O QUE VEM COM A NOITE? Parte I
A noite caía novamente no vale, logo eles chegariam, meu coração estava acelerado. Eu contemplava da janela os últimos raios de sol banhando a copa das árvores e ao longe uma pequena estrada que levava ao fim daquela região maldita. Mas não havia como deixar o vale sem uma condução, a pé não alcançaríamos a borda dele antes do próximo anoitecer, mesmo que saíssemos ao primeiro raio de sol. Eles com certeza nos pegariam, e lá fora não teríamos chance alguma, portanto era melhor ficar protegido dentro do velho casarão onde eles parecem não poder entrar.
Quem são eles? Não faço a menor idéia, seres feitos de medos, pesadelos talvez. Primeiro vieram em nossos sonhos, sempre que a noite caía, mas depois começaram a rastejar por todo o vale, daqueles de nós que tentaram fugir só pudemos ouvir seus gritos de agonia ecoando entre as montanhas, depois um manto de silêncio.
Fechei a porta da sacada, barrei com uma mesa, e desci as escadas para a sala onde estavam os outros. Tífane, minha noiva, e o irmão dela Fred estavam fechando as janelas de baixo, Marisa, amiga de Tífane, estava encolhida no sofá tremendo de medo, Felipe e Jonas estavam barrando a porta com os móveis, corri para ajudar no que eu podia.
– Onde você estava? – perguntou Tífane aborrecida.
– Fechando a sacada – respondi sem muitas explicações. – estávamos todos tensos naqueles dias, era melhor evitar qualquer discussão.
De repente Jonas ficou inquieto, andou pela casa correndo como um louco. Tropeçou e caiu e logo levantou chorando como uma criança.
– Onde ela está? Onde ela está? – ele perguntava sem parar.
– Quem você está procurando Jonas? – perguntou Fred tentando acalmá-lo.
– Alicia, minha irmã, onde ela está?
Já havia começado, estavam mexendo com a cabeça dele, era assim que agiam, não podiam entrar na casa, então tentavam nos atrair para fora. Alicia já havia morrido uma semana atrás, com o grupo que tentou abandonar o Vale. Aqueles seres já haviam usado esse truque com meu melhor amigo Antônio, ele olhou pela janela e viu Susan, sua namorada, correndo pedindo ajuda, não pensou duas vezes antes de ir ao encontro dela quebrando e pulando a janela, nunca mais o vimos.
– Acalme-se Jonas – gritou Felipe segurando o amigo pelos braços e o sacudindo – ou você vai ter o mesmo destino que os outros, Alicia está morta!!!
Jonas se irritou e empurrou Felipe no chão gritando:
– Tenho que ir atrás dela, ela está lá fora posso ouvir a voz dela pedindo socorro, vocês não estão ouvindo?
Depois disso Jonas começou a chorar desesperadamente. Ele era uma pessoa equilibrada, de todos sempre foi o mais sensato, desde o início foi contra acamparmos nesse vale. Quando os pesadelos começaram tentou nos convencer a ir embora, mas ninguém deu ouvido a ele. Vocês sabem como é, os pesadelos só nos causam medo na hora de dormir, depois, ao raiar de cada dia, eles vão embora e não nos afligem mais, até a próxima noite. Mas quando Junior, o mais velho do grupo desapareceu na noite sombria, foi Jonas que manteve a calma e nos levou para aquela casa. Por isso era desesperador vê-lo naquela situação.
Tífane sentou num canto e começou a chorar enquanto tentávamos acalmar Jonas, Fred e Felipe conseguiram segura-lo enquanto eu tentava acalmá-lo, tentei pensar no que ele faria nessas horas, sua estratégia era sempre acalmar a pessoas com aquilo que ela queria, ou precisava, ouvir:
– Acalme-se Jonas, Alicia deve ter encontrado algum abrigo na floresta. Ela deve estar bem escondida, se formos até lá podemos revelar o esconderijo dela e colocá-la em risco – ele pareceu acalmar-se, então prossegui – você sabe como ela é esperta, eles não vão pegá-la tão facilmente. Amanhã cedo nós vamos procurá-la tudo bem?
Ele balançou a cabeça em sinal positivo e parou de se debater, Fred e Felipe o soltaram e ele sentou-se no sofá meio sonolento balbuciando:
– Estou cansado, amanhã cedo vamos atrás de minha irmãzinha então.
Todos respiraram aliviados, mas nosso alívio foi cortado pelos barulhos lá fora. Toda noite era a mesma coisa, sussurros clamando pelos nossos nomes, várias vozes e dentre elas, as vezes, podíamos distinguir a de nossos amigos mortos. Era perturbador, aquela situação estava me fazendo beirar a loucura, eram palavras de carinho entrecortadas por clamores de ajuda e palavras de ameaça.
Algumas vezes eu tinha a sensação de ter dormido e não acordado mais, preso em um incessante despertar de um sono eterno. Era como um pesadelo coletivo, mas durante as noites sem dormir, sozinho com meus pensamentos eu sentia que era apenas meu pesadelo, meus amigos já estavam acordados, vivendo suas vidas e eu estava fadado a ficar ali, sozinho.
– Vamos pessoal, vamos ver se conseguimos dormir um pouco – foi Tífane quem chamou.
Estávamos em um grande casarão no meio daquele vale, era todo feito de madeira, e embora fosse bem velho, estava conservado. Mas tinha muitas portas e janelas, e qualquer uma que estiver aberta é um convite para eles entrarem, descobrimos isso da pior maneira quando Jane, a caçula do grupo foi arrastada por uma janela que ficara aberta. Depois desse dia isolamos todo a casarão deixando apenas a sala da frente, a cozinha e o quarto principal do segundo andar acessível. Após fechar tudo, pouco antes do escurecer, nós sempre dormíamos em um quarto nos fundos, ao lado da cozinha. Parecia ser um quarto de empregados, tinham bastantes colchões lá e alguns cobertores.
De lá ouvíamos a noite toda, sussurros, e depois os arranhados nas paredes e nas portas e janelas. Apenas Fred conseguia dormir a noite toda, sempre fora um dorminhoco. Tífane tentava abafar seu choro para não perturbar os demais, e eu passava a noite olhando para a única porta do aposento e só pregava os olhos pouco antes do amanhecer. Mas naquela noite eu estava exaurido, e dormi rápido, mas um sono leve, às cinco da manhã despertei. Todos ainda dormiam, exceto Jonas, que não se encontrava no quarto.
Levantei correndo e corri para procurá-lo, todas as portas de baixo estavam lacradas, então senti uma brisa vinda da escada e subi para conferir a porta da sacada, antes de chegar ao topo da escada desacelerei o passo desolado ao ver a porta aberta, com os primeiros raios de sol entrando por ela. Jonas havia nos deixado, contive o choro.