Rosa vermelha de sangue

Era uma noite de alegria e parceria, parceria de amor. O casal de namorados vai mais uma vez a praça.

William e Maíra trocam palavras românticas. William se abaixa para pegar uma rosa para Maíra.

Naquela praça, sente-se o amor no ar. É um lugar comum daquele bairro para os casais de namorados se encontrarem.

William e Maíra trocam carícias e beijos e... sentem a necessidade de algo mais. Talvez seja hora de ir para casa, diz William. Maíra responde que quer aproveitar mais a noite que está tão agradável, mesmo o desejo queimando pouco a pouco dentro dela.

William olha para o outro lado da praça e vê um rosto conhecido, uma pessoa andando, olhando para eles, mas logo desaparece na penumbra.

Com um sorriso no rosto e Maíra ao seu lado a mente de William vai para outro lugar, para os tempos de escola. Ele ignora esse pensamento e segue seu passeio.

Maíra vê uma amiga e vai cumprimentá-la. William senta-se em um dos bancos da praça. Por um momento baixa a cabeça e fecha os olhos. Quando os abre, nada é mais como antes.

A praça que estava cheia, agora não há ninguém nem mesmo Maíra.

Para onde foi Maíra? É a primeira coisa que ele pensa. Vasculha com os olhos a praça à procura de Maíra, mas nada encontra. Apenas um homem de costas, meio distante. Um homem que usa um sobretudo preto.

William corre em direção à ele. Talvez esse homem tenha respostas do que aconteceu. Talvez seja, também, uma vítima disso tudo e juntos possam encontrar a resposta.

William finalmente alcança o homem. O chama: "ei", pondo a mão em seu ombro esquerdo. O homem se vira e William se espanta.

O tal homem tem uma enorme cicatriz em seu rosto. Uma cicatriz provocada por um grande corte. A cicatriz vai do lado esquerdo de sua testa passando por entre o olho, nariz e bochecha direita. Ao olhar os olhos desse homem, William sente um frio na espinha. Essa era a pessoa que William viu olhando para ele e Maíra minutos atrás. Não tinha reparado a cicatriz. Talvez por causa da distância e pela pouca luz no lugar. William sente que essa pessoa lhe é conhecida. Então, o homem lhe diz:

- Olá, William, há quanto tempo.

Esse homem entrega-lhe uma rosa branca, mas há respingos de sangue nela. O homem diz:

- Essa é a rosa que você deu a Maíra.

Os olhos de William arregalam-se, ele imediatamente deixa a rosa cair e, em sua mente lembra-se do passado, dos tempos de escola, de uma briga, seu rival, Sérgio.

O motivo da briga já não é mais lembrado, treze anos atrás, noite na frente da escola.

Com um punhal, William corta o rosto de Sérgio. Todas as pessoas ao redor gritam como se aquilo fosse um jogo e William tivesse marcado um ponto.

Sérgio leva as mãos ao rosto, o sangue escorre. Sérgio ajoelha-se e William diz:

- Isso é pra você não se meter mais comigo, seu trouxa.

Ninguém chega perto de Sérgio para ajudá-lo. A lembrança se vai.

William olha assustado para Sérgio que está bem na sua frente. Sérgio pergunta:

- Se divertiu bastante aquele dia?

William apenas olha.

- Viu o que você fez com o meu rosto? - pergunta Sérgio.

- Eu... não tive intenção. Eram outros tempos, minha maneira de pensar era outra. Hoje, eu sou completamente diferente daquela época.

- Você teve intenção sim - retruca Sérgio. - O que você é hoje não faz diferença.

William pergunta:

- O que aconteceu aqui? Que sangue é esse na rosa?

- Pelo que você me fez, eu fiquei feio. Nenhuma mulher jamais voltou a olhar pra mim com olhos de desejo. A reação das pessoas era sempre de espanto, dó ou repulsa. Durante minha vida muitas pessoas tiraram sarro de mim, me humilharam. Tudo o que passei na vida merecia ser cobrado, então... cometi suicídio.

Naquele instante, William ouve a voz de Maíra chamando-o. Ele se vira na direção da voz e vê, a alguns metros, Maíra de costas.

William corre em sua direção chamando o nome dela. Quando a alcança, ele sorri e a vira para sua direção. A face de William congela.

O rosto de Maíra está cheio de cortes e ela diz:

- Você ainda gosta de mim mesmo assim, não é, William? Você gosta de mim, não é?

Ela estende o braço para ele ao mesmo tempo em que de seus cortes escorre sangue. William grita e se vira dando de cara com Sérgio.

William vê que Maíra não está atrás dele, é como se tivesse desaparecido. Ele engole em seco e pergunta:

- O que você quer dizer quando falou que cometeu suicídio?

- Me matar seria o único meio de conseguir poder para me vingar. Agora, como ainda estou neste mundo, é uma coisa que não interessa a você. Você me tirou o direito de amar, agora, você não vai mais amar.

Sérgio se abaixa e pega no jardim uma rosa que ainda está desabrochando e diz:

- Eu me lembro do seu irmão. Na época, era uma criança. Toda vez que me via, o garoto me ofendia. Coisa que ele aprendeu com você, é claro. Moleque maldito - Sérgio esmaga a rosa. - Já chega. Está na hora de darmos o próximo passo desse jogo... na sua casa.

A casa de William era do outro lado da rua, à poucos metros a frente. William corre para sua casa e novamente ouve a voz de Maíra chamando por ele.

William, que está no meio da rua, se vira para a praça. Sérgio não está mais lá, mas Maíra aparece saindo de entre as árvores. Ela vê William:

- William, graças a Deus.

Ela corre em direção à ele. William estende o braço com a mão levantada e aberta para a direção de Maíra:

- O que é você? Outra ilusão? - ele pergunta.

- William, do que está falando? O que está acontecendo?

- Maíra, é você de verdade? É você mesma?

Maíra, completamente confusa, responde:

- Você sumiu. Eu comecei a procurá-lo pela praça, de repente, um homem de sobretudo esbarrou em mim, eu caí. Quando abri os olhos todos tinham desaparecido. Eu comecei a andar pela praça tentando encontrar alguém, até que vi você.

William estende os dois braços demonstrando que quer abraçar Maíra. Ela corre em sua direção. Os dois se abraçam:

- Oh, Maíra, é você mesma. Obrigado, Meu Deus.

- O que está acontecendo? - pergunta Maíra.

- Vamos pra minha casa e eu vou explicando.

Ao chegar em frente de casa, William e Maíra veem o portão aberto. William vê seu cachorro, na garagem, decapitado.

- Oh, Meu Deus - Maíra vira o rosto.

Eles entram na garagem. A casa de William tem uma entrada lateral para a sala e outra para a cozinha, de frente para a rua ficam as janelas que estão fechadas e com cortinas passadas. A porta para a sala fica logo no começo do corredor lateral. Corredor estreito. De um lado a casa de William, do outro, o muro do vizinho.

William tenta abrir a porta da sala, mas ela está trancada. Eles vão para o final do corredor tentar entrar pela cozinha. No final dele ficam as escadas para a área de baixo da casa que é a lavanderia

William chama por seus pais, seu irmão Rodrigo, mas não obtêm nenhuma resposta. William e Maíra seguem pelo corredor que está com a luz apagada. De repente, o cachorro começa a gemer.

- Meu Deus, William?

Os dois olham para trás, mas do ponto onde estão, não podem ver o cachorro.

- Vamos continuar - diz William.

Conforme avançam os gemidos do cão se tornam mais agudos. Quando os dois chegam em frente à porta da cozinha, os gemidos se transformam em latidos. William abre a porta, que está destrancada e o silêncio volta a imperar no ambiente.

Os dois entram na cozinha, aparentemente normal, exceto pela porta da geladeira que está entreaberta. William corre direto para a sala. Maíra fica na cozinha observando pra ver se está mesmo tudo normal e resolve abrir a geladeira. Quando abre, Maíra grita.

William volta e vê seu irmão, Rodrigo, esquartejado dentro da geladeira. William se desespera. Começa a bater na mesa à medida que se ajoelha:

- Não, não, isso não pode estar acontecendo. É mentira - Maíra o abraça. - Minha única esperança é que tudo seja um pesadelo e eu acorde, Maíra.

- Nós dois acordarmos, William. Nós dois precisamos acordar.

- Meus pais - William levanta-se preocupado. - Tenho que achar meus pais.

William vai para a parte de cima da casa, os quartos. William sobe e Maíra passa o olhar pela sala. Está tudo bem, exceto pela tevê ligada sem imagem e sem som. Maíra a desliga pelo controle remoto.

Um quarto de hóspedes, o quarto dos dois irmãos, o quarto dos pais e um banheiro são o que se encontram na parte de cima da casa. William verifica tudo e não encontra ninguém. O quarto de seus pais leva a uma varanda aonde William vai.

Abre a porta e anda lentamente enquanto observa a rua vazia. Nenhum sinal de vida nas outras casas.

- Qual o seu próximo passo, Sérgio, seu maldito? - pergunta William. - Qual o próximo passo nesse jogo?

Os sentimentos de William estão mudando de pavor e medo para ódio. Ele começa a aceitar melhor a situação. Desce para a cozinha.

Atrás da cozinha também há uma estreita varanda onde a mãe de William cultiva uma pequena horta. É lá que ele está agora.

Olha para a lavanderia. A última parte da casa onde não verificou. Ele fecha os olhos, engole em seco e sente calafrio. William vai para a lavanderia.

- Maíra, você veio pra cá sozinha? - pergunta William repreendendo Maíra.

Não deve haver nada aqui, senão Maíra teria me avisado, pensa William. Na parte de baixo da casa, William tem do seu lado esquerdo um pequeno jardim, do lado direito, a lavanderia, um banheiro e mais dois cômodos usados como dispensa e pra guardar quinquilharias, mas onde está Maíra? William não a vê.

- Maíra, você está aqui?

William, correndo, verifica todo lugar, mas, pra seu desespero aumentar, não a encontra. Ele encosta no muro que separa sua casa da do vizinho. Fica de costas para o muro e de frente para a escada que leva para o térreo. Ele deixa-se cair, escorregando devagar até cair sentado no chão.

Suas emoções mudam novamente. Ele começa a chorar:

- Maíra , meus pais, meu irmão, minha vida. O que aconteceu com a minha vida?

William leva as mãos ao rosto. De repente, abre os olhos:

- O banheiro do andar de cima, ao lado dos quartos. Por que não olhei?

Ele levanta-se desesperançoso e caminha lentamente em direção às escadas. O que pode encontrar naquele banheiro? Uma pista de como sair desse lugar, de dar mais um passo nesse jogo mórbido, ou apenas nada? Ele vai e ao abrir a porta do banheiro, o que restava de seu mundo desaba.

William vê seus pais sentados no chão, de costas pra parede, eviscerados. O vaso sanitário está entupido com as vísceras do casal. O sangue está escorrendo pra fora do vaso e desabando no chão. Então a voz de Sérgio vem do corredor do lado de fora da casa:

- Ah, ele achou - Sérgio fala de maneira irônica. - O banheiro, eles estavam no banheiro. Eu esperava que os encontrasse mais rápido. Eu tinha planos diferentes para você com Maíra, mas mudei de ideia ao vê-la sozinha na sala.

William vai em direção ao corredor e encontra Sérgio no meio dele. Ele está com as mãos nas costas.

- Estava me divertindo tanto com você vasculhando pela casa.

- Por quê? Por que fez tudo isso? - as emoções de William são um misto de tristeza e ira.

Sérgio se detém olhando para a face de William por alguns segundos e em seguida responde:

- Deixe-me continuar, eu quero falar sobre seus pais. O motivo de jogar suas vísceras no vaso foi porque eu sempre considerei sua família e você um amontoado de excrementos. Pena que entupiu logo - Sérgio começa a rir e William avança em sua direção.

- Um momento, William. Falta o último presente.

Sérgio mostra o que tem em suas mãos, uma faca e a cabeça de Maíra e entrega as duas delicadamente a William que as recebe sem saber que ação tomar.

- O jogo acabou - diz Sérgio dando as costas para William e avançando no corredor em direção a garagem. - Ah, o pobre cachorro. Eu pensei seriamente em deixá-lo viver - Sérgio ajoelha-se diante do cachorro enquanto a fúria de William eleva-se mais e mais. - Era o único que valia a pena, o único da família digno de alguma coisa.

William não está vendo mais Sérgio, por falta da iluminação do corredor, mas parte enfurecido em sua direção e, sem pensar, desfere duas facadas nas costas do corpo vestido de sobretudo ajoelhado diante do cachorro.

O corpo cai e o que William vê é o corpo de Maíra embaixo daquele sobretudo e vê mais:

A rua, outrora vazia, agora há pessoas nela, pessoas nas casas vizinhas, luzes acesas. Pessoas que cuidavam de suas vidas, que andavam pela rua e que agora olham para William horrorizadas. Do outro lado da rua, William vê Sérgio parado olhando pra ele. Os lábios de Sérgio começam a se mover como se ele estivesse falando, mas só William pode ouvir:

- Está foi a última jogada, William. Nada disso é uma ilusão. Você está no mundo real agora. Essas pessoas viram você esfaqueando Maíra. Está tudo acabado, você será preso. Dirão que teve um surto de loucura e matou brutalmente sua família e sua namorada. A polícia já está vindo, eu cuidei disso. Ninguém acreditará na sua versão. Será abandonado pelo restante de sua família e irá para um hospital custódia onde passará o resto da vida pensando no que aconteceu aqui e enlouquecendo de verdade. Obrigado pelo divertimento, William, obrigado e adeus.

William só pode gritar enquanto vê o carro da polícia estacionar em sua porta e Sérgio indo embora.

Robert Phoenix
Enviado por Robert Phoenix em 23/05/2010
Reeditado em 19/10/2019
Código do texto: T2275413
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