Eu sou o Medo
Meu corpo estremeceu quando a criatura se encurvou para me encarar, seus olhos pareciam vazios de qualquer racionalidade, e ao mesmo tempo cheios, cheios de trevas, as mais densas trevas. Seu olhar era penetrante, homicida e faminto. A sua face desfigurada se aproximou da minha e a boca se abriu revelando três fileiras de grandes dentes pontiagudos; o som que se seguiu, o rugido da besta-fera, parecia uma sinfonia de gritos de pavor que fez estremecer até a minha alma. Eu sairia correndo, mas meus músculos que já estavam enrijecidos pareceram virar pedras.
Pensei que a criatura fosse me devorar, mas ela simplesmente fechou a boca e expressou a satisfação de quem degusta o melhor dos sabores, então percebi que ela queria sim se alimentar de mim, mas não me comer. Ela desejava prolongar aquilo ao máximo, até pela eternidade se pudesse, mas sabia que inevitavelmente me mataria aos poucos.
O monstro me rodeou, contemplando com prazer a minha reação de pavor. Parou, encostou a boca em meu ouvido, e sussurrou palavras desconexas, mas que em minha mente tinham sentido claro:
"Na tua pele sou o calafrio, na tua alma a dor da antecipação.
No teu corpo sou o arrepio e a taquicardia do seu coração.
Na tua cama sou a insônia e amargura.
Sou teu companheiro na viela escura.
Sou o carrasco e o açoite. Sou o suadouro incessante.
Sou o fantasma da noite. Sou, no teu ouvido, o sussurro gritante,
que a todo tempo te afronta.
Sou a causa e a consequência de tudo que te amedronta.
Minha identidade não é mais segredo,
Temei! Eu sou o medo".