o calor da vela fez a água ferver, um aroma de mel invadiu a sala. Ambos os ciganos sorriram, e dona Aquina respondeu com outro sorriso, eles se despediram e foram embora.
Na hora do almoço, toda a família reunida, dona Aquina estava triste, cabisbaixa, seu marido perguntou o que ela tinha:
- Oh Messias, num te digo um negócio, os ciganos chegaram aqui e me enganaram, a cigana me enganou, roubo minha aliança, nossa aliança de casamento.
Os seus dois filhos gêmeos Cosme e Damião se levantaram de um pulo, Cosme gritou:
- Não seja por isso mamãe, nós vamos buscar agora mesmo, eles tão acampado lá na penhinha, vamos lá buscar sua aliança, e vamos logo Damião, que é enquanto o sangue ta quente. – pegaram seus facões, montaram no lombo das burras e partiram em direção a penhinha. Quando dona Aquina viu os filhos sumindo por detrás do serrote, uma lágrima escorreu em seu rosto.
Cosme e Damião iam conversando sobre como os ciganos eram espertos e que teriam que chegar brabos, botando boneco mesmo, eles iam chegar puxando o facão e batendo em quem vissem afinal, quem mandava naquelas terras eram eles, e ninguém que chegasse de fora ia tirar esse direito deles.
Chegaram ao acampamento cigano, amarraram as burras em um pé de juá, entraram acampamento adentro, viram que estavam reunidos almoçando, puxaram seus facões e deram uma pancada em um galho de cajueiro que era mais fino, torando de lado a lado o galho, Damião pegou um engradado cheio de coisas em uma carroça e jogou no chão despedaçando, Cosme deu um chute tão forte na roda da carroça que a mesma arriou no chão.
Almir, que estava vendo tudo, sem acreditar foi falar com eles.
- Mais o que é que vocês estão fazendo, em nome de todos os santos?
Eles viram a aliança de sua mãe no dedo de Almir, sua raiva aumentou, partiram para cima de Almir, e Cosme o derrubou com um empurrão, começaram a surrar o homem como se fosse um cachorro, Damião lhe dava chutes nas costelas enquanto Cosme socava seu rosto, o sangue escorria como se fosse um pote derramando água.
Nesse momento, Aldir, o mestre cigano, surgiu por detrás da carroça quebrada ele trazia uma macaca nas mãos, levantou a arma para cima e deu um tiro, o estrondo parecia um trovão ribombando por sobre as nuvens, Aldir subiu na carroça, vestia um velho casaco com as mangas rasgadas, uma cartola velha sobre a cabeça não impedia que seus longos cabelos grisalhos esvoaçassem ao vento, sua voz parecia uma tempestade:
- O que vocês pensam que estão fazendo? Saiam daqui imediatamente.
- Esse homem é um ladrão, roubou a aliança de minha mãe. – gritou Cosme para o cigano.
- Esse homem é meu irmão, se ele fez alguma coisa errada ele pagará não assim, ele pagará a minha maneira. Isso é verdade Almir?
Almir se contorcia no chão, com um pouco de esforço consegui sentar no chão, cuspiu um dente que por sinal era de ouro, olhou para Aldir e baixou a cabeça.
Aldir pulou da carroça ficando a poucos metros dos gêmeos, encarou os dois por um segundo e passou por eles sem se intimidar, puxou uma pequena faca de sua bota e se ajoelhou:
- Você sabe que os descendentes dos reis não fazem isso não é? A lei, o código deve ser cumprido, me desculpe irmão.
Pisou na mão do seu irmão, com a faca cortou-lhe o dedo mindinho, Almir soltou um grito de dor, Aldir arrancou a aliança ensangüentada do dedo e jogou para Cosme, dizendo:
-A ganância de meu irmão não deveria ser paga assim. Apenas ciganos podem punir ciganos, apenas os reis punem, mas não só ele deve pagar, vocês também pagarão, vocês nunca chegaram em casa, pois, o anel é amaldiçoado, ele foi tocado por sangue dos reis ciganos, vão embora.
Cosme e Damião montaram em suas montarias e deixaram o grupo de ciganos para trás, pensava como eram estranhos os ciganos, o olhar de Aldir os acompanhou até desaparecerem.
Quando iam passando por sobre a parede do açude, resolveram parar e tomar um banho, afinal era uma hora da tarde, o sol escaldante parecia que ia rachar suas cabeças. Cosme retirou a roupa e pulou da parede do açude dentro da água, Damião achou melhor esperar um pouco enquanto o sangue esfriava, Cosme que já nadava chamou o irmão, Damião pulou na água, mas a maldição cigana havia acompanhado eles, assim que pulou foi de encontro a uma pedra enorme, rachou sua cabeça nela, Cosme vendo que o irmão não havia emergido mergulhou atrás, o açude era muito fundo e o corpo de Damião estava afundando, Cosme submergia atrás tentando resgatar seu irmão, mas, já sem fôlego não conseguiu retornar a tempo de sugar mais ar, sentiu a dor aguda da água invadindo seus pulmões, e a ultima coisa que viu antes de sua mente apagar totalmente, e seu corpo musculoso afundar atrás do seu irmão foi a aliança de sua mãe se perdendo para sempre nas águas escuras.