A Maldita

Se eu morrer, amanhã, ninguém se lembrara de mim. Se eu viver, hoje mesmo todos estarão ao meu encalço. Merda! A maldita me pegou. Ainda me lembro: tantas festas, regadas a droga e sexo, para ontem ter sido minha última noitada. Não me lembro de nada. Quando acordei já estava com ela. A Maldita! Como fui burro! Mas tenho que pensar rápido. Se ficar morro. Entretanto, não tenho forças para correr atrás do soro, no mercado negro. Todos me avisaram, mas eu não ouvi ninguém. Só tinha olhos para ela: linda, feito uma flor, desejosa feito uma china. Linda demais!

Meu coração não conseguiu divisar: atração de desejo puro. Ontem, ela apareceu, com seu corpete, um piercing no supercílio, então imaginei: onde mais, ela teria outros? Seus olhos me encantaram, seu sorriso mexeu tanto comigo. Fiquei tentado em beijá-la, abraçá-la, senti-la em mim. Ela veio serpenteando seu corpo, aproximando-se de mim. Por instantes esqueci-me dos avisos sobre A Maldita e fui me envolvendo, cedendo até me entregar por completo, aquela ninfa.

Meus olhos estão doendo, minha boca está ressecada, fraqueza, sonolência e falta de ar constante. São os sintomas, merda! Como pude cair feito patinho. Os avisos são claros: cuidado com a Maldita. Agora estou aqui, neste quarto sem saber o que me aguarda lá fora. De todo jeito, sou um homem morto! Estou morrendo por dentro, meus órgãos estão apodrecendo a cada minuto, dizem que a morte é assim; sorrateira, é moça que vem no silêncio da madrugada. Escoltada por um par de anjos: um que tem a chave do paraíso, o outro a chave que abre os portões do inferno.

Merda! Sou muito novo para morrer! Mas se eu sair para rua, no primeiro Beco: eu morro. Pois os capangas dos chefões me aguardam. Se não tivesse cedido. Eu estaria vivo. Mas, não tenho escapatória. Ou apodreço aqui ou caio nas mãos dos capangas num beco qualquer. Diabos! A Maldita me pegou. Eu tinha tudo, amigos, casa, carro, mulher direita e lindos filhos. Um emprego na sociedade, um nome respeitado e agora o que tenho? A solidão, o vazio, a angústia de saber: que morro neste momento. São vinte horas, já se passaram dezenove, desde quando a Maldita me pegou. Restam-me cinco horas e alguns minutos. Mas se sair eu morrerei em menos de quinze minutos. Maldição!

Sinto uma lágrima rolar, já não sei se é ou talvez sejam os sintomas, pois nunca na vida chorei, tive apenas alegria! Enquanto era livre da Maldita, eu andava por cima da carne seca. Os chefões me respeitavam. Era um convidado ilustre em seus iates, em seus hotéis, aproveitava de todas as raparigas. Com todo o cuidado pra não cair nas garras da Maldita. Eu zombava de todos que caiam nos braços dela, eu olhava com olhos de nojo e desprezo a todos aqueles que estavam morrendo, mesmo com o soro todos definham até a morte.

Droga! Agora, serei eu o repudiado por todos. Serei execrado pela sociedade. Até mesmo por essa sociedade: ralé e pífia dos marginais. Estou tremendo, não sei se é de medo ou de frio? Meus nevos parece querer saltarem dos meus ossos. Não consigo entender, como a Maldita me pegou? Sinto-me sufocado, tenho que sair, porém mais lágrimas derramam de meus olhos. Queria poder gritar mais a voz me falta! Merda! Duas vezes merda! Não tenho mais tempo, queria pode escrever uma despedida, contudo meu cérebro agora é falho. Os nomes de meus filhos são: vogais, sem consoantes, o de minha ex-esposa nem as vogais eu sei.

Ontem, fiz tudo pela ultima vez: sexo, droga! Curti meus últimos sentimentos e momentos. A julgar pelo andar da carruagem, não consigo me levantar mais daqui. Eles entraram, e me zombam. Jogam gasolina em tudo, ouço suas risadas, meus olhos não abrem mais. Minha carne quei...

O ano é 2137, uma versão avançadíssima de um vírus, que mata em 24 horas aterroriza toda a sociedade, alguns chefões do crime, quando quer eliminar um rival, manda suas ninfas hospedeiras para aniquilá-los. E o soro que extermina do organismo o vírus, ou parte dele, prolongando um pouco mais a vida dos contaminados, só o governo e os mafiosos tem em mãos. E eles decidem: quem vive e quem morre...

E ele morreu! Primeiro por dar um golpe milionário, no crime organizado. Segundo, por não ter ficado longe da Maldita.

valdison compositor
Enviado por valdison compositor em 13/06/2010
Código do texto: T2318310