Amor
 
Do que é capaz o amor, o ser apaixonado, ninguém sabe ou é capaz de afirmar a lástima que transpassa a alma como a lâmina furiosa de uma pontiaguda lança,  quando o amor não é retribuído na mesma altura que é dedicado. 
Eustáquio, na jovialidade de seus 18 anos amava Gertrudes, que devido à educação rigorosa não aprendera a amar, ou ceifava este sentimento ao nascer, para satisfazer seus pais.
A distancia é uma balança usada pelo tempo para medir a intensidade com que se demonstra o amor, o amar alguém.
Pode-se afirmar que o amor sobrevive às grandes saudades, mas mesmo ao alcance do olhar sabemos que não é difícil esquecer alguém, se não nos é dado sentir seu hálito por um longo tempo.
É uma verdade evitada, pelos poetas, esfria a alma, transtorna, e não raras vezes, mata...
Em seus olhares tão preparados, Eustáquio, insinuava todo o seu amor, e Gertrudes tão acostumada a  estes olhares de tão variados rostos, seguia indiferente o cotidiano de uma virgem desejada, desejosa, mas insistentemente construindo um interrogativo muro ao seu redor.
Eustáquio, prisioneiro da insônia, fonte de abundantes lágrimas, sofria o famigerado desdém no seu pequeno quartinho.
Cartinhas de amor jaziam no fundo de uma gaveta, e a cada dia somavam-se mais aquelas que lá estavam.
As profundas olheiras, o andar vacilante, eram marcas que ninguém notava na figura sempre soturna do adolescente, e a cada passo dado, a cada repetida lembrança, a cada suspiro dado, a motivação era a mesma, Gertrudes.
Há quem diga que o amor, é uma máquina azeitada pelo sorriso, pelo beijo e pelo toque de pele.
E que ele é uma brisa que toca o coração, torna-se vento, da motivo para a vida, e depois será um furacão que não sabe da sua força, é consciente como um juiz, e insano como um réu, quando sabe que nada mais lhe resta na vida.
Quantas vezes Eustáquio vislumbrou um beijo ardente, e a aterrorizante rejeição lhe conduziu ao banheiro para chorar.
Mesmo inconsciente Gertrudes não olhava para Eustáquio, não sabia do imorredouro amor que lhe dedicava, portanto inconsciente do amor de Eustáquio, não se poderia saber qual a sua reação se soubesse.
Há um momento na vida do apaixonado que o devaneio faz um balanço de tudo vivido, se vale a pena viver assim, se a pessoa a quem é dirigido o amor, merece e qual a melhor hora para se falar disso com o seu amor escolhido.
Mede-se a chance de conquistar alguém pelo que sabemos de tal pessoa, de como ela age com os outros que tiveram a chance ou a ousadia de confessar o amor.
Mas Eustáquio, o que saberia ele, muitas vezes já se auto-intitulara um zero a esquerda, nem falar sabia, mas era um ser humano e ali naquele corpo residiam todos os sentimentos humanos, como convinha a qualquer um.
Ousara amar e alimentava este amor, sonhando com o dia de revelar este amor, lamentara-se muitas vezes de ter-se preparado para receber um olhar de carinho e ao invés disso teve a decepção da indiferença, dividira muitas vezes ódio e amor pela mesma pessoa.
O ser humano, nunca chega ao extremo em dois sentimentos ao mesmo tempo, isto é real, não se pode estar amando e odiando e em ambos chegar ao ápice, um deles ou não existe ou é abandonado na linha de chegada.
A manhã fluía azul aos olhos de quem olhava a fumaça do trem ao longe, Vinha em marcha lenta...
Eustáquio, em seu olhar, hoje especialmente trágico, atrás de seus pequenos óculos, também estava ali à espera do trem.
Fora uma noite triste, viu cada badalada do relógio da sala como se fosse seu coração a subtrair batidas em direção ao fim.
Veio a manhã e a medida que a luz do sol banhava o planalto em que ficava sua cidadezinha, ele sentia diminuir o tempo para que ele tomasse a decisão de sua vida.
O trem estacionou...
Gertrudes sorridente, desceu os 4 degraus do trem com uma pequena mala...
Eu ti amo... Eu ti amo, simplesmente estas palavras Eustáquio deveria dizer.
Pela ultima vez o sol entre a passagem de um vagão e outro, iluminou o rosto de Eustáquio.
Parado a dois passos na frente de Gertrudes, no meio de uma multidão que os ignorava, Eustáquio balbuciou...
____Gertrudes, eu... Eu... Ti amo...
Primeiro, Gertrudes com um olhar grave fitou os  olhos de Eustáquio, depois lentamente ergueu o braço e tapando a boca, desferiu direto no coração do pobre rapaz, uma gargalhada irônica e desdenhosa.
De onde estava, Eustáquio, virou-se caminhou dez passos, seus olhos fervilhavam, foi exatamente ali que se fez na alma do pobre rapaz, a troca de sentimentos.
Eustáquio trazia algo sob a blusa que reservava para o momento do encontro, caso um dos sentimentos chegasse ao ápice.
Eustáquio parou, olhou para trás, a moça ainda ria dele... Virou-se caminhou até ela, e de baixou da blusa em sua mão surgiu uma longa adaga de dois gumes que retalhou dez vezes o abdômen de Gertrudes, e depois repousou a lâmina em seu próprio corpo.
Eis o ápice de um sentimento humano...
Malgaxe
 
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 09/09/2010
Reeditado em 10/09/2010
Código do texto: T2488477
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.