Meu Primeiro, Misterioso, Amor
Gostaria que a vida fosse mais simples, menos complicada, menos problemática. Ah sim, como eu queria que a vida se resumisse a vida, em outras palavras, que fosse nada mais do que vemos diante de nossos olhos. Mas não é tão simples assim... Como dizia Shakespeare “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia”, e quão sábio era Shakespeare! Se pelo menos eu fosse simplesmente um ignorante, que nada sabe ou pensa sobre os “mistérios entre Céu e a Terra” ou abaixo da Terra... Mas agora era tarde demais, ainda não inventaram aquele aparelhinho que lança um flash e faz você esquecer de tudo.
Nas noites de verão, quando o dia é insuportavelmente quente e as noites agradáveis e frescas, eu conheci um pouco, apenas um pouco do que nosso amigo Shakespeare quis dizer com “mistérios entre o Céu e a Terra”. Dias aqueles onde minha juventude impetuosa agia irresponsavelmente e meu espírito romântico era mais forte que meu lado racional e coerente. Mas ainda assim, se não fossem tais impulsos, este velho homem aqui nada teria a contar.
Num dado momento de minha juventude, em um destes muitos verões que já vivi, finalmente eu conheci o amor, ou pelo menos, o que eu acreditava ser o amor. Da forma como tudo aconteceu, era de fato um sonho, algo que transcende o mundo real, um prato cheio para um rapaz romântico como eu era.
Nestes dias de verão, era comum que eu passasse algumas semanas na casa de parentes. Meus pais adoravam passar temporadas na casa do tio Silvão e da tia Beta. Tio Silvão era o irmão mais velho de minha mãe e vivia na cidade de origem de sua família, uma pequena e bela cidade, próxima as montanhas. Viviam nos limites da cidade, já bem próximo a estrada que levava para outras regiões ainda mais remotas, mas também próximo a natureza e ao lago, onde eu costumava pescar. Era um local lindo e tranqüilizador, eu também gostava muito de ir para esta cidade. Naquele tempo, eu costumava escrever poesias e adorava me retirar para algum lugar na montanha próxima, sentar numa pedra e lá ficar.
As noites de luar com o céu límpido e estrelado me inspiravam de tal forma que eu escrevia sem parar. Tão inspirado me sentia, que recitava em voz alta meus versos, mas apenas a natureza e os pequeninos animais e insetos a minha volta é quem ouviam minha poesia, pelo menos era o que eu imaginava. De alguma forma chamei atenção de alguém.
- Belas palavras.
Ouvi uma voz feminina. Assustei-me mais pelo constrangimento do que com a súbita presença. Olhei em volta, mas não achei a origem da voz.
- Quem está ai? – Perguntei com voz embargada pelo acanhamento.
- Desculpe se te assustei. Meu nome é Joana.
Uma silhueta formou-se atrás da sombra de uma moita, e revelou uma moça extraordinariamente linda. Trajava um belo vestido azul claro, que de forma muito bela refletia a luz da lua. Tinha olhos castanhos, cabelos escuros e um pouco ondulados até os ombros e uma pela incrivelmente perfeita, mas não era pálida, era como um boneca de porcelana.
- Ah... Oi! Eu... Eu... Meu nome é... Pedro!
Mas que papelão, eu mal podia conter meu nervosismo diante da moça mais linda que eu já vira e que estava falando comigo! Sem muita beleza a oferecer, posso dizer que nunca fui muito cobiçado pelas moças e aquela situação era um tanto quanto diferente para mim.
- Oi Pedro. Estava passando por aqui, e não pude deixar de ouvir suas belas palavras.
- O... Obrigado! Mas o que faz neste lugar? – Depois de perguntar pensei “Ora, isto não é da sua conta” – Desculpe! Acho que não tenho nada a ver com isto!
Acho que essa súbita reflexão de bom senso foi ainda pior que a pergunta inicial.
- Não se preocupe! Na verdade moro aqui perto, e gosto de passear por aqui. – De forma natural e bem simpática, Joana respondeu, e tal naturalidade a fazia mais linda. – Vê aquela pequena estrada ali? – Apontou para uma estrada de terra, um pouco encoberta na escuridão e pelo mato, mas neste dia de lua cheia estava visível. – Moro seguindo por ali, bem perto.
- Eu não sou daqui, estou na casa do meu tio, logo ali, no começo da cidade.
Lá de cima era possível ver a casa do tio Silvão, tentei mostrar a ela, apontando a região, mas ela estranhamente ficava me olhando com um sorriso e não deu atenção quando eu apontei para baixo. Isso era ainda mais constrangedor, se ao menos eu tivesse a beleza dela tal situação era compreensível, mas definitivamente não era o caso.
- Posso pedir-lhe um favor? – Disse ela com doce voz.
- Claro!
Era impossível negar qualquer coisa.
- Pode continuar recitando seus versos? São muito belos!
Nunca ninguém havia pedido para ouvir meus versos, nem meus pais! Isso me deixou acanhado, mas de certa forma isto elevou e muito meu ego.
- Claro!
Com mais sentimento e vontade, como se estivesse fazendo um monólogo, eu continuei a recitar meus versos. Ela olhava pra mim, sorrindo, era apaixonante. Tão absorto fiquei no meu “show particular” para Joana que não observei quando ela simplesmente sumiu.
- Joana!
Chamei sem obter resposta.
- Joana!
- Estou aqui!
A voz veio da pequena estrada escondida. Olhei para lá, mas não vi ninguém.
- Não estou te vendo.
- Já estou na estrada, preciso voltar para casa. Podemos nos ver aqui amanhã a noite?
- Claro!
- Então até amanhã!
Eu estava emocionado, era meu primeiro encontro! E eu havia conseguido sozinho. Na manhã seguinte, escrevi os versos mais românticos que uma jovem alma apaixonada poderia criar, tudo para minha bela Joana.
Na noite seguinte, fui para meu refúgio de costume na montanha. Aguardei por um tempo e finalmente ela chegou, de forma tão repentina quanto da primeira vez. Sua encantadora figura me fazia cada vez mais apaixonado. E novamente ela pediu para ouvir-me, e fizemos da mesma forma. E tão misteriosa quanto chegou, sumiu de novo, ouvi apenas o tchau vindo da estrada. Assim, por muitas noites ela pedia que eu fosse encontrá-la para ler os meus versos. A cada encontro meus sentimentos por ela tornavam-se mais fortes, meu peito doía durante o dia de tanta ansiedade em encontrá-la. Decidi então que deveria dar um passo a frente, ainda não tinha tocado a mão dela sequer, decidi que nesta noite iria me declarar e beijá-la.
Sempre na mesma hora, ela apareceu, iluminada pela lua. Tão logo voltei do transe ao admirar sua beleza iniciei a leitura de meus versos. Após ler, sentia me confiante o suficiente.
- Joana, tenho que dizer-lhe algo.
- Diga o que quiser.
- Bem... - Comecei limpando a garganta. - Eu... eu tenho apreciado muitos esses nossos momentos, tanto tenho gostado de estar aqui com você, que comecei a sentir algo diferente... Eu queria dizer que.... - Que patético, engasguei com a própria saliva.
- Diga, por favor!
- Eu queria dizer que... Eu amo você!
Joana deu o sorriso mais lindo que eu já vira, acho que isso era um bom sinal, mas também pensava que talvez esse sorriso significasse “Que garoto bobo, vou ter que dispensar agora!”, enfim, pensava mil coisas, ainda não conhecia as malícias para identificar os sinais que uma mulher dá para saber se ela está gostando de você.
- Esta é a coisa mais maravilhosa que já ouvi!
Soltei fogos! Parece que tinha me dado muito bem! Agora mais decidido, continuei.
- E eu gostaria...
Antes que eu pudesse terminar, fui interrompido por ela.
- Você quer ficar comigo? Diga que sim!
Isso foi uma grande surpresa! Ela pediu com tanta vontade que me senti o homem, ou garoto, mais desejado de todo o mundo.
- Bem... - “Não pense oras, só diga que sim!”, pensei comigo – Sim!!! Eu quero! Quero namorar com você!
Aquele momento foi mágico, seus belos olhinhos brilharam quando eu disse que sim. Era o momento mais feliz da minha vida, já visualizava mil coisas em minha mente, a melhor dela, era não mais ser chamado de BV, boca virgem, pelo meus amigos, por nunca ter beijado uma garota na boca. Percebi que esse era meu momento, era hora do beijo, para confirmar as coisas. Aproximei-me dela com esta intenção, ela parecia estar esperando isso, no entanto, quando estava próximo, ela afastou-se, antes que eu pudesse tocá-la.
- Qual o problema? - Perguntei sem entender a reação.
- Desculpe, mas meu pai é muito restrito. Se quiser me namorar e me beijar, vai ter que pedir permissão para ele.
Achei isto algo muito bom, uma moça de família, de valores, mesmo quando ninguém está olhando, pensei ter tirado a sorte grande mesmo!
- Tudo bem! Tudo bem! Vamos lá agora mesmo! - Eu estava ansioso, nem pensei que o velho poderia ser bravo, eu iria encarar qualquer um.
Ela me levou para a escondida estrada coberta no mato. Ao adentrar o estreito caminho tudo ficou escuro, a luz na lua já não iluminava meu passos. Na desculpa de não estar enxergando nada, tentei tocá-la, para que ela me conduzisse, mas apenas sentia o ar passando pelos meus dedos. Ela me guiava pela voz, embora parecesse bem perto, nunca conseguia tocá-la. Ela realmente falava sério quando disse que eu não poderia tocá-la até pedir permissão para o pai!
Após alguns minutos de caminhada, alcançamos uma clareira no meio daquele mato todo. Esta clareira estava bem iluminada pela lua, revelando um casebre. Era simples e estava muito mal conservado e velho. Havia um pequeno alpendre na entrada, no qual Joana subiu e parou diante da porta.
- Esta é minha casa!
- Ah... Muito linda sua casa! - Era horrível a casa, mas e daí, ela era linda.
Sem que ela tocasse coisa alguma, a porta se abriu. E um velho homem apareceu. Fiquei surpreso quando ela disse “Oi pai!”. Pai? O homem era velho, tinha idade para ser avô dela.
- Pai, este é o rapaz do qual lhe falei. - Disse Joana apontando para mim.
“Do qual lhe falei!?”, pensei eu, isso quer dizer que ela já tinha preparado o caminho, adoro essa garota! Apesar da aparência austera, o homem me recebeu muito bem, estranhamente bem para um pai de uma moça tão bela. Isso acalmou meus temores quanto ao meu futuro sogro. Ele me convidou a entrar e todos nós nos dirigimos para a sala. A casa era por dentro tão terrível quando por fora. Os móveis estavam velhos, as paredes escuras e havia muito mofo. O assoalho era de madeira, e rangia horrores a cada passo, evidenciando que havia um porão logo abaixo da casa. Passando o desconforto inicial por estar num lugar tão insalubre, eu resolvi ser educado.
- Bela casa senhor!
- Obrigado! Mas desde que minha esposa morreu, quando Joana era pequena, esta casa nunca foi mais o que era antes, com os cuidados da minha finada esposa.
Esbocei um tímido sorriso, não sabia que se ficava sério ou mentia dizendo que ele estava fazendo um bom trabalho cuidando da casa. Sem saber como começar a conversa, Joana adiantou-se.
- Pai! Ele veio aqui pedir permissão para namorar comigo! - Joana anunciou alegremente.
Adoro essa garota, sempre me livrando do trabalho difícil!
- Sim, e... - Comecei a falar, mas logo fui interrompido pelo pai.
- Então você quer namorar minha filha! Muito bem, você parece um bom rapaz, você tem permissão para namorá-la.
- Obrigado senhor! - Foi mais fácil do que eu imaginava, não me continha de tanta alegria.
- Vocês podem ir lá para baixo e ficar a vontade. Eu vou ficar por aqui.
Como assim ir lá para baixo e ficar a vontade? Nunca imaginaria que a situação estivesse tão favorável. Pensei que me sentaria naquele sofá sujo, sob os olhares inquisitores do velho, olhando cada movimento que eu fizesse, pensei que o máximo que conseguiria era pegar na mão de minha nova namorada. “Ir para baixo e ficar a vontade” estava além de meus objetivos, realmente tinha me dado bem.
Sem demora, Joana me conduziu até uma porta, ao abri-la vi uma velha escada de madeira que levava até o pavimento inferior, o porão.
- Venha, venha! Vamos namorar aqui embaixo! - Ela me chamava, estando bastante animada.
“Calma garota! Eu só quero deixar de ser BV!”, pensei eu em minha inocência.
- Seu quarto é aqui em baixo?!
- Não exatamente, mas fico aqui o tempo todo.
Normalmente garotas tem medo de porões e afins, mas ela parecia bem acostumada com o local. O porão era como todo porão, sujo, úmido, com cheiro de mofo e cheio de velharias. A iluminação era pobre, vinha de uma fraca lâmpada incandescente no alto. Alto modo de dizer, pois minha cabeça estava há poucos centímetros do teto, que era o assoalho da sala. Ela continuou a conduzir-me pelo local. Tive dificuldades em acompanhar, a todo instante chutava ou tropeçava nas velharias, mas ela parecia não se importar, continuou em frente até chegar na parede final do porão, onde havia uma espécia de maca, com alguma coisa coberta por um lençol. Pensei por um momento que talvez ela planejava usar aquela maca para “namorar”. Paramos ao lado da maca.
- Você vai me beijar aqui! - Declarou ela.
Joana era incrível, poupava-me todo o desconcertamento de iniciar nosso “namoro”.
- Claro! - Respondi alegremente.
Como num filme, fechei o olhos, fiz um bico com os lábios e fui em direção a ela, esperando encontrar seu belos lábios. Estava inclinando-me para alcançá-la, mas nunca chegava! Quase caí para frente. Abri os olhos e ela estava na minha frente sorrindo, mas não parecia que ela estava tentando me beijar.
- Você não disse que eu ia te beijar aqui? - Perguntei após a frustração da tentativa.
- E vai! - Disse ela movendo o lençol da maca – Aqui!
Meu sonho transformou-se em pesadelo em questão de segundos. Joana descobriu a maca, e o que revelou-se foi a coisa mais terrível que eu já havia visto em toda minha vida! Havia um cadáver! Era um cadáver já em estado de putrefação bem avançado. Não havia muita pele e carne, só o que se via eram os contornos esqueléticos daquele ser. Se não fosse pelo longo cabelo e o vestido, eu não saberia dizer se era homem ou mulher.
- Que diabos é isso??? - Saltei para trás apavorado.
- Me beija aqui! - Dizia ela apontando para a boca daquele resto de pessoa que jazia na maca.
- Tá maluca??? Vamos embora daqui!!!
Me aproximei dela novamente, tinha em mente levá-la para fora daquele porão. Quando finalmente consegui tocá-la, novamente senti o ar entre meu dedos. Eu não podia acreditar, minha mão transpassava Joana, como se ela fosse simplesmente fumaça.
- Me beija! Sou eu! - Insistia ela.
Finalmente entendi, o que eu via na minha frente era um fantasma, o fantasma de Joana, e o corpo na maca era ela! Entrei em choque, meus músculos se retesaram. Por alguns segundos fiquei imóvel até despertar desse momento absurdo, quando um surto de medo e adrenalina me tomou, saí correndo e gritando, derrubando tudo a minha frente.
- Me beija!!!
A partir do nada, Joana apareceu em minha frente, gritando “Me beija!!! Me beija!!!”. Sua aparência angelical ficou para a história, o que se via agora era uma face medonha, que gelava-me a alma ao olhar para as cavidades escuras onde outrora haviam belos olhos castanhos. A pele ficou pálida, ressequida, sua boca abria-se de forma descomunal cada vez que ela gritava “Me beija!!!”, a voz também se alterara, ficava bem grave, ora bem aguda. Sem saber o que fazer, e apavorado, só me restava uma coisa... Atravessá-la! Ora, ela era um fantasma, me pareceu uma boa idéia no momento. Corri em direção àquele ser terrível, quando passei por ela, vi tudo cinza, um cheiro horrível de putrefação, fiquei nauseado e tonto, então percebi que foi uma péssima idéia! Caí atordoado no chão.
Enquanto tentava recuperar os sentidos, vi Joana aproximar-se de mim. O medo é uma ótima aliada, ao ver sua figura assustadora, logo meu cérebro recobrou todos os sentidos e rapidamente me levantei, subindo as escadas para fora do porão. Quando alcancei a sala, estava lá o velho, bem na minha frente, apontando uma velha carabina bem no meu nariz.
- Onde pensa que vai garoto?! - Perguntou ele, não tão amável quanto antes.
Tentei, responder algo, mas a voz não saía. Nesse curto espaço de tempo, Joana alcançou-me e foi para o lado do pai, desta vez estava com sua bela aparência novamente.
- Pai... Ele não quis me beijar... - Disse Joana com voz triste.
- Tudo bem minha filha! Eu resolvo isso! Anda garoto!
O velho bateu a ponta da carabina na minha testa e obrigou me a descer para o porão novamente. Impotente contra a carabina apontada para minha cabeça, obedeci, chorando como uma criança.
- Deixa de ser molenga! É só um beijinho! - Esbravejava o velho.
Chegamos novamente até a maca, fiquei de um lado da maca e o velho foi para o outro lado, queria certificar-se que eu realmente ia beijar o cadáver. Novamente apontou a carabina para minha cabeça e ordenou:
- Beija logo!!!
Joana estava ao lado dele. Neste momento, minhas lágrimas já molhavam o cadáver, vi as gotas escorregando crânio adentro, que visão terrível! O velho ficou mais agressivo, pois eu não tinha coragem de beijar aquilo. Novamente ele bateu a ponta da carabina na minha cabeça, achei que morreria ali. Diante do desespero, decidi que o melhor era beijar, sem me importar com as implicações disso. Fechei o olhos, me aproximei, senti o insuportável fedor e quando estava bem próximo... mudei de idéia! Com toda a força que me restava, empurrei a maca em cima do velho. Desequilibrado, ele caiu com maca em cima dele, bem como os restos mortais da filha. Diante da cena, Joana grunhiu e gritou feito um animal selvagem, tive que tapar os ouvidos. Aproveitei o momento e comecei a correr novamente para fora, durante toda minha corrida a assustadora figura de Joana estava na minha frente, gritando, tentando fazer-me parar. Já sabia que não era uma boa idéia, mas tinha que passar por ela novamente, desta vez prendi a respiração, fechei os olhos e com os braços esticados para frente atravessei-a. Ao abrir os olhos e voltar a respirar, ela havia ficado para trás e eu tinha alcançado as escada. Desesperadamente subi e consegui alcançar a sala e por fim a saída. Corri como nunca correra antes, ao olhar para trás, vi a sombra macabra de Joana esbravejando no alpendre. Continuei minha corrida, incansável como um maratonista, não parei até descer o monte e chegar na casa de meu tio. Entrei em casa desesperado.
- Que foi menino?! Parece que viu assombração! - Disse tio Silvão ao ver meu estado.
Finalmente parei, respirei fundo, fui aos poucos recuperando o fôlego.
- Tio!!! Eu vi mesmo....
Embaralhando as palavras, em meio a respiração ofegando e falando rápido, tentei contar o que aconteceu. Obviamente ele não acreditou... Quem iria acreditar?! Na verdade ele achou graça e me contou da lenda popular que cercava aquele região.
- Lá mora um velho homem, que perdeu a esposa quando a filha nasceu. Tem uma história que o povo daqui conta desse homem. Ficara apenas ele e a filha neste mundo, o que levou o pai a ter um cuidado excessivo com a filha e um ciúme doentio. Conforme ela cresceu, tornou-se muito bela, muitos rapazes apareciam na porta do velho, que deixava-o furioso, sempre expulsava os rapazes a tiros de carabina. Mas uma vez a filha dele se apaixonou por um rapaz, e eles se encontravam as escondidas. Então um dia, resolveram fugir juntos. Mas o plano foi descoberto pelo velho, que na loucura, tentou matar o rapaz, mas não conseguiu, ele fugiu. Então ele ficou tão furioso com a filha, que decidiu matá-la, para que ninguém mais viesse tirá-la dele. E assim o fez, e guardou o corpo no porão! Dizem que o fantasma da menina atormenta região e atormenta o velho, pois ela fica procurando um namorado, para beijar o corpo morto dela, mas quem beijar morre na hora e vai ficar junto ela. Mas quando isso acontecer o velho fica livre da menina.
Fiquei atônito com a história, e ninguém me contou antes? Quase morri!
- Mas você sabe Pedro, isso é crendice do povo! Cada história tem por aqui! Deixa eu te contar outra! - Tio Silvão tentou iniciar outra dessas “histórias do povo”.
- Não, não! Vou para meu quarto, obrigado tio!
Estava apavorado e frustrado. Continuaria a ser BV, sem namorada, mas pelo menos estava vivo! Aprendi algumas com meu avô, pai do tio Silvão e de minha mãe. Nunca dê carona a uma mulher de branco na estrada. Cuidado ao ver alguém na porta do cemitério, principalmente a noite. Não passe a noite numa estradinha escura que tem uma encruzilhada. E nesta ocasião aprendi algo novo, não leia poemas sozinho em local deserto durante a lua cheia, alguém pode ouvir... e gostar!