Uma Lenda do Sul...

Disse o mais alto mestre da literatura fantástica e do horror sobrenatural, Edgar Allan Poe, que “Os que sonham acordados enxergam muitas coisas que escapam aos que não conseguem sonhar, a não ser dormindo”. Essa sábia sentença do gênio maldito do absurdo, possui íntima relação com o assombroso acontecimento que vivenciei há 3 semanas. Que o leitor faça sua reflexão sobre a frase. Limitar-me-ei a narrar o ocorrido.

Os terríveis fatos iniciaram com um sonho, ou pesadelo, onde eu via o princípio sombrio de um bosque de aparência macabra, soturna, que inspirava um horror tão veemente, um medo profundo e ameaçador que convenceria qualquer indivíduo a jamais penetrar naquela mata hedionda. Em seguida, do interior do bosque saíram dois homens pálidos, assustadores, de aspecto fantasmagórico, que se acercaram de uma pequena e sinuosa estrada pedregosa. Com isso, despertei. O pesadelo causou-me uma inquietação arrepiantemente profunda. Imediatamente, associei as imagens oníricas a uma história estranha contada por meus avós que se referia a um antigo capão de mato assombrado, situado no interior do município, onde nunca qualquer homem teve a coragem de entrar, devido ao insuportável terror que insuflava naqueles que avistavam suas imediações. Correm misteriosas e lúgubres lendas acerca do local, e recordei-me de uma onde duas almas fantasmais vigiariam a mata, espantando qualquer mortal que intentasse penetrar naqueles tenebrosos domínios do sobrenatural.

No dia seguinte, tomado pela minha doentia inquietação anímica, transtornado por uma mórbida curiosidade anormal, decidi irrevogavelmente que iria descobrir o caminho àquela mata, tendo certeza que ele era conhecido por meus avós. No mesmo dia, consultei-os insistentemente, até que me revelaram qual estrada deveria tomar para atingir o perturbador capão. Claro que me aconselharam nervosamente para que nunca fosse até lá, e também é claro que garanti que não o faria. Porém, é óbvio que disse isso para tranqüilizá-los. Dois dias depois, já estava tomando as providências para percorrer aquela funesta e repelente estrada, ou simples corredor deprimente. Verifiquei que as terras em que se situava a mata pertenciam a um conhecido latifundiário, mas foram abandonadas, pois, além do horror natural da região, a pequena floresta era excessivamente fechada e aparentemente sem árvores de valor comercial. Portanto, foi mantida intacta. E creio que se alguém intentasse derrubá-la, não obteria êxito... Além do mais, todos os campos e banhados que circundavam o local, eram de uma absoluta tristeza funerária, irradiando uma insidiosa desolação. Era uma região estéril, improdutiva, que repeliria qualquer ser humano normal. Quanto a mim, não me enquadro nessa “normalidade”.

Como era impossível deslocar-se pela estreita, esburacada e pedregosa estrada com um veículo comum, consegui, com um tio, um cavalo firme e confiável. Respeito e admiro profundamente tais animais, pois sei que são nobres e de elevado espírito, conhecedores de vários mistérios da natureza. Logo ao vê-lo, percebi através de seus olhos que o animal era digno de minha amizade, ou eu era digno da sua.

No dia seguinte, muito cedo, partimos, somente eu e o cavalo. Percorremos cerca de 17 km, quando o ambiente principiou a modificar-se... O clima tornou-se obscuro e desolado, enchendo olhos e alma de uma tristeza dilacerante e angustiosa, que afligia intensamente o coração. Senti que o animal também sofria, mas ele, dando a entender que conhecia meus propósitos, prosseguiu com comovente determinação, tropeçando nas gigantescas e odiosas pedras do caminho. Sem ele, jamais teria conseguido... Ao meu redor, avistava infindáveis imensidões de um pampa maleficamente estranho, ressecado, dominado por infandos caraguatás secos e retorcidos. Havia algo como uma névoa cinzenta por todo o ambiente, e um pesaroso céu de chumbo cobria as pressagas coxilhas, tornando o ar tenso, opressivo, pesadamente vaporoso. Mais adiante, divisei fúnebres banhados e açudes de águas negras, exaladores de fétidos gases e podridões malignas, miasmas repulsivos. Ao redor dos mesmos, um sem-número de esqueletos de vacas, ovelhas e cavalos. Não avistei nenhum tipo de animal selvagem, a não ser urubus em alguns angicos mortos. Nem uma borboleta cruzou meu caminho. Avançando em meio à tristeza absoluta, às vezes, também sentia uma tétrica lufada de um vento gélido, ocasionando perturbadores arrepios. Finalmente, então, contemplei ao longe o princípio daquela mata infausta, e, para meu estarrecimento, lá estavam os dois agourentos vigias, cadavéricos, fantasmais, de imensos olhos grelados e aterradores. Não hesitei e, confiando na firmeza e na nobreza de meu amigo (que dificilmente encontraria em algum ser humano), acerquei-me dos seres enigmáticos. Claro que tive medo, mas minha insana inquietação falou mais alto, e dirigi-me a eles:

- Será que me permitiriam os senhores conhecer esta misteriosa mata, com a qual tanto tenho sonhado? Posso entrar?

Os graves vigilantes olharam-me por um tempo como que perscrutando meu mundo interior, analisando minhas íntimas intenções, e, por fim, proferiram com voz cavernosa:

- Como não tiveste medo de nós, entrarás, mas terás somente 14 minutos para falar com Ele. Nada mais.

Desci do cavalo e penetrei no mistério da mata. No início, permanecia o mesmo ambiente tétrico e pesado, mas à medida que avançava por entre o denso entrevero de árvores tortuosas e pela infinidade de arbustos, uma luminosidade apaziguadora e esperançosa, um brilho solar parecia surgir do desconhecido. Pela primeira vez em horas de caminhada, escutei magníficos cantos de pássaros, avistei fulgurantes borboletas, ouvia, sem ver, inúmeros animais dispararem velozes por entre a mata. As árvores eram agora enormes e frondosas, transmitindo profunda tranqüilidade. A floresta havia se transfigurado magicamente, adquirido uma beleza inexplicável, um clima transcendente. Senti uma paz de espírito que há muito perdera...

Instantes depois, entrei numa clareira. O dia era agora ensolarado e frio. Tive a impressão de que a mata era muito maior do que aparentava pelo exterior. Enquanto admirava a verdejante clareira perfumada, surgiu um homem de grande aspecto, trajando um longo pala negro e botas também negras, além de um chapéu cinzento. Trouxe dois pequenos bancos e, em seguida, uma chaleira e uma cuia de chimarrão. Com aspecto grave mas amistoso, pediu com voz calma e firme que eu sentasse, oferecendo-me um mate. Iniciamos, então, uma estranha conversa que perdurou por exatos 14 minutos, ao que pediu cortesmente que eu me retirasse da mata fantástica.

Entre outros assuntos, disse o esquisito gaúcho que ele era o guardião, algo como o capataz daquela floresta feérica, que deveria ser mantida e preservada a qualquer custo. Por isso, era exteriormente tão assombrosa, cercada de uma áurea de medo e maldição, para evitar que pessoas maléficas a devastassem, como fizeram com a região ao redor. Contou-me o gaúcho que todo o ambiente maligno e insalubre que percorri, em um tempo imemorial também foi belo e luminoso, mas que vieram homens imbecis e gananciosos, que exploraram monstruosamente o local, destruindo sem piedade em poucos anos o que a natureza levara milênios para criar. Aqueles homens eram como demônios... Desde então, a mata é implacavelmente protegida, é um refúgio para os seres inocentes da alma do mundo.

Enquanto o gaúcho falava, tive a impressão de estar sendo observado e, quando volvi os olhos, apenas vi alguns pequenos vultos inusitados que se ocultaram atrás das árvores. A conversa se encerrou com uma breve referência a um gigantesco planeta vermelho que estaria se aproximando da Terra em seu ciclo orbital, cujo terrível campo gravitacional traria morte e destruição jamais vistas. Ao fim, disse que eu poderia contar a quem quisesse sobre a mata e a conversa; ninguém acreditaria, julgariam tudo uma baboseira, pois, nas suas palavras,“o que querem é um mundo sem sonhos, um mundo sem alma...mas eu sinto o cheiro da Vingança, a vingança da Alma do Cosmos...” E despediu-se, com um semblante de imensa tristeza cósmica, tristeza que nunca vi igual. Seu vulto, de forma nítida, evaporou-se literalmente entre as árvores, ascendendo para o alto de uma enorme corticeira...

Meu Blog: www.poemasdoterminoecontosdofim.blogspot.com

Alessandro Reiffer
Enviado por Alessandro Reiffer em 23/09/2006
Reeditado em 23/09/2006
Código do texto: T247749