Noite Chuvosa
Anastáscia acordou pela 3ª vez naquela noite. Suada e com febre, ela também tossia muito e sentia dores fortíssimas. Chovia forte e caíam trovões com muita freqüência, o que só dificultava a chegada de Max, ele tinha a cavalo ao posto médico mais próximo (que não era nada próximo, na verdade) e Anastáscia nem sabia se ele conseguiria chegar antes do amanhecer.
Ela levantou o braço reunindo muita força para beber um copo d’água e amenizar sua sede.
Aos pés de uma colina era onde eles moravam, num vilarejo minúsculo e isolado e não tinham vizinhos pois moravam numa espécie de fazenda.
Anastáscia voltou a se deitar com a respiração forçada e difícil. “Max não vai chegar nunca, talvez nem sobreviva com tanta chuva” ela se maldizia quando mais um trovão caiu.
Eram 4h da madrugada, Max havia saído a quase duas horas para conseguir remédios para a pneumonia da esposa, mas o que ele nem ela sabiam era que o filho do casal decidira nascer justo nesta noite. Uma péssima noite para nascer, convenhamos.
O rádio ligou sozinho e ficou vagando entre as estações fazendo zumbidos estranhos. Anastáscia fitou o objeto espantada e tão de repente o rádio se calou. Anastáscia tossiu mais três vezes, desta vez, junto com a corisa, veio sangue no lenço dela. Outro trovão. Anastáscia levantou débil e tonta em direção a cozinha andando muito lentamente e se apoiando nos móveis, ela podia jurar ter visto um vulto preto passando violento ao seu lado. “Devo estar delirando ou enlouquecendo” disse para si enquanto sentava a mesa e começava a beber um suco que estava lá.
A chuva batia forte e constante contra as janelas trancadas que se debatiam com as rajadas de vento. “Ele nunca vai chegar...”. Anastáscia sentia muitas dores, contrações, tantas que chegava ao extremo de querer morrer.
Ela levantou e pegou o telefone que estava preso à parede, mas como das outras doze vezes anteriores o antigo telefone não funcionava. “Merda”. “O que fazer?!” A mulher voltou para a cama e deitou tendo total consciência de que não tinha mais forças para levantar outra vez. Trovão. Mais chuva. Trovão. Desespero.
Anastáscia chorou de exaustão e dor, tossindo como nunca, seu filho queria nascer e Max não chegava.
As luzes do quarto começaram a piscar até que se apagaram por completo, pela janela de vidro ela pôde ver o poste explodindo na rua.
Ela acendeu duas velas que estavam sobre o criado mudo, mas elas nem duraram nem dez segundos por causa do vento, um vendo gelado que a fazia ficar arrepiada, se bem que nessas condições era muito difícil dizer que o que a arrepiava era o frio com as contrações se tornando mais intensas fazendo-a se contorcer de dor.
Anastáscia começou a ouvir barulhos parecidos com os do cavalo de Max, tinha certeza de que era ele, pôde ouvir o marido bater a porta e já abria um grande sorriso na face suada quando olhou para a porta e a viu trancada, bem como estava o tempo todo. Mais lágrimas rolaram pelas maças do rosto e febre, muita febre. A mulher se contorcia por debaixo das cobertas quando tomou um grande susto com o rádio ligando e desligando outra vez liberando sons estridentes que lembravam gritos de agonia.
Não havia mais tempo. Era impossível esperar mais, impossível, ou fazia mesmo isso ou ia morrer e matar o bebê. Anastáscia jogou os cabelos castanhos para trás na esperança de algum alívio físico em quanto abria as pernas e começava ela mesma seu parto.
- ONDE ESTÁ VOCÊ, MAX?! ONDE ESTÁ VOCÊ? – Ela gritava fazendo força.
Tanta força que lágrimas escorriam dos grandes olhos verdes pelo rosto avermelhado. Ela via sua casa de um jeito diferente, confuso, os objetos se mexiam, brilhavam intensamente, nada mais ficava quieto, parecia que todo o mundo girava.
Mais forças. Anastáscia podia sentir seu corpo dilatando e conseguia sentir, até, seu filho nascer.
Ela agarrou os lençóis com tanta força e urgência que suas unhas quase os perfuraram enquanto fazia uma força descomunal entre gritos. A cabeça saíra enchendo a casa de choro, facilitando um pouco o processo. Anastáscia gritou, berrou, bradou, já não tinha mais voz e seu corpo pedia para morrer.
Mais trovões estrondaram, chuvas e vento.
O bebê saiu. Anastáscia não teve tempo de descansar, agarrou o filho e o pôs nos braços enquanto ele berrava desesperadamente. Ela sentia contrações ainda ligada ao filho umbilicalmente. Mais uma vez o vulto preto passou pelas paredes fazendo a mulher agarrar o primogênito.
Max chegou, ensopado, agoniado.
- Anas... – ele não conseguiu terminar quando olhou para a esposa – Mas como você conseguiu?! Oh, meu Deus...
Ela só chorou.
Max correu desesperado para a cozinha trazendo uma grande tesoura, ele pegou na bolsa que trouxera um remédio anestésico e deu para a mulher, esperou um minuto ou dois até fazer efeito, agarrou o filho com força e cortou o cordão umbilical. Com um pano Max enrolou o filho cuidadosamente e deitou-o na cama, passou uma toalha molhada pelo corpo da esposa a fim de aliviar da agonia e lhe deu os devidos remédios.
- Você conseguiu! – murmurou ele, orgulhoso.
- Ob-obrigada. – ela sussurrou.
- Shhhh, descanse, amor – Mas estava exausto mas não deixava isso transparecer.
O bebê chorava, gritava. Max o pegou e colocou nos braços de Anastáscia e ela o amamentou pela 1 vez, tudo doía muito, mas no fundo ela estava feliz.
O vulto passou novamente, dessa vez mais rápido. E passaram-se mais e mais vultos. Max olhava para os lados com todos aqueles vultos pretos nas paredes e no teto sem saber o que fazer. O ser perto que parecia ser feito de fumaça surgiu no quarto vindo da parede fazendo tudo por perto ficar gelado, tenso, sombrio.
Silenciosamente o ser preto e tenebroso tirou o bebê dos braços da mãe. Max tentou bater nele, gritou, jogou objetos, mas nada, nada o atingia.
O ser negro e esfumaçado foi embora com o bebê. No quarto deixou uma mãe e um pai gritando e chorando em desespero mortal.
@olavocesar