Diário de Guerra

Percebi que teria total sucesso na empreitada da noite quando notei a morte por perto. Ela não perderia seu tempo rondando aquele lugar se algo não estivesse por acontecer. Isso fez com que me empenhasse com mais ardor ainda à tarefa. E a tarefa se chamava Rômulo, o grande Rômulo.

Ele não passava de um grande bebum metido a valente que tinha como passatempo favorito ficar postado no balcão daquele bar de periferia encarando com seus olhos raivosos quem quer que se aproxime. Isso o dava poder, o único poder que alguém de caráter tão fracassado poderia vir a almejar.

Tudo começou naquela tarde, quando uma fofoca entre duas de suas vizinhas me deu a melhor das idéias para criar um pouco de diversão. Falavam que a esposa de Rômulo o teria traído em um pagode na noite anterior. Ouvi tudo e esperei que se separassem para me achegar com a que parecia mais propensa a uma conversa comigo.

- E ai, Joana. – Falei – Que tal contar tudo isso ao Rômulo?

- Não vou fazer, claro que não. Nem é da minha conta o que a mulher dele anda fazendo por ai, e ele nem vai acreditar em mim.

- Claro que ele vai acreditar, você não é mulher de andar com mentiras. Além do mais, se ele duvidar é só mandar ele ir perguntar ao Rogério, o homem que ficou com ela.

- Tem razão, e além do mais, aquela zinha até merece isso né?

- E como merece.- Enfatizei.

A semente estava plantada. Quando Rômulo chegou do trabalho Joana correu a chamá-lo para uma conversa particular. Contou tudo sobre o Ricardão e disse que poderia encontrar o dito cujo no Bar do Tinoco. Rômulo não perdeu tempo, a mulher ainda não havia chegado da casa de família onde era doméstica, ele iria ajustar as contas com o Rogério, depois cuidaria dela.

Eu só não contava com a covardia daquele homenzarrão, pensei que não teria dificuldades quando puxei assunto com ele:

- Rômulo, meu velho, é hoje, ótima dia para comer Ricardão retalhado não acha?

- Claro, mas nem sei se foi verdade, essa Joana é uma fuxiqueira, já me disseram isso dela.

- A Joana não iria mentir para um homem forte e valente como você Rômulo, por mais que ela goste de contar histórias, não iria se arriscar tanto.

- É, homem forte e valente, eu. Ela não iria, você acha isso mesmo?

- Não apenas acho como tenho absoluta certeza. A única coisa que não tenho certeza é de que você honrará a fama de macho que tem lavando sua honra nessa história.

- Vou honrar, vou sim. Mas nunca é demais querer ter certeza.

E assim foi a conversa se alongando, ele sempre duvidando e querendo mais certeza. Sua dúvida aumentou mais ainda quando viu no bar o Rogério cercado por 12 amigos, fazendo alguma espécie de comemoração. Precisava providenciar uma arma para aquele molenga. Consegui isso convencendo um velho policial de como seria mais cômodo tomar sua cerveja se afrouxasse um pouco o coldre de sua pistola, que já estava incomodando após 12 horas ininterruptas de serviço. Rômulo não sabia atirar, mas eu cuidaria disso.

Foi quando o policial afrouxou o coldre que vi a morte chegando. Notei que a hora havia chegado e dei o golpe de misericórdia, voltei minha voz macia para Rômulo e mostrei-lhe a arma. Se fosse rápido o policial não iria conseguir impedi-lo.

Seus olhos vermelhos de homem bêbado traído olharam a arma com muita atenção. Por um momento pensei que ainda teria que conversar mais um pouco para convencê-lo. Mas, de súbito, ele puxou a arma com força da cintura do policial, que ficou atônico quando tentou tomá-la a tempo e não conseguiu.

- Atire em todos eles, Rômulo, atire nesses miseráveis para pagarem por sua dor! – Bradei ferozmente para ele, nos milésimos de segundo em que todos os olharam aterrorizados sem saber o que ele faria.

O que ele fez foi muito rápido, mas deu tempo de soltar uma última frase para todos ouvirem:

- Um desgraçado a menos no mundo. – Falou enquanto enfiava a arma na própria boca e atirava.

Com os pedaços de seus miolos, voaram toda a minha empolgação. Estava paralisado de surpresa quando a morte se aproximou sem pressa para fazer seu serviço.

- Coisa feia o que você fez hein? Mas não se deu bem afinal. – Me falou o Ceifador.

- Não venha me dar lições de moral papa-defuntos. O que posso fazer se depois que você levou Hitler e minha maior obra nesse mundo se encerrou restaram apenas serviços pequenos?

- Até te entendo. Mas, francamente, você não consegue mais nem provocar uma briga de bar? Esperava mais de você Guerra.

- Seus insultos não me abalam, não tenho culpas se o imbecil era um suicida. – Respondi enquanto cortava a conversa e me afastava.

Eu até entendia o Ceifador em me provocar. Ninguém nunca deu tanto trabalho a ele quanto eu. Sou a maior causadora de mortes que já existiu. Guerra. Alexandre, Napoleão, Hitler, todos manipulados por mim. Mas esta cada vez mais difícil arranjar um grande líder belicista. Tentei tempos atrás com um tal de Bush, mas a burrice do sujeitinho era tanta que parece até que me contagiou. O Ceifador tinha até razão. Uma briga de bar? Olhe bem para você Guerra: falhando em uma briga de bar. Preciso me cuidar. E como preciso. Daqui a pouco estarei organizando rodinhas de pancada no jardim de infância.

Ian Morais
Enviado por Ian Morais em 28/06/2010
Reeditado em 28/06/2010
Código do texto: T2347100
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