O QUE VEM COM A NOITE? Parte III

– Temos que ir lá fora – Felipe falou tocando meu braço e cortando o silêncio que se fez após a exposição de Jonas.

Concordei balançando a cabeça, mesmo durante o dia eu temia sair da casa, mas estávamos sem água, e havia um riacho próximo da casa e um pomar onde colhíamos frutas para complementar a comida que tínhamos. Felipe e eu pegamos os cantis e uma sacola e fomos, enquanto Tífane, Fred e Marisa ficaram com Jonas na casa.

O casarão ficava numa parte elevada, um imenso carvalho ficava em sua frente, lembrei logo da história de Jonas e um calafrio percorreu minha espinha quando olhei para a árvore, Felipe também pareceu não ficar à vontade. Descemos até o riacho primeiro, era uma das nascentes do rio principal que cortava o vale, era bem raso, lavei meu rosto e enchi os cantis. Quando levantei a cabeça vi mais abaixo no rio, na outra margem sob a sombra de uma árvore, uma vara de pescar fincada no chão com o anzol na água e um embornal sujo de barro. Caminhei até lá para ver mais de perto, o barro ainda estava fresco, alguém havia deixado isso lá recentemente, olhei em volta vasculhando a área.

Era um material muito simples, a vara era apenas um pedaço de bambu com a linha de anzol amarrada nela e o embornal era de saco com costura grosseira. “Devia ser de algum morador da região, ninguém que viesse tão longe para pescar traria material tão simples”, pensei comigo mesmo. Meus pensamentos foram interrompidos por um barulho vindo do embornal. Parecia haver alguma coisa viva dentro dele, abaixei-me lentamente para olhar quando ouvi uma voz rouca atrás de mim:

– Ei! Deixe meu peixe quieto, se quer um vá pescar!

Assustei-me e me virei para ver quem era, ao mesmo tempo me afastando de costas, mas não vi ninguém, tropecei e cai dentro do rio de costas, enquanto me debatia na água olhava de um lado para outro procurando quem havia gritado comigo, mas não vi nada:

– Maldito, está espantando os peixes! – gritou mais uma vez.

Quando consegui me equilibrar voltei para a outra margem, o embornal e a vara haviam sumido, fiquei estarrecido peguei os cantis e a sacola e me apressei para sair de lá, porém Felipe não estava na beira do rio, pensei em gritá-lo, mas tive medo de atrair atenções indesejadas. Comecei a ficar preocupado, cogitando que aqueles seres talvez o tivessem atacado de dia, mas acabei me acalmando quando ouvi a voz dele me chamando.

– Aqui!! – vi-o abanando os abraços de longe na beira do pomar. – dá uma olhada no que eu achei. São marcas de carroças, e estão bem recentes. Eu diria hoje bem cedo.

– Deve ser do velho – eu respondi gaguejando.

– Que velho? Está louco? – respondeu ele sem entender.

– Eu ouvi a voz dele, tinha uma vara de pescar e um embornal com um peixe, na margem do rio, mas depois tudo sumiu, eu ouvi a voz de um velho, mas não o vi.

Felipe ficou um pouco pensativo me olhando, depois olhou para as marcas no chão:

– Devem ser eles querendo nos enganar como fizeram com Jonas, é melhor voltarmos rápido, vamos pegar as frutas e sair daqui.

Colhemos as frutas em silêncio, Felipe estava com um semblante preocupado, ele era tão forte quanto Jonas, e era o único que ainda não tinha fraquejado. Mas eu percebia que ele estava a ponto de explodir, pois sempre que parecia que ele não ia agüentar ele cerrava os punhos com força e dava um soco forte em alguma coisa, e parecia conseguir manter a calma, e ele fez isso em uma árvore enquanto colhíamos três vezes.

Deixamos o pomar sem trocar uma palavra, como num acordo tácito decidimos não comentar sobre as coisas estranhas que havíamos presenciado em plena luz do dia. Era menos doloroso, motivo pelo qual nos mantivemos em silêncio. A caminhada de volta a casa pareceu mais longa, demoramos meia hora para voltar para o casarão, havíamos gastado dez minutos até o riacho e o pomar. Mas Felipe não pareceu perceber, e eu preferi não falar nada, talvez fosse meu cansaço que tornou a volta mais demorada.

Quando chegamos ao casarão Jonas parecia ter melhorado, mas Marisa estava deitada e não havia levantado desde cedo, estava queimando em febre e tremendo de frio. Contamos ao restante do grupo o que havia ocorrido no pomar e no riacho e decidimos que no outro dia sairíamos cedo para procurar alguma aldeia próxima. A noite se aproximava novamente, Tífane ficou ao Lado de Marisa no quarto enquanto nós permanecemos de olho em Jonas, apesar dele parecer bem melhor preferimos não arriscar. Fechamos as portas e as janelas do casarão e nos recolhemos para o quarto dos fundos.

Desde que estávamos encurralados naquela casa, aquela talvez tenha sido a pior das noites, logo que escureceu um frio terrível se abateu sobre a casa, um som de incontáveis pés se arrastando se aproximou da casa, Tífane começou a chorar e me abraçou:

– Vamos todos morrer, eles não param de falar na minha cabeça! O que vamos fazer?

– Acalme-se, vai ficar tudo bem querida, daqui a pouco o sol nascerá de novo e irão embora. Eles não podem entrar aqui, está tudo fechado. – retruquei tentando acalmá-la.

Tífane parecia ter começado a se acalmar quando Marisa se levantou e batendo na parede devagar, como se estivesse acompanhando o ritmo dos passos, começou a falar com uma voz esquisita:

– Não há porta que fique fechada para sempre. Um dia um de nós a abrirá, seja para fugir desesperado, seja para acabar com o tormento de esperar cada noite chegar, pois sempre haverá uma noite após cada dia de sol.

Ao terminar Marisa começou a rir alto, o som de várias garras arranhando as paredes do lado de fora preencheram nossos ouvidos. Jonas se levantou nervoso gritando:

– Cala essa boca Marisa!!

Ela continuou rindo alto, e os arranhados começaram a ser acompanhados de sussurros incompreensíveis deixando Jonas mais nervoso.

– Eu já disse para parar sua bruxa!!

– Acalme-se Jonas – falou Felipe quase sussurrando.

Inesperadamente Jonas partiu para cima de Marisa acertando um soco na cara dela, fazendo-a cair no chão. Felipe segura o agressor puxando-o para traz e logo recebeu ajuda de Fred. Um silêncio profundo se abateu sobre a casa, arranhados e sussurros cessaram, apenas a voz de Jonas cortava o silêncio:

– Ela está querendo abrir a porta, ela quer que eles entrem, eu não vou deixar!! Eles estão controlando ela – Jonas deu uma pausa e olhou para todos os cantos – onde está Alicia? Ela estava aqui agora mesmo.

Getúlio Costa
Enviado por Getúlio Costa em 03/08/2010
Código do texto: T2415723
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