PORQUE TRAÍ

À VERGONHA DOS QUE TRAÍRAM E NÃO MOSTRARAM A CARA. AO MEDO DESSES QUE SE ENTREGARAM A UMA MORTE DE MENTIRA. MENTIRA. MENTIRA. COMO A MENTIRA DA PALAVRA E A MENTIRA DO FAZER. DEDICADO AOS QUE FIZERAM DO “EU TE AMO” MAIS UMA GRANDE MENTIRA EM SUAS VIDAS. E SE TRAÍRAM.

EU TENTAVA FUGIR. EU ALTERNAVA A FACA. O GUME A SER INTRODUZIDO. NA VIRILHA. NA MINHA VIDA PARA SER MORTE. SEM NENHUM CHAMADO. SEM NADA A PERDER. VISLUMBRAR O SENTIMENTO SE ESVAINDO PELAS VEIAS. EM VÃO. EU DEITADO NO CHÃO. FETO RETROCENDENDO ALÉM DA PRÓPRIA MORTE. CHORO! CHOVE SOBRE MEU CORPO. CHOVE. MOLHAM MINHAS LÁGRIMAS, MEUS ANOS PASSADOS NA ESCURIDÃO. A ESCURIDÃO UTERINA E GELADA. EU AGACHADO NA MÃO DE UM PAI QUALQUER. UM DEUS DE MENTIRA. UM HERÓI VIL. TUDO AO CONTRÁRIO NOS DIAS DE HOJE. HOJE! O DIA EM QUE ESCOLHI PARA MORRER. PARA OBSERVAR, COM ENCANTO, MEU SANGUE CORRER, SE MISTURAR A PUREZA DO ÁGUA E IR PRO RALO. RALO COMO MINHA VIDA. ROLANDO, COMO UM RIO. CHOVE SOBRE MIM. AGUA QUENTE. AQUECIMENTO GLOBAL. É O CHUVEIRO. CHUVA. ÁGUA INDO PRO BUEIRO. EU DEITADO ALI SEM SABER MEU NOME. COM FRIO, COM FOME, NA POSIÇÃO FRÁGIL DO FETO. CHUPANDO O DEDÃO. DO PÉ. ABORTO. É O QUE SOU. INSENSÍVEL COM TODA A MINHA SENSIBILIDADE. OH! ONDE HÁ ALMA NUM CORPO NESSE UNIVERSO. OH! SÓ NO MEU BANHEIRO. TERRA SUJA, DONDE AGUA VAI SE ESVAINDO. VOMITANDO EM CIMA DE MIM. O CHUVEIRO COMO QUE A CEBEÇA DO ALIEN. O OITAVO. CONTAGEM REGRESSIVA. CINCO, QUATRO, TRÊS, DOIS, UM! VAZIO. NENHUMA VOZ A ME CALAR. NENHUM SILENCIO A EXORTAR MINHA VIDA. SEM VOZ! O MUNDO SEM VOZ. UM BANHO DE MORTE. O SANGUE, BELO. UM FILETE SINGELO NA ÁGUA. NO RODAMOINHO. NO MEU CORAÇÃO QUE BOMBEIA TUDO PRA FORA. BOMBARDEIA. ABRE-E-FECHA-E-FAZ-ABSORVER. A MORTE! EU A ABSORVO COM O NARIZ. EU A ENGULO COM OS ORIFÍCIOS. MAS SEU OFÍCIO NÃO É ME LEVAR. É RAREAR A ÁGUA. A ÁGUA QUE MATA A SEDE DO MUNDO. NÃO QUER ME MATAR. LIXO, ELA PREFERE O GENOCÍDIO SEDENTO. MEU SANGUE ESCORRE. TÃO RARO QUANTO A AGUA. TÃO RARO COMO O SORRISO. FELIZ? SIM. NÃO MATA A MINHA SEDE. NÃO CEDE DOBRE MIM. A ÁGUA SOBRE MIM. A ESCOLHA DO DIA D. “DA MORTE”. MINHA! ESPERANÇA. PARTO. NÃO DA VIDA. MAS DO FETO A SAIR. À LUZ. PARTO. QUANTOS DIAS, QUANTAS HORAS, QUANTOS MINUTOS FIQUEI DEBAIXO D’ÁGUA? MINHA PELE SE ENCHEU DE RUGAS. VELHICE... NÃO! NÃO FORAM TANTOS ANOS. APENAS O TEMPO DA CAIXA D’ÁGUA DO BAIRRO SE ESVAZIAR. MINHA CHUVA DE MENTIRA. MINHA VIDA IMITADA. MEU CALOR SIMULACRIZADO. DENTRO DA PLACENTA, ENVOLTO POR SANGUE. SANGUE QUE ESTANCOU. FERIMENTO COAGULADO. ÁGUA. ÁGUA. SANGUE. VERME. VERMELHO. RALO. NADA ME RESTA. A NÃO SER LEVANTAR. E ENFRENTAR A CARA HORRÍVEL. NÃO DA MORTE. MAS DO ESPELHO. QUE REVELA UMA CRIATURA VIL. UM HERÓI SEM MÁSCARA, UMA DOR INCURÁVEL. O ESPELHO FICA EMBAÇADO, HÁLITO DA AGUA QUENTE. VAPOR. MEU ASPECTO DIFUSO E TOTAL. MEU EU SE EVAPORANDO SEM DISTORÇÃO. O DESEJO FOGE. REAGE ÀQUELA MASCARA GASOSA. MEU SANGUE SÓLIDO. MEU CORPO LÍQUIDO. UM MONSTRO ESTÁ POR TRAS DO VAPOR. MOLÉCULAS DE ÁGUA. SE FICAR POR MUITO TEMPO ELAS VIRAM LÁGRIMAS. FICO MAIS HUMANO. DETURPADAMENTE. JÁ AS MINHAS, LÁGRIMAS, ESCORRERAM PELO RALO. SÓ RESTA O RESTO. O VIVER A VIDA. O PARTIR. O PARTO. A VIDA, ENFIM, A MORTE. MAS NÃO TENHO SORTE EM ESCORER. RESTA-ME MEU ROSTO. QUE NUNCA HEI DE VER. DE VERGONHA. DE MEDO. DE MISTÉRIO. PORQUE TRAÍ.

DominiCke Obliterum
Enviado por DominiCke Obliterum em 07/07/2010
Código do texto: T2363846
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