Morbidez
Madrugada. Chuva forte caindo.
O gosto amargo na boca. O amargo de seus dias que se foram.
A dor que dilacera seu coração que já bate fraco.
O cheiro de mofo e morte invade suas narinas.
Pela vidro da janela raios cortam o céu negro.
A água bate forte contra o vidro, como se quisesse salvá-lo.
Sua mente está confusa, pensa nos dias que se passaram em vão.
Sua vida medíocre. Sua infância miserável.
Na escola que nem teve, nos brinquedos que sonhou, apenas sonhou.
Pensa naquela que sempre amou e que o ignorou.
Sua mente confusa e perturbada cria imagens que desfilam pela parede suja.
Sua cabeça dói. E a chuva aumenta.
Apenas os poucos móveis velhos fazem companhia, e tem sido assim há dias.
Ele sente que seu fim está chegando.
A escuridão quase toma conta da casa, quando uma das velas se apaga, deixando uma fúnebre luz amarelada vindo de apenas uma já bem gasta.
Ele sente dor, um arrepio, um frio.
A lâmina rasga a pele e a carne até encontrar as veias de seu pulso.
Uma sensação anestesiada.
Um delírio. Uma vontade de gritar mas sua condição de fraqueza não permiti.
Apenas olha para o nada. Sente algo escorrendo pela sua mão.
Quente e viscoso.
Devagar. Sem pressa.
Cada minuto parece demorar uma eternidade, uma vida ou uma morte.
Sem brinquedos, sem amor, sem felicidade.
Um vulto anda pela casa. Ele sabe quem é. Ela sempre andou ao seu lado.
Sente seu cheiro. Morte. Abençoada morte.
Dessa vez se encontrarão.
A dor se confunde com prazer. Sentir o sangue escorrendo. A vida se esvaindo.
A madrugada se adentra. O dia vem nascendo, cinza, sem sol, só a chuva que iniste em continuar.
A sensação de perda de consciência aumenta.
Ele sabe que vai ficar ali naquele canto da sala, numa poça de sangue até putrefar.
Até que alguém sinta o cheiro insuportável de carne apodrecendo.
Mas, sua alma já terá ido embora.
Para onde, ele não sabe. E nem faz questão de saber.
A vida se vai. Escorre pelos dedos. Imóveis.
Adeus.