A macieira

Parte I

É preciso que se saiba tirar proveito de cada situação, não é por causa que uma situação seja bastante difícil que não se possa tirar nada proveitoso dela. Como uma vela acesa no meio de uma sala toda iluminada, se luz acabar, ela imediatamente se torna importante, deixando para trás seu status de irrelevância. Em uma guerra mundial, as pessoas acreditam que nada de bom pode ser aproveitado, milhares de corpos empilhados e muitas famílias destruídas, cabe ao nosso juízo julgar o que aproveitar dessa situação?

Após a primeira grande guerra mundial, devido ao grande número de soldados desfigurados, a cirurgia plástica passou a ser usada em grande escala, passou de uma prática pouco usada a especialidade médica, ganhou a mídia e passou a ser importante, evoluiu e desde então novas técnicas estão sempre sendo desenvolvidas e elaboradas. na Índia e Roma antiga já eram praticadas a rinoplastia e a otoplastia, mas como uma prática pouco difundida e bem amadora. Durante a primeira grande guerra, rostos inteiros eram reformados, reconstruídos, não cabe a mínima comparação.

Em um hospital comum são poucos os casos específicos de um trauma qualquer, em uma grande guerra são milhares por dia, experiência a céu aberto. Se existe na teoria, vamos para a prática. Evoluímos bastante em tempos de guerra. Descoberta de tipos sanguíneos que não são compatíveis, morfina para aplacar o sofrimento do soldado e permitir a operação ali mesmo no campo de batalha, o anti-coagulante para as transfusões de sangue, a haste metálica introduzida no osso, ajudando assim a calcificação e a recuperação total do membro injuriado.

Isso apenas em se tratando de medicina, existem avanços tecnológicos, químicos, físicos, até econômicos, sociais e ideológicos. Quando a guerra entrar em ação, uma vela acesa em cada sala iluminada esperando que a luz acabe. Milhares de velas sendo acesas por pessoas, velando os mortos. A queda de braço do bem x mal, se é necessário ou não, não tem como saber. Aquela vela acesa na sala toda iluminada permanecerá assim para sempre, sua chama não vai se extinguir.

Sturgis se encontrava sentado, terminava de fumar um cigarro, alguns homens estavam sentados também, jogando porrinha. O clima era de descontração, embora aquele lugar não fosse para isso, em meio a uma guerra é necessário estar atento a todos os instantes, o que aconteceu a eles não foi culpa do seu tenente. Sturgis foi o único sobrevivente, a culpa foi da falta de sorte, eles foram escolhidos aleatoriamente pelo azar.

O cerco a capital daquele país já ia completar o segundo aniversário, poucos combates eram travados, os soldados andavam entediados, sentiam saudades de casa, da família, da sua cama quente, estavam no meio de um rigoroso inverno. A neve caía, os soldados faziam o que pudiam para o tempo passar e se aquecer do frio. Sturgis olhava seus homens entretidos no jogo:

- Cinco!

E eis o vencedor da rodada, ele é saudado com tapas na cabeça, todos rindo, na medida do possível felizes, o jogo talvez fosse o momento que eles tinham para levar o pensamento longe daquele lugar, do inferno. Nenhum deles no jogo percebeu aquela movimentação estranha, aquela que não era para estar acontecendo. Somento Sturgis, homem experiente notou, ouvidos aguçados, seu cargo de tenente não era à toa, já tinha conquistado medalhas e prestígio em combates. Ele se levanta da pedra aonde estava sentado e faz o característico barulho "psiu" para que seus homens se calem. Eles obedecem, percebem que o líder estava nervoso, com um gesto faz com que todos catem as armas e estejam preparados para o combate. Volta a fazer sinais e seus homens o seguem, depois cada um assume sua posição, são homens bem treinados, sabem o que fazer. Sturgis tem um mau pressentimento, não quer arriscar a vida de seus homens e acaba salvando a sua vida, mesmo que sem querer. O fato: Sturgis corre para o meio da mata em busca de tentar descobrir a posição do inimigo, poucos segundos depois, uma bomba explode exatamente aonde eles estavam. Sturgis cai desacordado.

Vento frio, sereno, sem neve agora, o rosto virado para o chão molhado, estrelas dando o ar da graça, o vento chacoalhando as folhas, parece fazer com que o bravo soldado acorde. Um grande zumbido faz com que se sinta bastante tonto, demora a perceber que se encontra em uma guerra, não está em casa, não estava deitado em sua cama, nem a sua mãe que o veio acordar para a escola, foi a bomba. Ele sente muitas dores, coloca a mão no rosto, sangue, muito sangue. Agora ele começa a se lembrar que a bomba caiu no lugar aonde ele estava poucos minutos antes, no lugar onde seus homens estavam, estão... Será que mortos? Sturgis se apressa e cambaleia de encontro a eles.

Parecia a cena desesperadora de uma peça trágica, reconhecia cada homem ali caído, cada um deles tinha uma família, tinha uma história. Sturgis sabia a história de cada um. Estavam sempre juntos, passavam o dia inteiro juntos, contando histórias, foram assim nos quase dois anos que ali estavam. A união fora desfeita, aturdido o bravo tenente chora, balbucia algumas palavras como: "culpa", "remorso", "não era para ter acontecido". Bravos soldados caídos, reduzidos a pedaços, ele vai até o corpo de cada um para fazer o sinal da cruz e rezar uma pequena prece de despedida, é o melhor que pode fazer por eles. Vai no primeiro, vai no segundo, uma surpresa no terceiro. Quando Sturgis se aproximou, o soldado caído arfou e agarrou a sua mão.

- Tenente. - Falou com uma voz muito fraca.

O tenente espantado olhava para o seu soldado, não tinha mais as pernas, a cintura acabava em um misto de carne e tripas, um milagre ainda estar respirando. Sturgis se abaixou para ouvir.

- Por favor, diga a minha mulher que a amo. Estou com medo de morrer. - Lutava para conseguir liberar cada palavra, mas no fim conseguiu passar o recado.

- Não se preocupe, vou falar com ela, descanse.

Ficou ali com aquele soldado por mais alguns minutos, até que sua respiração chegasse ao fim, fez com ele o mesmo rito que tinha feito com os demais. Não se sentia forte, seu rosto sangrava bastante, sua cabeça doía muito, cambaleava de soldado em soldado, queria acabar com aquilo que se propunha a fazer, não queria parar no meio, deixando assim um dos seus homens desamparados. Estava com a impressão que iria desabar a qualquer momento. Tirou uma força de onde não podia mais para concluir suas preces, caiu desacordado. Poucas horas mais tarde uma equipe de resgate passou recolhendo os corpos, apenas um tinha sobrevivido desse grupo a quem sabe o último grande ataque dos sitiados, a guerra estava indo para o seu final, eles só iriam precisar de um pouco mais de paciência.

Parte II

Vamos abrir um espaço agora para o que pode ser chamado de legítima guerra nesse mundo: Bem x Mal. Tudo anda resumido nesse embate: Céu x Inferno. O mal por diversas vezes está enraizado em um lar do bem, no coração do justo, que com uma atitude de aparente bondade, na verdade está a serviço do mal. O bem e o mal só ganha o seu espaço quando a sociedade se junta para definir um padrão. Talvez o verdadeiro mal se arraste por trás do aparente mal, que na verdade é o bem que foi erroneamente confundido. Ele não vai tirar o chapéu e ficar satisfeito com essa situação.

O mal estava se escondendo, enquanto todos olhavam para a grande barbárie, ele estava lá, era a peça principal, ninguém deu a menor importância e ele conquistou o seu objetivo, imperceptível. A guerra em busca de adeptos, um ponto para o bem, um ponto para o mal. Passe a sacola e faça a sua doação em prol de um dos lados. Um é descarado, o outro ardiloso. Tomamos sempre como partido um dos lados, nem avaliamos o outro, nascemos já ouvindo a que lado seguir, se o outro não fosse inteligente e ardiloso, a batalha seria desleal. Batalhador que não se entrega nunca, o outro banhado em parcimônia, fazendo a balança pender para o equilíbrio.

O dado foi lançado, a sorte está pairando no ar, a caçada continua pelo tempo e continuará indefinidamente.

Era um quadro enorme, dois metros de comprimento por um metro de meio de altura, além de um barril, uma cadeira e um cavalete, era o único móvel daquela sala imunda e sem luz. O fogo crepitava dentro do barril, servia para aquecer aquele velho artista e as quatro crianças sentadas no chão. o velho tinha a mão no queixo, semblante contemplativo, admirava o quadro a bastante tempo finalizado.

Representava um típico fim de tarde no campo, o sol ao fundo quase se escondendo atrás dos montes, o céu com uma tonalidade rosada, poucas nuvens para atrapalhar. É possível notar duas aves voando juntas, mas isso são apenas detalhes, o que é importante é a imponente árvore ao centro, uma macieira frondosa. Seus frutos de um vermelho vivo que chamava a atenção de qualquer um, saltava as vistas. O tronco da árvore bastante detalhado, dava a impressão que a pintura era na verdade uma fotografia, méritos do artista.

O velho pintor não estava contemplando o quadro, esperava novas instruções e arregalou os olhos quando aquele pé saiu de trás da macieira. Não era um pé normal, era deformado, grande, unhas enormes em apenas três dedos retorcidos, tinha uma coloração acizentada. O coração pulsou forte quando ele ouviu as primeiras palavras:

- Vá lá fora agora e me traga a quinta criança, a nossa cerimônia não pode demorar muito para acontecer, será na próxima virada de fase da lua. Corra, paspalho, a criança chora.

O velho se levanta da cadeira e pega apressado o seu chapéu, nenhuma criança ouviu as misteriosa voz, mas se ouvissem nem se importariam, eram órfãos, não tinham mais lar, não tinham o que comer, aquele bondoso velho oferecia um teto aonde poderiam se esquentar do frio e comer, a sopa era muito rala, mas mesmo assim ajudava a aplacar um pouco a fome, era melhor do que nada, ajudava a sobreviver.

Recolhido e removido a um hospital. Passou por diversas cirurgias plásticas de reconstrução facial, estilhaços da bomba que matara seus homens, quase o mataram também. Sua orelha esquerda tinha sido arrancada e seu nariz tinha sumido, no lugar um grande buraco, revelando ossos e músculos. Um verdadeiro milagre os olhos terem permanecido intactos. Sua aparência quando chegou ao hospital era assustadora, mas nada que os médicos já não estivessem acostumados, caso como o do tenente Sturgis era corriqueiro, tinha aos montes. O médico responsável pelas cirurgias sempre batia na mesa irritado com os novos casos: "maldita guerra", ele gritava. Sentia mais compaixão que orgulho, essa guerra tinha que chegar logo ao fim.

Em meio alguns sons de bala perdida e explosões ao fundo, o choro de uma criança chamou a atenção do pintor. Era um menino loiro, aparentava ter oito anos no máximo, Provavelmente mais um órfão abandonado a própria sorte e, era uma sorte ainda estar vivo. As pessoas aos poucos foram perdendo o juízo, dando trabalho ao exército sitiado que pouco podia fazer, aos poucos eles iam sucumbindo, a derrota era questão de dias, eles precisam de um milagre. O general se mantinha esperançoso, mas era bem provável que tinha embarcado no delírio coletivo, senil, não julgava bem as coisas. Dia a dia um soldado acabava deserdando e se entregando ao inimigo, embora não fosse lá muito honroso, era o mais sensato a ser feito.

A criança chorava e tremia de frio, seu casaco de lã estava todo puído e só aquele casaquinho não era páreo para o frio que fazia, seu nariz escorria um pouco, mas o catarro logo se congelava, obrigando o menino a quebrar o gelo. Um cuspe nessas temperaturas vira uma pedra de gelo antes de tocar o solo. O inverno durava seis meses, o que era um castigo. O artista tocou o ombro do garoto que o olhou assustado.

- Quer vir comigo? Perguntou o pintor.

Não tinha nada a perder, o garotinho levantou a mão e foi embora com o senhor, nada poderia ser pior que congelar até a morte.

Três meses foi o tempo aproximado que ele ficou se recuperando no hospital, seria um exagero dizer que o país estava esperando pela sua recuperação, para que voltasse logo ao front. Todos os bons homens eram necessários para que a guerra chegasse logo ao fim. Sturgis olhava suas cicatrizes no espelho, andava com um péssimo humor ultimamente. Namorava uma mulher muito mais jovem, uma dessas fúteis que liga apenas para as aparências, tinha quase certeza que iria abandona-lo, se é que já não fizera, fazia tempos que não recebia notícias dela: "Que se foda, sou agora um homem marcado por toda a vida". Enquanto lavava o rosto no banheiro, escutou alguns cochichos, secou o rosto e vestiu uma camisa, saiu do pequeno banheiro do seu quarto de hospital.

- Parabéns para você, nessa data querida!! - Todos cantavam em coro.

Era o dia da alta e coincidentemente o seu aniversário de 32 anos. Queria poder estar em casa nessa comemoração, mas estava prestes a voltar para o inferno. Em outros tempos, iriam reclamar que era uma injustiça ser mandado de volta a guerra, que era insano, mas os tempos são diferentes agora, toda a ajuda é bem vinda e não pode ser desperdiçada. Era um bolo pequeno confeitado, estavam presentes o seu médico, o psicólogo, duas enfermeiras e alguns soldados que ali se recuperavam dos ferimentos de guerra. Não conseguia esconder que estava emocionado.

Parte III

Um dos rituais mais primitivos talvez seja o canibalismo, matar ou se aproveitar da morte de um semelhante para degustar a sua carne. Isso se explica quando o ser é irracional ou até mesmo quando se encontra em uma tribo perdida no meio do nada, sem o conhecimento de valores éticos e morais. Mas quando essa coisa absurda acontece com um vizinho nosso, o alarme soa, ficamos chocados, isso se torna a capa de jornais e corre o mundo, desnudando assim o que há de pior no ser humano, mostrando a verdade nua e crua, a carne que não foi assada. Mas tudo isso que foi falado apenas se aplica nos casos extremos de violência, como um serial killer. O canibalismo nos apresenta alguns fatores históricos.

Antropofagia, em sociedade muito antigas, prisioneiros de guerra serviam de alimento, para eles era uma coisa corriqueira, nada demais. Muitas dessas tribos acreditava que você comendo uma pessoa, acabaria adquirindo o seu poder, aumentando com isso a sua força. Não existia nenhum valor ético que pudesse impedir tal prática e isso continuar acontecendo. Na nossa sociedade atual alguns casos aconteceram mas apenas em ocasiões limítrofes, especialmente em casos de guerra. Em uma terra gelada, cidades sitiadas, plantações queimadas, a comida se tornava bastante escassa, o que obrigava sitiados e os que sitiavam a recorrerem aos corpos dos companheiros como único meio de conseguirem escapar com vida.

Em nosso país um crime que chocou, um casal matava pessoas e as transformava em linguiça, eram donos de um açougue, muitas pessoas comeram carne humana sem saber. Dizem que o gosto é muito parecido com carne de porco, será que já experimentamos sem saber?

"Existiam rumores sobre a prática do canibalismo, mas nada iria nos preparar para a barbárie que presenciamos."

Tenente Alexander Sturgis

"O canibalismo já foi praticado ao longo dos séculos, na maioria das vezes em tempos de guerra, a famosa luta pela sobrevivência. O que choca é que são pessoas como os nossos parentes e vizinhos."

Otto Hitspelbagger

As cinco crianças estavam sentadas em volta do barril que servia de fogueira, ainda não tinham se alimentado, a barriga roncava, sabiam que não ia demorar muito para que o bondoso senhor as servisse. O pintor sentado em sua cadeira olhava fixamente para o quadro, esperava. A espera não demorou muito, dessa vez uma perna inteira e não apenas um pé saiu de trás do tronco da macieira, era uma perna bem torneada, com alguns caroços brotando embaixo da pele, coloração acizentada, a criatura pronunciou:

- Vá, velho. Você sabe o que fazer.

Coçou a cabeça, entristecido levantou da cadeira, faz carinho na cabeça de cada uma das crianças e disse que iria preparar a sopa, as crianças agradeceram felizes, era a melhor hora do dia.

- Anda, velho!! - Rosnou a criatura.

Ele se apressou. Na pequena cozinha, enquanto colocava algumas batatas para cozinhar, pediu perdão a Deus, queria que sua alma fosse recebida após a morte, era apenas o alvo de uma criatura maldosa, torpe. De dentro de um armário ele tirou alguns comprimidos: "criatura ardilosa", ele pensava. Rezando baixinho ele continuou preparando a sopa.

O reforço tinha chegado na hora exata, Sturgis agora liderava novos homens, já se encontravam dentro da capital, os sitiados perderam um pouco da força, o que proporcionou uma invasão, isso já era previsto, iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Mas nenhum soldado estava preparado para as cenas que presenciaram. A capital era um mar de sangue, soldados escondidos em casas, torres, igrejas abandonadas, de tocaia, a guerra entrava agora em uma nova fase, civis ensandecidos pulavam nos pés dos soldados invasores, imploravam por comida e ajuda, os soldados naquele momento pouco podiam fazer, também passavam fome e estavam completamente expostos a doenças de todos os tipos e ao fogo dos seus inimigos.

Sturgis vomitou pouco depois de ter entrado na cidade, não viu uma ou duas e sim várias pessoas comendo um companheiro. Pais comendo os filhos, um marido comendo a mulher, um irmão comendo o outro. O estado de sítio fez com que aflorasse um instinto primitivo naquelas pessoas. Acabando a comida, primeiro atacaram os animais de estimação, limparam a cidade dos ratos, devorando todos, depois voltaram para si. O morto não mais era enterrado e sim devorado a céu aberto, sem nenhum pudor. Sturgis via seus comandados atordoados, ele mesmo estava sentindo uma dificuldade enorme de não perder o controle. Seu último ato nesse primeiro dia foi de invadir uma torre e matar dois atiradores de elite que estavam causando baixas no seu exército, sem piedade fuzilou os dois que já tinham se rendido.

As crianças tinham sido alimentadas, adora dormiam, era um sono compulsório, tinham ingerido uma forte dose de sonífero, como o planejado. O velho artista olhava ansioso para o quadro, esperava finalmente pela manifestação do mal. Esperou um minuto que na verdade parecia uma hora inteira, tamborilava com os dedos na cadeira, mesmo em meio a um frio desolador, começou a sentir calor, a casa inteira estava se aquecendo. Primeiro surgiu o pé, depois a perna da criatura.

- Excelente, velho!!

Aos poucos a criatura ia saindo de trás da macieira, sua presença afetava tudo ao redor, o quadro parecia ganhar vida e as maçãs, encomendadas para a morte, murchavam, o tom vermelho dava lugar a um preto sem brilho, murcho, aos poucos foram caindo da árvore. Agora as folhas secavam, do verde a um marrom sem graça, a árvore começava a ficar pelada, galhos e mais galhos sem vida. A paisagem que mais lembrava o paraíso dava lugar a uma visão do que deveria ser o jardim do inferno, até as aves tinham morrido. O velho tinha fechado os olhos, não tinha coragem para olhar o horror que se apresentava, um monstro com olhos azuis, corpo acizentado bastante musculoso e cheio de caroços. Mãos enormes, preparadas para destruir e dentes afiados prontos para cavar um túnel em meio ao concreto. Rosnou para o velho:

- Veja agora a captura das almas.

Chorava agora com mais intensidade, o medo era genuíno, o velho não sabia se iria suportar aquilo tudo. A criatura olhava para aquela pequena criança dormindo. Sem nenhuma misericórdia a levanta pela cabeça e é por ali que começa a comê-la, quebrando o crânio e mastigando seu cérebro.

Ao ouvir o barulho do crânio sendo quebrado, o velho gritou assustadoramente muito alto.

Sua missão naquele local parecia estar chegando ao fim, os soldados estavam fugindo, outros se entregando, eram poucos os focos de conflitos. Sturgis sabe que no último dia tinha cometido alguns crimes de guerra, como ter matado alguns civis e soldados inimigos que já tinham se rendido, talvez mais por estar frustrado, não sabe se sua namorada vai estar esperando o seu retorno e, sua face cheia de cicatrizes, não era mais atraente. No seu cinto restava apenas uma granada, seus dedos coçavam para usa-la, foi quando ouviu um grito vindo da casa em frente.

Esquecendo a prudência e ignorando o básico da segurança se lançou pela porta. Ao longe percebeu algo: "Foda-se os canibais", pensou. Puxou o pino da granada e a lançou, saiu correndo da casa. Em sua mente não poderia ter restado aquela granada, não iria conseguir dormir de noite.

Epílogo

Mesmo sem saber, Sturgis tinha salvo algumas almas inocentes. Ele quando jogou a granada não tinha percebido que ainda restavam quatro crianças dormindo. Talvez se descobrisse isso não iria se perdoar. Nessa balança de almas, as crianças foram salvas, mas sua alma foi perdida. O mal ganhou um comandante.