BATUQUE DAS PANELAS

Esparramado na cama, debaixo de um fino lençol, consigo ver do outro lado a cabeça de meu irmão caçula. Seus pés cascudos raspam minha orelha direita. Não posso reclamar muito, pois ao contrário dos outros oito irmãos, nós ainda dormimos em uma cama. Mamãe está na cozinha preparando algo pra comermos, dormir com fome não é muito confortável. Nossa casa possui um quarto. - Uma cama com vários colchões espalhados pelo chão. - E a cozinha, que é separada por uma fenda na parede.

Por aqui o pessoal costuma ser muito unido. Basta um violão ou a velha sanfona de seu Menelau, para esquecermos a fome e passarmos a noite toda nos divertindo. Mas sabe qual é a música que mais gosto? Há... Dá-me até água na boca de pensar o batuque que mamãe faz na cozinha com as panelas. Esse som significa que em breve teremos aquela sopa gostosa de galinha. E pra minha alegria, ela já está há algum tempo lá na cozinha batucando.

Parece que todo mundo dormiu. O feixe de luz vindo do batuque das panelas ainda me alcança. Por que será que mamãe está demorando tanto? - Talvez fosse melhor eu ir verificar. - Afinal, a percussão grave do meu estômago agora se confunde com a melodia emitida por ela.

Penso, repenso, e penso mais um pouco. Vou esperar, afinal, papai esperaria. Ele sempre brigava conosco quando tentávamos apressar mamãe. - Pelo menos costumava fazer isso enquanto era vivo. - Ano passado ele estava na roça carpindo quando foi atingido na perna por uma enxada. Foi um descuido de seu companheiro que estava junto dele. A tia Laura disse alguns dias depois que havia infeccionado. Não vi mais papai.

Ai que fome! - penso. - Como eu queria ter um relógio para saber que horas são. Aquele que roubei do tiquinho parou de funcionar. Vou dormir.

Acho que apaguei por algum tempo. As luzes da cozinha ainda estão acessas, será que mamãe está bem? Acho melhor ir verificar. Estou tão cansado, mas pelo menos meu estômago não dói mais. Pra falar a verdade nem o sinto. Mamãe sempre falou que quanto menos eu comesse mais conseguiria suportar a fome, será que eu conseguiria não precisar comer? Seria bom, porque nem sempre tem comida para todos.

Vou à cozinha. Bem devagar para não acordar ninguém. Passar por esses colchões no chão sem pisar em ninguém não é uma tarefa tão fácil, entretanto depois de 12 anos, acabei pegando prática. Paulatinamente me aproximo da cozinha de onde o batuque agora é proeminente.

Mamãe está caída, talvez morta no chão. Os ratos, ao menos uns dez, andam entre as panelas caídas ao seu lado. - Então o barulho do batuque vinha deles. - Não tenho força para levantá-la, e também não sei bem se meu choque maior é vê-la ali lívida deitada, ou imaginar que não teremos comida. Na verdade, meu corpo está fraco. Sinto vontade de dormir, não como algo há umas duas semanas. Acho que vou me deitar ao lado de mamãe e fechar os olhos enquanto ouço, dessa vez pelos ratos, o batuque das panelas.