O taxidermista
Enrico era um funcionário do IML de Passo de los Bravos, uma cidade nos confins do Atacama, não era raro vê-lo com seu cachimbo na boca, e também bem comum assistir este procedimento enquanto examinava algum cadáver, com mais de um dia de falecido.
Era uma tarde de mormaço, no verão dos Andes e a beira do deserto o ar fervilhava dando vida aos mais diversos objetos, e a lenda diz que muitos vêem miragens nestas horas, neste ambiente vivia Enrico.
Enrico sempre viveu neste fim de mundo entre alguns milhares de habitantes de Passo de los Bravos, centro regional.
Ali reuniam na praça, toda a sorte de gente nos sábados para o escambo de todas as coisas consideradas de bom comercio.
Foi no escuro da madrugada de num sábado de primavera, ao longe surgiu um índio, trazendo de arrasto uma padiola, e coberto algo que chamou a atenção de todos os madrugadores...
Veio passou pelo meio da praça e ali ao lado encostou a padiola, sem a descobrir.
Sentou ao lado, retirou do bornal alguma carne seca e comeu depois um generoso gole de água do cantil.
As 07 horas da manhã o burburinho já era intenso, e todos que estavam curiosos, já faziam seus afazeres, mas de soslaio de vez em quando observavam o estranho visitante, com sua misteriosa padiola.
08 horas, levantando o olhar, o índio viu la do outro lado da praça, Enrico, levantou de onde estava, e em rápidas passadas chegou ao funcionário do IML.
Todos na praça, olharam, os gestos do índio, gestos que imploravam alguma coisa a Enrico, que vez ou outra sorria e olhava para o lado e balançava a cabeça.
Depois de 15 minutos de conversa, Enrico balançou a cabeça afirmativamente.
O índio se afastou, abaixou-se, pegou firmes as astes da padiola e arrastando-a, saiu da praça e dirigiu-se para o IML.
O movimento na praça era bem grande e ninguém notou a ausência do índio, que ao chegar no IML, pediu ao zelador para deixá-lo entrar por ordem de Enrico, e assim o fez.
Dirigiu-se pelos corredores do IML, até uma sala de cor verde no final do edifício.
Abriu a porta, entrou, e com algum esforço, colocou a criatura enrolada em cima de uma mesa de aço inoxidável, e retirou-se para frente do IML, e ficou aguardando Enrico.
Pelas 10 hora, Enrico, chegou e lhe disse:
____Vou dar uma olhada só meu amigo, depois te digo algo.
Lentamente, Enrico adentrou ao prédio, fez que foi a sala verde, deu uma volta e saiu...
Já na frente do IML, comunicou ao índio:
____Depois do almoço eu posso recomeçar.
O índio entendeu e se retirou.
A intenção de Enrico era de chegar em casa e ligar para o zelador resolver o problema mas a curiosidade de Enrico, foi maior.
13 horas, ele voltou ao IML e como nos finais de semana de sábado à tarde em diante não havia mais ninguém no IML, ele ficou tranqüilo, para observar o que o índio havia trazido.
Girou, uma...duas vezes a chave na porta do IML, o silencio mortal dava um ar mais tenebroso aquele cemitério de gelado, que sepultava temporariamente cadáveres...
Lentamente caminhou nos corredores onde tantos mortos haviam passado, dobrou um último corredor, e na sala verde abriu a porta...
Em cima da mesa encoberto, ele sabia o que estava.
Aproximou-se, enxugou o suor, esticou os dois braços, pegou as pontas do grande lençol e ergueu...
Um rugido infernal encheu a sala, e Enrico, sentiu a boca da fera gotejar saliva no seu rosto, e nada mais ele viu.
O puma negro, urrou, pôs-se em pé e lançou-se sobre Enrico, e em questão de segundos, envolveu o pescoço
do pobre homem, que num grito rouco, abraçou a fera, mas o banho de sangue lhe turvou a visão, enquanto
o cheiro de sangue fez com que o animal, lhe arrancasse a cabeça e cravasse as unhas no tórax e abdômen.
O branco do assoalho estava rubro, e ofegante, a fera alimentava-se do corpo de Enrico num horrível banquete.
Por algum motivo, o puma que devia estar morto, sobreviveu a flechada do índio, que queria que Enrico o empalhasse pra ele.
Enrico era taxidermista, empalhador de animais, nas horas vagas.
Malgaxe