Lycra ao Sul
Aquela era uma guerra, apesar das plumas e paetês, era uma carnificina antiga, mudaram as personagens, modernizaram-se as ruas, os becos, as árvores, as praças, tudo aparentava modernidade, mas o cheiro putrefato da morte dava aquelas redondezas a mesma cara de dezenas de anos atrás.
Eram em páginas amareladas que os registros policiais relatavam: “Travesti apunhala meretriz na praça XII, travesti de 22 anos é retalhado por navalha de um velho capoeira”
Mas havia algo de macabro nestas idas e vindas dos relatos sangrentos; os mistérios que só a noite guardava falavam de um elemento singular a todos, mas que nunca fora visto praticando os crimes.
Vestia-se como uma prostituta, seus desfiles nos palcos da prostituição eram rápidos, esbanjava simpatia, mas voava como um capoeira, fazendo a navalha rodopiar em malabarismo mortal.
Aquela era uma guerra, mas não uma guerra de sangue, brigava-se por pontos de prostituição, mas a estranha figura tinha reservado aos seus camaradas os pontos.
Durante anos surgiu e desapareceu nos becos, deixou apenas o sangue na calçada, e uma aliança de fé.
Era uma espécie de ordem, cada travesti que ali começasse suas atividades, era convidada a conviver com este estranho pacto: Saber de tudo e nada falar.
Tinham uma senha, que só era entoada quando havia mortes de prostitutas nas redondezas. Lycra ao Sul, que queria dizer: Mulher.
Mas porque os travestis aceitavam este pacto?
A degola de vários deles explica o medo perturbador daquela sombra sinistra.
Pensavam eles: Enquanto tivermos proteção, está ótimo.
Era uma madrugada de Setembro, a neblina misturava-se ao odor nauseante das drogas e o beco era um lugar de ninguém.
Um silencio fúnebre, trouxe aquele pequeno inferno o ser das trevas, lá na entrada, a sombra negra, entre a neblina caminhava devagar, deixando resplandecer os pontos brilhantes de sua roupa, podia-se ver uma longa cabeleira grisalha sob o chapéu de abas caídas, e o soturno rosto, atrás da sombra que a noite proporcionava.
Somente depois de algum tempo é que puderam observar o liquido vermelho que escorria por entre os paralelepípedos saído do corpo da criatura.
Com uma respiração difícil, começou a retirar peça por peça, todas as vestimentas e objetos decorativos da sua indumentária, num strip-tease macabro...
Debaixo da roupa, faixas enrolavam seu corpo e este aparentava um ancião de 100 anos, pasmados diante de tão trágica figura, presenciaram pela ultima vez saído da boca do moribundo o pronunciamento da senha que significava morte: Lycra ao sul...
Detrás da neblina, metralhadoras cuspiram fogo durante meia hora, arrasando tudo que poderia provar que algo existiu naquele infecto e misterioso lugar.
Malgaxe